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Um passo em direção do novo pacto mundial sobre migração

Young children at a refugee centre in Buchs, Switzerland in January 2016
Crianças em um centro de refugiados em Buchs, Suíça, em janeiro de 2016 Keystone

A regulação da migração é um dos desafios mais profundos para a cooperação internacional nos dias de hoje.

Ponto de vista
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A migração gera crescimento econômico, reduz as desigualdades e conecta diversas sociedades. No entanto, é também uma fonte de tensões políticas e tragédias humanas. A maioria dos migrantes vive e trabalha legalmente. Entretanto, uma minoria desesperada está colocando suas vidas em risco para entrar em países onde são tratados como suspeitos e submetidos a abusos.

As pressões demográficas e o impacto das mudanças climáticas em sociedades vulneráveis provavelmente irão impulsionar a migração nos próximos anos. Como comunidade global, enfrentamos o seguinte cenário: queremos que a migração seja uma fonte de prosperidade e de solidariedade internacional, ou um argumento para a barbárie e o desgaste social?

Neste ano, os governos irão negociar um Pacto Global sobre Migração por meio da ONU (Organização das Nações Unidas). Este será o primeiro acordo internacional abrangente desse tipo. Não será um tratado formal, mas também não pretende impor obrigações vinculativas aos estados.

Em vez disso, é uma oportunidade sem precedentes para os líderes políticos combaterem os mitos perniciosos que cercam os migrantes e estabelecer uma visão comum de como fazer a migração trabalhar favoravelmente para todas as nossas nações.

António GuterresLink externo assumiu o cargo de Secretário-Geral da ONU em 1o de Janeiro de 2017, substituindo seu antecessor Ban Ki-Moon.

Esta é uma tarefa urgente. Nós vimos o que acontece quando a migração em larga escala ocorre sem mecanismos efetivos de supervisão. O mundo ficou chocado com o recente vídeo de migrantes sendo vendidos como escravos.

Tão cruel como as imagens divulgadas, o verdadeiro escândalo é visto nos milhares de migrantes ilegais que sofrem o mesmo destino a cada ano, sem qualquer registro. Muitos deles estão presos a trabalhos degradantes e precários, em regime de quase escravidão. Hoje, há cerca de seis milhões de migrantes presos a trabalhos forçados, muitas vezes em economias desenvolvidas.

Como poderemos acabar com essas injustiças e evitar sua repetição no futuro? Ao definir uma direção política clara sobre o horizonte da migração, acredito que três considerações fundamentais devam orientar as discussões sobre o pacote de medidas.

United Nations Secretary-General Antonio Guterres
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres Keystone

‘Grandes contribuições’

Primeiramente, é preciso reconhecer e reforçar os benefícios da migração, muitas vezes perdidos no debate público.

Os migrantes fazem grandes contribuições tanto para os países de acolhimento quanto para os seus países de origem. Eles assumem empregos que a força de trabalho local não pode preencher, impulsionando a atividade econômica. Muitos são inovadores e empreendedores. Quase metade de todos os migrantes são mulheres, procurando por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho.

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Suíça, terra de imigração europeia

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Os migrantes também contribuem de forma significativa para o desenvolvimento internacional enviando remessas de dinheiro para seus países de origem. Estas remessas totalizaram aproximadamente 600 bilhões de dólares no ano passado, o triplo de todo o montante disponível para a ajuda ao desenvolvimento.

O desafio fundamental é maximizar ordenadamente os benefícios do processo de migração, enquanto são eliminados os abusos e preconceitos que tornam a vida um inferno para uma minoria dos migrantes.

Processo migratório em 2018

Em 11 de Janeiro de 2018, o Secretário-Geral da ONU publicou um relatório intitulado “Fazendo a Migração Funcionar para todos”. Ele incita líderes a assumirem a responsabilidade de acabar com o estigma em torno da migração. O relatório surge após um acordo global sobre migração que será adotado pela Assembleia Geral da ONU no final deste ano.

