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Neutrinos batem recorde de velocidade

O laboratório de Gran Sasso, próximo de L'Aquila, está enterrado sob 1400 metros de rocha. Keystone

As partículas foram capazes de “passar" em 60 nanossegundos a frente de fótons em uma corrida de 730 km entre o CERN, em Genebra, e os Abruzos, na Itália.

O recorde foi registrado por detectores, mas faltam ainda alguns passos para dizer que o muro da velocidade da luz foi vencido.

Já faz três anos que os físicos do CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, criam neutrinos em um de seus aceleradores de partículas para enviá-los diretamente através da crosta terrestre até os detectores do Gran Sasso, 120 km ao norte de Roma.

Há  seis meses que os pesquisadores dessa experiência, conhecida como OPERA (170 cientistas de 12 países) verificam e controlam em detalhes todos os seus parâmetros de tempo e distância. Isso porque seus resultados podem para abalar os fundamentos da física: os neutrinos foram cronometrados a 6 km/segundo a mais do que os famosos 299.792,458 km/s da luz, tidos como intransponíveis pela teoria da relatividade de Einstein.

Em outras palavras, se tivéssemos alinhados fótons (partículas de luz) sobre a mesma distância que os neutrinos, estes teriam cruzado a linha de chegada 20 metros à frente. E não foi em uma só corrida que o recorde foi batido. Estes valores são uma média das observações de todos os neutrinos detectados na chegada em três anos. Mais de 15 mil dos bilhões de partículas quase imperceptíveis que fizeram a viagem da Suíça à Itália

Em seis meses, os pesquisadores do OPERA controlaram minuciosamente toda fonte possível de erro. Até mesmo a deriva continental e as consequências do terremoto em Aquila foram levadas em conta. A distância entre o CERN e o Gran Sasso foi controlada com a ajuda de peritos independentes. E a margem de erro foi reduzida para 10 nanossegundos (ou bilionésimos de segundo).

Burburinho

Então, se não houver um erro de medição, os neutrinos poderiam realmente ir mais rápido que a luz? Antes de mostrar tanta certeza, os cientistas do OPERA pediram ajuda aos seus colegas, escrevendo um artigo no site de pré-publicação arXiv.org (onde também se recusam a usar a palavra “descoberta”) e organizaram um seminário no CERN no mês de setembro.

Pois, por maior que seja o choque, “não se pode esconder esses resultados embaixo do tapete!”, disse Antonio Ereditato, da Universidade de Berna, porta-voz do OPERA. “Temos o dever moral de dizer alguma coisa. Estamos fazendo isso precisamente porque queremos ser passados ao microscópio pela comunidade científica”, garante.

O impacto foi imediato. Choveu comentários nos sites científicos, na blogosfera e nas redes sociais. A maior parte sérios e documentados, mas a notícia intriga e fascina muito além da comunidade científica.

“Einstein forever”

Os físicos sabem que o veredito final deve levar alguns anos para sair. Pode ser que ele venha do Japão – onde a experiência T2K foi momentaneamente interrompida por causa do último terremoto – ou do Fermilab, perto de Chicago. Ali já havia sido cronometrado neutrinos mais rápidos que a luz em 2007, mas, dada a margem de erro muito grande, a comunidade científica se recusou a aceitar o resultado.

E se for verdade? Desde 1905, nenhuma experiência foi capaz de contradizer Albert Einstein, o primeiro a dizer que nenhum corpo é capaz de passar a velocidade da luz. No entanto, sua teoria da relatividade não superou a da gravitação de Newton. O qual não conseguiu enterrar Galileu, nem mesmo Aristóteles.

“Einstein não provou que Newton estava errado, ele encontrou uma teoria mais geral”, que foi acrescentada à de Newton. “Newton está correto quando a velocidade é pequena se comparada à da luz”, disse Stavros Katsanevas, vice-diretor do Instituto Francês de Física Nuclear.

Da mesma forma, a descoberta do OPERA pode significar que a teoria de Einstein “é válida em algumas áreas, mas há uma teoria mais abrangente, do tipo ‘bonecas russas’”, disse Pierre Binetruy, diretor do Laboratório de Astrofísica e Cosmologia de Paris.

A menos que os neutrinos não tenham passado através de um desses “buracos de minhoca” tão queridos pelos autores de ficção científica, cuja existência prova que o mundo não se limita às quatro dimensões tradicionais de espaço e tempo.

Até se saber ao certo, os neutrinos do Gran Sasso mostram claramente que esses “tiquinhos” de matéria, que estão entre as partículas mais abundantes no Universo, ainda não deixaram de surpreender os cientistas.

Neutrinos são partículas elementares, sem carga elétrica e massa próxima de zero, geradas por reações nucleares, por estrelas e por eventos cósmicos como buracos negros, supernovas e o Big Bang.

Neutrinos raramente interagem com outras partículas, permitindo-lhes mover-se em uma linha reta até a borda do universo, através das estrelas, planetas e galáxias inteiras como se nada disso existisse. Milhões de neutrinos passam por nossos corpos a cada segundo, mas não temos consciência.

Estas propriedades tornam extremamente difícil de detectar os neutrinos. Em raras ocasiões, um neutrino de alta energia colide com um átomo, desintegrando seu núcleo. O neutrino se transforma em uma outra partícula, que continua seu movimento na mesma trajetória, deixando um rastro semelhante às ondas produzidas no ar atravessado por uma bala.

(Fonte: futura-sciences.com)

Adaptação: Fernando Hirschy

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