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O impasse político entre a Suíça e a UE ameaça a pesquisa de fusão nuclear

View inside tokamak machine.
O reator de fusão nuclear Joint European Torus (JET) perto de Oxford, Reino Unido, é um centro de testes para a maior experiência mundial de fusão - o ITER na França. Uma vista dentro do JET, com, sobreposta à esquerda, um plasma semelhante ao que atingiu o recorde mundial em energia de fusão, relatado em fevereiro de 2022. EUROfusion

Os cientistas suíços estão na vanguarda do setor de energia de fusão nuclear, tendo colaborado com seus colegas europeus em importantes descobertas. No entanto, o atual impasse político entre a Suíça e a UE ameaça dificultar a participação helvética em futuros projetos internacionais, como alerta o diretor do Swiss Plasma Center da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL).

Em algum lugar do campus do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne (EPFL), equipes de pesquisadores podem ser encontradas realizando experimentos quase diários com plasma – um gás superaquecido – numa máquina em forma de donut chamada “tokamak”. Seu objetivo é desenvolver uma fusão nuclear – o processo energético que alimenta o Sol e outras estrelas – com aplicação prática.

Ambrogio Fasoli, director of the Swiss Plasma Center at EPFL
Ambrogio Fasoli, diretor do Centro de Plasma Suíço da EPFL Swiss Plasma Center, EPFL

“Realizamos cerca de 40 experimentos por dia – e normalmente funcionamos quatro dias por semana”, explica Ambrogio Fasoli, diretor do Swiss Plasma CenterLink externo (SPC), que abriga o tokamak.

O centro da EPFL é um dos principais laboratórios de pesquisa em fusão nuclear do mundo. Ele tem contribuído para o desenvolvimento da energia de fusão e para o sucesso do ITER, o projeto de pesquisa internacional destinado à construção do maior reator de fusão nuclear do mundo, localizado no sul da França.

A instituição suíça é especializada em analisar o comportamento do plasma e as melhores maneiras de aquecê-lo e confiná-lo. Seus pesquisadores colaboraram diretamente com o ITER, trabalhando na concepção do sistema de aquecimento por micro-ondas desenvolvido para o megaprojeto.

O Swiss Plasma Center do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne (EPFL) é um dos laboratórios de pesquisa de fusão nuclear mais importantes do mundo. A EPFL faz parte do EUROfusion ConsortiumLink externo, um grupo de 30 universidades e organizações de pesquisa em fusão nuclear de 25 Estados da União Europeia, mais o Reino Unido, a Suíça e a Ucrânia. Juntos, os cientistas criaram um programa de pesquisa orientado pelo Roteiro Europeu para a Energia de FusãoLink externo.

O diretor do SPC, Ambrogio Fasoli, afirma que “o Swiss Plasma Center visa o sucesso do ITER, o desenvolvimento da base científica e tecnológica para a DEMO [uma usina de demonstração, sucessora do ITER], a preparação das próximas gerações de cientistas e engenheiros de fusão, e o aproveitamento dos resultados da pesquisa de plasma e fusão para a indústria e para a sociedade. Com o ITER, demonstraremos a viabilidade científica e tecnológica da fusão na Terra, enquanto a DEMO provará que a energia de fusão pode ser implementada comercialmente”.

O SPC conta com cerca de 120 funcionários e mais de 40 estudantes de pós-graduação atuando em seis áreas de pesquisa: Teoria dos Plasmas, Física Básica do Plasma, Física do Tokamak TCV, Colaborações Internacionais, Supercondutividade para Fusão e Aplicações de Plasma.

O tokamak TCV no campus da EPFL é uma das instalações de pesquisa e experimentos em fusão mais importantes do mundo. Ele é utilizado como parte do EUROfusion ConsortiumLink externo e para programas científicos nacionais. Cientistas de todo o mundo viajam para a EPFL a fim de realizar experimentos utilizando o tokamak.

A fusão funciona com base no princípio de que energia pode ser liberada juntando núcleos atômicos em vez de dividindo-os, como acontece nas reações de fissão utilizadas nas usinas nucleares existentes.

As enormes forças gravitacionais geradas pelas estrelas não podem ser reproduzidas na Terra, o que significa que são necessárias temperaturas muito mais altas – acima de 100 milhões de graus Celsius – para forçar a união dos átomos de hidrogênio no plasma gerado em tokamaks.

