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Jornalista sudanês conta calvário de Guatánamo

O presídio de Guantánamo visto do lado de fora. Keystone

Sami Mohieldin El Haj, journalista da rede árabe de TV Al Jazira, passou seis anos e meio na prisão que os Estados Unidos mantém em Cuba. Libertado no início de maio - sem acusação ou julgamento - ele veio à Genebra contar o que sofreu frente às Nações Unidas.

O sudanês foi preso em dezembro de 2001, quando fazia uma reportagem na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão durante a guerra contra o regime talebã.

Ele chega de terno e gravata impecáveis mesmo se a temperatura beira os 30 graus. Usa óculos com aros dourados e tem uma bengala na mão. Sami Mohieldin El Haj parece uma pessoa discreta e gentil.

Dois meses atrás, no entanto, ele ainda trajava o pijama de cor laranja visto em imagens esporádicas dos detentos de Guantánamo. O jornalista sudanês trabalhava há dois anos para a TV Al Jazira – canal de informação sediado em Doha, no Catar – e fazia uma reportagem sobre a guerra dos aliados que provocaria a queda do regime talebã.

Condições terríveis

“Quando viajei, em outubro de 2001, deixei minha mulher e meu filho de um ano e sabia que poderia levar um tiro. Eu estava conciente do perigo”, explica.

Detido durante seis anos e meio sem inculpação ou julgamento, como tantos outros, o jornalista passou por Genebra para testemunhar no Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Ele procura mover um processo, graças à Fundação Alkarama, para reconhecer a arbitrariedade de sua detenção e, posteriomente, mover uma ação penal contra o governo americano.

“Ficávamos isolados. Éramos maltratados e sem qualquer direito, nem mesmo o de fazer greve de fome. Eles nos impediam de dormir, deixando as luzes sempre acesas e nos colacavam em células geladas”, contou o jornalista em coletiva à imprensa. “Eles nos cobriam com bandeiras dos Estados Unidos e de Israel, pisavam no Alcorão e nos humilhavam sexualmente”.

Detido porque jornalista

Quando Sami Mohieldin foi preso, ela não trabalhava na clandestinidade. Tinha todos os documentos e autorizações necessárias para estar nessa área de guerra. Ele havia entrevistado pessoas ligadas ao regime talebã e supostos membros da Al Qaeda. Encontrar essas pessoas fazia parte de seu trabalho e ele afirma que, se tivesse tido oportunidade, teria entrevistado também Osama Bin Laden.

“Tenho certeza de que fui detido porque trabalhava para a Al Jazira. Os americanos não gostam da maneira como o canal aborda a atualidade. Durante esses anos de detenção, fui interrogado umas duzentas vezes e 95% das perguntas eram sobre Al Jazira. Recebi inclusive a proposta de trabalhar como espião dos serviços secretos americanos dentro da Al Jazira”, revela.

A bengala que usa atulmente é porque, durante a transferência para Guantánamo, foi jogado dentro do avião e rompeu os ligamentos de um joelho. Os castigos de ficar horas de cócoras agravaram a lesão. Ele afirma também que fez greves de fome várias vezes. Nessas ocasiões ele era amarrado a uma cadeira e forçado a comer por um tubo que provocava vômito e diarréias.

Como resistiu

“Os jornalistas precisam entender que têm uma missão. Durante a detenção, pensei que estava lá como testemunha e que precisava me lembrar de tudo para poder contar mais tarde”, afirma.

Os contatos com a família foram raros e eram feitos através da Cruz Vermelha Internacional. As cartas levavam até dois anos para chegar no destino, como explica o jornalista sudanês. Sua libertação resultou do trabalho de um advogado britânico e de ONGs e organizações de jornalistas que pressionaram o governo dos EUA.

“Retomei meu trabalho na Al Jazira, que criou um departamento de direitos humanos e me atribuiu a direção. Vou escrever um livro e fazer um documentário sobre o que passei. Só vou esquecer Guantánamo no dia em que essa prisão for fechada. Lá ainda estão 269 pessoas. Algumas enlouqueceram”, conclui Sami Mohieldin El Haj.

swissinfo

A Baia de Guantánamo localiza-se ao sul da ilha de Cuba e possui área de cerca de 111,9 km².

A baía foi concedida aos Estados Unidos como estação naval em 1903, em troca do pagamento de 4 085 dólares por ano. Na base de Guantánamo, existe uma dependência chamada Navassa, ilha desabitada com 5 km², situada entre a Jamaica e o Haiti. É na base naval americana da baía que se encontram os prisioneiros das guerras do Afeganistão e Iraque. Fidel Castro tentou em vão desfazer a concessão, e desde então, em sinal de protesto, nunca utilizou o valor do aluguel pago pelos EUA, que se mantém no mesmo valor até hoje. Ao redor da base, encontra-se o único campo minado ainda existente em todo o ocidente.

A manutenção da Base de Guantánamo não encontra amparo em nenhuma convenção internacional e, por isto, não há como fiscalizar o que acontece em seu interior. Os presos muitas vezes não possuem os direitos de consultar advogados, visitas ou até mesmo de um julgamento. Existem denúncias de tortura. Os Estados Unidos não permitem que a ONU inspecione as condições da base e do tratamento recebido pelos prisioneiros.

Tal situação tem requerido alguma atenção da mídia internacional, dada a suposta violação da convenção de Genebra e dos direitos humanos pelos Estados Unidos. (Wikipédia em português)

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