Em Setembro de 2016, os 193 membros da Assembleia Geral da ONU adotaram um acordo político não vinculativo, a Declaração de Nova York, que promulgou os direitos humanos dos refugiados e migrantes e reconheceu a necessidade de uma abordagem compreensiva sobre migração internacional.

Neste ano foram realizadas consultas sobre como gerenciar as necessidades urgentes de 258 milhões de migrantes internacionais que devem ser concluídas com a adoção formal de uma estratégia global em uma conferência no Marrocos no mês de dezembro.

Melhores Leis

Em segundo lugar, os estados precisam fortalecer o estado de direito subjacente à forma como administram e protegem os migrantes – em benefício de suas economias, suas sociedades e dos próprios migrantes.

Autoridades que erguem grandes obstáculos à migração – ou impõem restrições severas às oportunidades de trabalho dos migrantes – causam um dano econômico próprio desnecessariamente, pois impõem barreiras para que suas necessidades trabalhistas sejam atendidas de forma ordenada e legal.

Pior ainda, estes estados incentivam involuntariamente a migração ilegal. Os aspirantes a migrantes, cujos caminhos legais são negados, inevitavelmente se voltam para os métodos irregulares. Isso não só os coloca em posições vulneráveis, como também mina a autoridade dos governos.

A melhor maneira de acabar com o estigma da ilegalidade e do abuso em torno dos migrantes é, de fato, que os governos criem novas oportunidades legais para a migração, eliminando restrições que estimulam as pessoas a burlar as regras, enquanto são melhoradas as condições do mercado de trabalho para os estrangeiros.

Os Estados também precisam trabalhar juntos de forma mais próxima para compartilhar os benefícios da migração, por exemplo através de uma parceria para identificar as lacunas de habilidades significativas em um país em que os migrantes de outro local estariam qualificados para preencher.

Cooperação internacional

Finalmente, em terceiro lugar, precisamos de uma maior cooperação internacional para proteger os migrantes vulneráveis, bem como os refugiados, devendo restabelecer a integridade do regime de proteção aos mesmos em conformidade com o direito internacional.

O destino dos milhares que morrem em esforços desafortunados de atravessar mares e desertos não é apenas uma tragédia humana. Também representa o fracasso político mais grave: os movimentos de massa não regulamentados em circunstâncias desesperadas alimentam a sensação de que as fronteiras estão sob ameaça e os governos não estão no controle.

Por sua vez, isso leva a controles fronteiriços draconianos que prejudicam nossos valores coletivos e ajudam a perpetuar as tragédias que muitas vezes vimos nos últimos anos.

Devemos cumprir nossas obrigações básicas de salvaguardar a vida e os direitos humanos desses migrantes que o sistema existente não acolheu.

Temos que tomar medidas urgentes para ajudar aqueles que agora estão presos em campos de refugiados, ou em risco de escravidão, ou que enfrentam situações de extrema violência, seja no norte da África ou na América Central. Temos de prever uma ação internacional ambiciosa para reassentar aqueles que não têm para onde ir.

Devemos também tomar medidas – através da ajuda ao desenvolvimento, dos esforços de mitigação do clima e da prevenção de conflitos – para evitar futuros movimentos não regulamentados de pessoas no futuro. A migração não deve significar sofrimento.

Temos que almejar um mundo em que possamos celebrar as contribuições da migração para a prosperidade, o desenvolvimento e a unidade internacional. É nosso poder coletivo alcançar esse objetivo. O pacto global deste ano pode ser um marco na estrada de fazer a migração funcionar verdadeiramente para todos.

Este artigo de opinião foi publicado pela primeira vez no  The GuardianLink externo.


Ponto de vista

Essa série de swissinfo.ch acolhe contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

As opiniões expressas nesses artigos são da exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem necessáriamente a opinião de swissinfo.ch.

Traduzido do inglês por Renata Bitar

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