Nuclear Fusion process
Uma mistura de deutério e trítio – dois isótopos de hidrogênio – será utilizada para alimentar as futuras usinas de fusão. Dentro do reator, núcleos de deutério e trítio colidem e se fundem, liberando hélio e nêutrons. EPFL

Não há nenhum material que possa resistir ao contato direto com uma temperatura tão alta. Assim, para conseguir a fusão em laboratório, os cientistas chegaram a uma solução na qual o plasma é mantido num campo magnético em forma de donut dentro de um tokamak, onde é possível realizar os experimentos.

Ao contrário da queima de combustíveis fósseis ou do processo de fissão, a fusão oferece a possibilidade de gerar energia abundante sem poluição, resíduos radioativos ou gases de efeito estufa. Mas tal tecnologia, mesmo que se mostre viável, não estará disponível antes da segunda metade deste século.

“Um passo importante”

Em fevereiro, foi relatado um avanço na busca pela energia de fusão nuclear. Cientistas europeus anunciaram que um experimento no laboratório Joint European Torus (JET)Link externo em Culham, na Inglaterra, havia estabelecido um recordeLink externo para a quantidade de energia de fusão produzida: 59 megajoules por cinco segundos, mais do que o dobro do que se havia conseguido antes. O recorde anterior do JET, estabelecido em 1997, era de 22 megajoules por menos de um segundo.

“Não devemos ficar tão entusiasmados com o número real de megajoules de energia térmica”, diz Fasoli, que trabalhou de perto, junto a outros pesquisadores da EPFL, neste projeto. A produção de energia do último experimento do JET foi baixa: estima-se que foi suficiente para ferver o equivalente a cerca de 60 chaleiras de água.

Mas Fasoli afirma que o experimento representa “um passo muito importante” que legitima os designs escolhidos para o ITER.

ITER – “Estamos realmente fazendo isso”

A construção do megaprojeto ITER, localizado em Saint-Paul-lès-Durance, está cerca de 80% concluída.

“Estamos muito além do ‘ponto de não retorno’ com este projeto. Estamos realmente fazendo isso”, diz o diretor da EPFL.

ITER
O ITER é um megaprojeto internacional de pesquisa e engenharia de fusão nuclear baseado em Saint-Paul-lès-Durance no sul da França, com o objetivo de replicar os processos de fusão do Sol para criar energia na Terra. ITER.org

A data oficial de início para as atividades do ITER é 2025. Mas, devido à Covid-19, deve-se esperar atrasos adicionais ligados à montagem complexa de componentes.

“Prevejo que a data de início para o primeiro plasma será adiada em um ano e meio. Mas o primeiro plasma não é igual aos primeiros experimentos verdadeiramente grandes. Estes estão previstos para 2035”, diz Fasoli.

Há décadas, cientistas vêm trabalhando para tentar desenvolver a energia de fusão. O ITER se concentrará no aspecto científico, demonstrando a viabilidade da tecnologia, mas, na prática, ele não produzirá eletricidade de fato – isso só acontecerá quando um reator de demonstração for construído. Os cientistas afirmam que ele poderia estar disponível por volta de 2050 e, se tudo der certo, uma primeira geração de reatores de energia de fusão nuclear poderia se tornar realidade na década de 2060 ou 2070.

Participação suíça interditada

A Suíça e a EPFL, em particular, são atores importantes na comunidade de fusão nuclear. Desde 1979, a nação alpina tem cooperado estreitamente com a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom) no campo da fusão. O país também tem participado indiretamente da construção do ITER como membro do órgão da UE Fusion for Energy. Desde 2014, a EPFL também faz parte do EUROfusion ConsortiumLink externo, um grupo de 30 universidades e organizações de pesquisa em fusão nuclear de 25 países europeus que trabalham para o sucesso do ITER.

Desde 1979, a Suíça tem cooperado estreitamente com a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom) no campo da fusão nuclear. Em 2007, o país escolheu participar indiretamente do ITER como membro do Fusion for Energy, o órgão da UE que supervisiona as contribuições ao projeto, em vez de como membro direto da Organização ITER. A Suíça participou ativamente da governança do órgão da UE e, por consequência, da governança do projeto ITER. Para tal fim, a Suíça contribuiu com CHF 274,5 milhões (US$ 293 milhões) para a UE entre 2007 e 2020.

Como a permanência no Fusion for Energy em 2021-2027 está ligada às negociações sobre a associação da Suíça ao programa de financiamento de pesquisa Horizon Europe, às Iniciativas Digitais Europeias e ao programa da Euratom para 2021-2025, a participação suíça no ITER está atualmente suspensa. As empresas e instituições de pesquisa suíças só podem responder aos editais lançados pelo Fusion for Energy e pela Organização ITER se as competências necessárias não estiverem disponíveis nos países membros dessas organizações.

