Como os ataques de Trump à diversidade afetam a indústria farmacêutica

As farmacêuticas suíças Roche e Novartis estão revendo suas metas de diversidade e inclusão em resposta aos decretos presidenciais do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Especialistas alertam que o abandono de metas de diversidade na pesquisa clínica pode atrasar o desenvolvimento de medicamentos em décadas.
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Multinacionais com sede fora dos Estados Unidos não estão imunes à pressão das ordens executivas [análogas aos decretos presidenciais brasileiros] do presidente norte-americano, Donald Trump. Em março, diversas empresas suíças anunciaram que estão ajustando sua linguagem e metas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) – e não apenas nos EUA, mas também em nível internacional.
Entre elas, a empresa farmacêutica Roche decidiu reformular uma de suas metas para os próximos dez anos, alterando-a de “alcançar um ambiente inclusivo por meio de uma liderança global que reflita nossa força de trabalho” para “promover um ambiente inclusivo que inspire as pessoas a darem o melhor de si”, disse um porta-voz da empresa à SWI swissinfo.ch, em um comunicado enviado por e-mail.
A decisão vem em resposta aos decretos presidenciais de Donald Trump, especificamente um publicado em 21 de janeiro, que visa “acabar com a discriminação ilegal e restaurar a oportunidade baseada no méritoLink externo”. O texto encoraja o setor privado a “eliminar a discriminação e as preferências ilegais de DEI (diversidade, equidade e inclusão)”.
Os programas e as políticas de DEI buscam criar ambientes de trabalho acolhedores para todas as pessoas e combater as barreiras à representatividade de grupos marginalizados, por exemplo, em cargos de liderança. Grandes empresas dos Estados Unidos e do mundo adotaram iniciativas de DEI num esforço para atrair e reter talentos, bem como para atender às demandas de uma base de consumidores cada vez mais diversificada. O presidente Trump atacou as políticas de DEI, classificando-as como parte de uma cultura “woke” que, segundo ele, leva ao tratamento injusto daqueles que não pertencem a nenhuma minoria.
Em meio ao desmonte das políticas de DEI promovido por Trump, a Roche retirou as metas de diversidadeLink externo do site de sua subsidiária norte-americana, a Genentech, em meados de fevereiro. A concorrente Novartis, sediada na Basileia, também anunciou que deixará de utilizar equipes de recrutamento diversasLink externo em seu processo de contratação nos EUA.
“A decisão da Roche de promover mudanças em nível global se deve ao fato de que nossos programas e metas globais podem impactar nossas operações nos Estados Unidos caso não estejamos em conformidade com a nova legislação”, disseram executivos da empresa em um e-mail enviado aos funcionários, ao qual a SWI teve acesso.
Mas o fato de multinacionais com sede na Suíça estarem se curvando às exigências de Trump levanta dúvidas sobre o alcance de suas ordens. Uma das principais questões é se atividades essenciais das empresas, como pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, poderiam ser afetadas.
Compreender como doenças e tratamentos afetam as pessoas de forma diferente, de acordo com sexo, gênero e etnia, tornou-se essencial para o desenvolvimento de medicamentos direcionados.
Em 2022, a Novartis investiu US$ 17,7 milhões (CHF 15 milhões) como parte de um plano de dez anos para enfrentar desigualdades raciais em ensaios clínicos. Um ano antes, a empresa havia lançado a iniciativa Beacon of HopeLink externo para colaborar com 26 universidades historicamente afro-americanas nos Estados Unidos.
A Novartis disse à SWI, por e-mail, que continua comprometida com a Beacon of Hope e que continuará investindo na “representação diversa de pacientes em estudos clínicos, uma vez que é fundamental para nossos esforços de pesquisa e desenvolvimento”.
A Roche expressou um posicionamento semelhante. Em seu relatório anual de 2024, a empresa afirmou que está incorporando “DEI em todos os aspectos de nossa pesquisa, desenvolvimento e fornecimento de soluções farmacêuticas e de diagnóstico”. Ela também destacou que conta com uma “equipe inteira dedicada a apoiar pesquisas inclusivas”.
Em resposta à SWI, um porta-voz da Roche afirmou que a pesquisa inclusiva realizada por sua subsidiária nos Estados Unidos “continuará focada na elaboração de estudos que incluam pacientes de várias raças, etnias e ascendências, para garantir que os ensaios clínicos reflitam uma população mais ampla de pacientes”.
Apesar disso, ainda há muita incerteza. No e-mail enviado aos funcionários, os executivos da Roche afirmaram que “daqui em diante, haverá mudanças no conteúdo, nas atividades e nos programas de DEI”, tanto nos Estados Unidos quanto a nível global.
O prejuízo a longo prazo
Especialistas ouvidos pela SWI alertaram que os pacientes serão os principais prejudicados por qualquer retrocesso nas políticas de diversidade no desenvolvimento de medicamentos.
“Não levar em consideração sexo, gênero e raça na pesquisa de novos medicamentos não é apenas uma ciência malfeita; é negligência”, disse Antonella Santuccione Chadha, patologista e neurologista que trabalhou na Roche e na Biogen de 2018 a 2022 e agora dirige a Women’s Brain Foundation, com sede em Zurique.

