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Pensar fora da caixa significa ir além das fronteiras de um país

Ana Cristina Kolb tem como uma das missões de vida levar aos quatro cantos a mensagem do pensamento global, seja na Suíça ou em universidades europeias, onde leciona em Escolas de Hotelaria e de Management.

Ou no Brasil, onde coordena grupos de empresários e de líderes voltados para a globalização, como o Brazilian International Business Group, o Go Global Brazil e o Pense Global, Aja Local. Dona e fundadora da CEW Marketing Services, a mineira de Belo Horizonte é especializada em Marketing e tem no currículo experiência em algumas grandes multinacionais na Alemanha, sempre com foco no mercado internacional. Casada com um alemão, ela mora em Montreux há nove anos e há 27 fora do Brasil. 

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

swissinfo.ch: A Senhora atua em várias frentes assessorando empresários brasileiros e de outros países a se tornarem globais. Quais seriam os maiores desafios dos nossos conterrâneos quando empreendem no exterior?

A.K: O brasileiro traz em sua bagagem características culturais ótimas para empreender, como coragem, criatividade e simpatia; mas alguns pecam por se aterem somente a essas qualidades quando decidem abrir negócio em um mercado tão profissional como o suíço e o alemão, por exemplo.

A maioria dos povos europeus, e os suíços estão incluídos, estuda o setor profundamente, destrincha os riscos, analisa todas as possibilidades antes de começar algo. Não tem achismo, é tudo baseado em números e fatos. 
Acredito que essa peculiaridade deles venha da época de escola, que segue um sistema mais cartesiano e linear.

O método do Brasil é, ao contrário, mais subjetivo, com leis e regras que valem para uns e não para todos. Digamos que seja mais interpretativo, com margens para entendimentos diferentes. Dessa forma, o empresário brasileiro acha que pode burlar determinadas regras porque não faz sentido agir daquela maneira. Voltando ao ambiente escolar, quem não conhece pais que argumentam com o professor que o filho pode passar de ano, mesmo que a criança não esteja pronta?

Essa particularidade traz ainda um certo narcisismo presente no inconsciente coletivo brasileiro. Esse negócio de passar na frente porque é amigo de alguém não vai funcionar no exterior. Mas volto novamente ao fato de que os pais que invertem os valores e tentam barganhar o sucesso escolar do filho não estariam contribuindo para esses princípios disfuncionais? E assim funciona a escola, o pensamento e a sociedade, que argumenta muito, mas se sente no direito de não cumprir à risca o que é estabelecido. 

swissinfo.ch: Então o sistema educacional atuaria muito profundamente nesses maus hábitos?

A.K: Totalmente. Uma coisa puxa a outra. Num país de alta especialização como a Suíça, onde para ser lixeiro tem que fazer curso e se qualificar, não dá para imaginar que alguém comece uma empresa ou ofereça um serviço sem se adaptar ao público do país, seguir as regras locais ou se profissionalizar. Não basta ser ótima cabeleireira, tem que seguir os procedimentos necessários. Vou dar um exemplo simples, que tenho visto muito por aí. 

Como brasileira e mulher, gosto de fazer minha unha e vou a salões brasileiros pelo mundo. Mas o que vejo são muitos salões de beleza de conterrâneos que funcionam exatamente como se estivessem no interior do Brasil, sem legalização e até cheio de gambiarras. São locais cheios, com várias pessoas que vão como visitantes e não para consumir, com televisão ligada no volume alto. É aquele clima de conversa, de alegria, o que é ótimo para alguns brasileiros; mas não para uma estrangeira que vá querer cortar o cabelo e vai estranhar tanto barulho e entusiasmo. É preciso entender que nem tudo que é valorizado pela nossa cultura é apreciado por outra sociedade. Por isso o primeiro ponto é o da consciência de que não se está no Brasil. 

Se entrar no ponto da pontualidade, do cumprimento de datas e prazos então… Estamos acostumados no Brasil a inventar estórias para explicar o porquê de não conseguirmos finalizar um trabalho no prazo. Aí começa a mania de perseguição, achando que o mundo está contra a gente. Já ouvi reclamações do tipo “por que eles reclamam tanto só porque atrasei uma semana?”

swissinfo.ch: Mas não é normal o brasileiro pensar que empreender no mercado da saudade, que é comprar de produtos e serviços do seu país de origem no exterior, deveria ser parecido com o que se consumia no Brasil?

A.K: Claro, mas até certo ponto. O empresário não precisa limitar o seu negócio somente a esse mercado e a esse público. Ele pode e deve expandir para outros clientes.

Ana Cristina Kolb
Ana Cristina Kolb swissinfo.ch

Eu lidero um grupo voltado para a Hotelaria no Brasil que se chama Pense global, aja local. Tentamos levar a mensagem da importância dos produtos locais, do artesanato, da comida brasileira; mas adaptados a serem mostradas ao mundo, ao público internacional. 

Eu quero contribuir com meus conterrâneos. E essa é a maneira que encontrei para ajuda-los a melhorar a qualidade de vida, e expandirem seus negócios. Eu acredito que podemos escolher o que há de melhor em cada sociedade e unir o suprassumo dos mundos.

O primeiro passo é aceitar que é diferente, criar raízes onde estamos, manter as do país de origem. Isso significa entender essas diferenças e saber o caminho que queremos trilhar. Então, chega o momento de detalhar que no seu país funciona dessa maneira, no outro de uma diferente forma. Junte os melhores, acomode as duas formas e cria uma vantagem mercadológica. 

Voltando ao salão de cabeleireiro: pegue a simpatia e carinho brasileiros, adicione o profissionalismo suíço, siga as regras e trabalhe em conformidade com o mercado. É a receita do sucesso, de sair do lugar comum. 

swissinfo.ch: Qual seria a mensagem de globalização que a Senhora gostaria de passar para os migrantes de língua portuguesa e os que querem empreender na Suíça? 

A.K: Eu acho que uma das maiores riquezas que temos como migrantes é a possibilidade da expansão dos horizontes, o presente que ganhamos em termos de amplificação do conhecimento e da evolução. O problema é quando nos recusamos a mudar e vivemos em gueto. Eu acredito que viver em outro país é um exercício de se interessar pelo outro, como ele me entende, e como você compreende essa outra maneira de se expressar, de pensar. 

É preciso querer melhorar, evoluir. Não é fácil fazer a qualificação profissional no outro país, em outra língua. Mas é possível.

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