(FonteLink externo: Secretaria de Estado de Educação, Pesquisa e Inovação (SERI))

“Como membros do EUROFusion e da Euratom, participávamos plenamente do ITER. Isso implicava sermos representados pela Euratom no conselho do ITER, participarmos das atividades da agência de aquisição da UE para o ITER em Barcelona, chamada Fusion for Energy, e podermos concorrer às chamadas de componentes para o ITER, tanto como acadêmicos, mas, de forma ainda mais importante, como indústria. Isso não é mais possível”, explica Fasoli, referindo-se às consequências diretas do fim das negociações sobre um acordo-quadro entre Suíça e União Europeia em maio passado.

A situação continua estagnada, e a participação suíça no ITER e no Fusion for Energy foi suspensa como resultado direto das relações tensas entre Bruxelas e Berna.

Após a Suíça interromper as conversações, há um ano, a UE reduziu a participação do país helvético no programa de financiamento de pesquisa Horizon Europe, que tem um orçamento de 100 bilhões de euros, restringindo o acesso a bolsas e projetos científicos, inclusive no campo da energia de fusão.

“Os contratos que já tínhamos com o ITER, que na verdade eram bastante numerosos, porque éramos muito bem-sucedidos, serão cumpridos. Mas não podemos assinar nenhum novo contrato. Desde janeiro fomos excluídos do conselho diretor do Fusion for Energy, do qual eu participava pessoalmente”, explica Fasoli.

As recentes mudanças políticas significam que a Suíça não faz mais parte do tratado Euratom, que rege o acesso ao EUROfusion. Foi encontrada uma solução de curto prazo que permite que os pesquisadores suíços continuem contribuindo para os projetos europeus de fusão. O Swiss Plasma Center é agora membro associado do EUROfusion através do Instituto Max Planck de Física de Plasma na Alemanha.

Impacto na indústria

Mas a situação é pior para a indústria suíça, diz Fasoli. No período de 2007 a 2019, a participação da Suíça no ITER gerou CHF 190 milhões em contratos para empresas suíças que fornecem componentes de alta tecnologia.

“Agora estamos inativos em alguns projetos. Não podemos firmar contratos. Ainda trabalhamos nos projetos científicos, nas colaborações mais informais, e tudo o que fazemos está, de alguma maneira, relacionado ao ITER. Mas não podemos mais participar diretamente. Não podemos enviar pessoas para o ITER”, explica o diretor do SPC.

“A equipe do ITER é muito gentil. Eles realmente estão dispostos a fechar um ou dois olhos e nos deixar participar de algumas reuniões e coisas do tipo. Eles sabem que temos um know-how especial. Mas, em algum momento, eles serão aconselhados a parar de trabalhar com os suíços.”

O ITER foi concebido e promovido conjuntamente durante a Guerra Fria pelos líderes norte-americano e russo Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev. A Rússia, ao lado da China, UE, Índia, Japão, Coreia e EUA, é um dos sete fundadores do projeto de 35 anos que visa demonstrar a viabilidade da fusão nuclear como uma fonte de energia em larga escala e livre de carbono.

O porta-voz do ITER, Laban Coblentz, disse que o projeto continua sendo “uma tentativa, por parte de países com ideologias diferentes, de construir fisicamente alguma coisa juntos”.

A Rússia tem contribuído ativamente para o ITER. Por exemplo, o país é um dos principais fornecedores do material supercondutor nióbio-estanho utilizado nos ímãs do ITER e fabrica componentes essenciais, destacadamente os girotrons.

A Ucrânia, por sua vez, faz parte do EUROfusion. Segundo testemunhos, seu instituto em Kharkiv teria sofrido danos durante a invasão russa.

O atual impasse não teve consequências negativas para os estudantes, insiste o diretor do Swiss Plasma Center. Mas é importante que a Suíça possa participar da pesquisa e do desenvolvimento da fusão nuclear na Europa, caso contrário, “provavelmente se tornará menos atraente para as pessoas do exterior”.

Se a situação permanecer assim, será um desastre para a Suíça, seus pesquisadores de fusão nuclear e sua indústria, acrescenta ele.

“Não é apenas uma questão de dinheiro; é também uma questão de não pertencer ao esforço do qual o mundo inteiro está fazendo parte”, conclui o diretor.

Assembly of a section of ITER s donut-shaped vessel inside the nuclear fusion reactor facility in the south of France.
Montagem de uma seção em forma de donut do ITER dentro da instalação do reator de fusão nuclear no sul da França. ITER Organisation

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

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