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Desenvolvimento de medicamentos passa por revisão de sexo e gênero
Nos últimos 40 anos, produtos médicos tiveram 3,5 vezes mais chances de serem retirados do mercado devido a efeitos adversos em mulheres do que em homens, segundo um estudoLink externo do McKinsey Health Institute publicado no ano passado.
Nos Estados Unidos, foi somente em 1993 que o FDA, a agência reguladora do país, passou a permitir que mulheres em idade fértil participassem das fases iniciais de testes clínicos. Na última década, diversas agências reguladoras de medicamentos, inclusive na SuíçaLink externo, desenvolveram diretrizes, ferramentas e padrões para promover mais diversidade nos estudos clínicos.
A importância de expandir os testes para uma população mais diversa se tornou ainda mais urgente devido às tendências demográficas. Até 2050, uma em cada quatro pessoas no planeta será africana, em comparação com 1 em cada 11 em 1960, de acordo com as Nações Unidas. Atualmente, apesar de a África abranger mais de 16% da população mundial e concentrar 25% da carga global de doenças, apenas 2% a 4% dos estudos clínicos globais são realizados no continente.
O impacto e as consequências de um retrocesso nas políticas de diversidade seriam “concretos e assustadores”, disse Claudia Vaccarone, consultora de estratégias inclusivas. Isso afetaria o “estudo e o desenvolvimento de medicamentos e equipamentos voltados especificamente para os problemas de saúde das mulheres e das minorias”.
Sob pressão
Já há sinais de que a diversidade e a inclusão na pesquisa médica estarão sob pressão no governo Trump.
Na primeira semana após a posse do presidente dos Estados Unidos, váriasLink externo páginas sobre diversidade na pesquisa foram removidas de sites do governo federal americano. Entre as páginas deletadas, havia um documento preliminar de diretrizes para fabricantes de medicamentos e equipamentos sobre populações sub-representadas em testes clínicos em fase final, que deveria ser finalizado em 2025. As diretrizes foram restauradas posteriormente, mas ainda não se sabe se os esforços serão mantidos.

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Cortes no financiamento de saúde dos EUA podem afetar pesquisas na Suíça
A Bloomberg informouLink externo em fevereiro que a empresa farmacêutica norte-americana Bristol Myers Squibb removeu as metas voltadas para a diversificação de ensaios clínicos de seu relatório anual de 2024.
Os Estados Unidos continuam sendo o maior mercado farmacêutico do mundo, respondendo por 40% a 50% da receita global da Novartis e da Roche. As empresas também mantêm contratos lucrativos com o governo estadunidense para realizar pesquisas e fornecer medicamentos, por exemplo, por meio do Medicare, o programa nacional de seguro-saúde voltado para pessoas com mais de 65 anos.
“As empresas precisam de regras, diretrizes e até incentivos para garantir que os estudos clínicos reflitam a população que estão tentando atender”, disse Chadha. “Este não é o momento de retroceder”.
Edição: Virginie Mangin/fh
Adaptação: Clarice Dominguez

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