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O show moralizador de Nicolas Sarkozy em Davos

Geralmente a esposa acompanha o presidente Sarkozy em Davos AFP

O presidente francês faz esta tarde o discurso de abertura do 40° Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos Alpes suíços.

Nicolas Sarkozy apresenta-se de uns tempos para cá como uma liderança na regulação do capitalismo mundial. Verdade ou impostura? Balanço crítico de dois anos e meio de presidência.

A agenda do presidente é clara: quarta-feira Niclolas Sarkozy viaja a Davos para a abertura do 40° Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).

E, se nevar no estado dos Grisões, leste da Suíça? Em 2005, o então presidente francês Jacques Chirac cancelou sua viagem a Davos, com o pretexto das más condições meteorológicas. Mas Sarkozy virá, mesmo em esqui, se for preciso.

É que o encontro é importante. O presidente francês vem passar uma mensagem aos que “decidem” no plano internacional: é preciso sanear o capitalismo, lutar contra os abusos. Sarkozy falará diante de um público conhecedor, de executivos e chefes de Estado e de governo, mas seu discurso será destinado sobretudo à opinião pública francesa, como afirma o economista André Zylberg, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês).

“O presidente tenta se reposicionar na mídia. O homem que estava em todas as frentes, tenta se destacar a dois meses das eleições regionais francesas.”

Como fazem em geral os presidente franceses na metade do mandato, ele muda sua estratégia eleitoral e não se apresenta mais como militante, mas como árbitro “acima da confusão” para não se desgastar.

Quando a “ruptura” muda com a crise

Mas será que há uma mudança de concepção econômica? Em 2007, durante sua campanha eleitoral e no início do mandato, Nicolas Sarkozy defendia claramente o liberalismo. Ele prometia inclusive a ruptura, um conceito um pouco esquecido hoje, mas que ele repetia muito, pelo menos em seu partido, majoritário, a UMP.

A ideia era sair da velha intromissão do Estado francês na economia, romper com “25 anos de social-comunismo”, como dizia. As primeiras medidas ilustravam bem a nova doutrina. Não penalizar os que ganham dinheiro e criam (às vezes) empregos: era o teto de 50% de imposto de renda. Ele queria também reformar o sistema social e eliminar as aposentadorias especiais.

De um ano e meio para cá, seu governo pôs água no vinho. Os pensadores liberais lamentam. “A campanha eleitoral tinha um projeto coerente, mas baseado na hipótese de um crescimento mundial de 5,5%. O programa fracassou com a crise”, escreveu no jornal Le Monde o economista Nicolas Baverez.

Desde então o presidente Sarkozy tornou-se o principal defensor da regulação financeira mundial. “Distribuir bônus em uma empresa que recebe dinheiro público ou que despede empregados em massa, não é responsável nem honesto”,disse ele no ano passado, em um tom quase coletivista. Quem lidera a luta – ao lado do britânico Gordon Brown – para taxar os bônus? Sarkozy. Quem combate as deslocações da montadora Renault para a Turquia? O presidente Sarkozy.

Então ele mudou de orientação? “Não creio. Como os outros chefes de Estado, ele desempenhou o papel de bombeiro da crise”, diz André Zylberbergerg. “Mas sua técnica não mudou: discursos de efeito e muitas ações ao mesmo tempo, com poucos resultados.”

Pierre Cahuc, professor da Escola Politécnica, diz que “a crise permitiu que ele disfarçasse os poucos resultados de seu governo, de suas reformas”.

Ele cita o exemplo dos regimes especiais de aposentadoria. “O poder os suprimiu, mas fez tantas concessões a essa ou aquela categoria que, na verdade, criou novos regimes especiais.”

André Zylberberg diz que ocorreu o mesmo com a chamada “taxa de carbono”, destinada a lutar contra o aquecimento climático. Primeiro, a mídia a destacou, depois houve um pacote de exonerações e, como resultado, o Conselho Constitucional rejeitou o texto em nome da igualdade diante da lei.

Clientelismo

Para Pierre Cahuc, esse método tem um nome: clientelismo. É uma crítica injusta, exagerada? O problema é que casos recentes confirmam essa ideia. Primeiro, houve o caso do filho, Jean Sarkozy, que, contra a lógica republicana, deveria presidir o órgão de administração do rico bairro de negócios de Paris, a Defesa.

O presidente acabou por renunciar a esse projeto quase monárquico. Nos últimos dias, houve o caso do Henri Proglio, presidente da estatal EDF, que acumulou funções e um salário faraônico, com o apoio de Sarkozy.

Nessas condições, é difícil se posicionar como regulador do capitalismo. Sarkozy dispõe de uma vantagem evidente porque é um ativista, um voluntarista no plano internacional. Será que ele pode, em Davos, falar e ser ouvido num diferente em um contexto mundial mais ou menos liberal?

“É verdade que ele grita mais alto do que os outros”, constata André Zylberberg. “Mas a questão dos bônus e da regulação do sistema bancário é de Gordon Brown e não de Sarkozy. E Barack Obama, depois de começar prudente, hoje tem mais audácia do que o presidente francês, defendendo, por exemplo, a separação entre banco de investimentos e banco de depósitos.”

Mathieu van Berchem, Paris, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Clinton. Quinta-feira no WEF haverá uma sessão especial dedicada ao Haiti, com a presença do ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, nomeado emissário especial da ONU para o Haiti.

Convidados.Entre os presidentes estão Nicolas Sarkozy (França), Ilham Aliyev (Azerbaijão), Felipe Calderon (México), Lech Kaczynski (Polônia), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Shimon Peres (Israel), Alvaro Uribe (Colômbia) e Jacob Zuma (África do Sul).

TF1. Nicolas Sarkozy tem uma agenda muito cheia, a , a dois meses das eleições regionais que podem ser difíceis para a direita. Na segunda-feira, participou de um show televisivo, montado para ele, com a participação de alguns cidadãos escolhidos que o questionaram.

Queda de popularidade. A intenção era explicar sua política, pois as pesquisas davam 42% de favoráveis a seu governo e 55% de céticos.

Cemitério. Na terça-feira, o presidente visitou um cemitério muçulmano profanado recentemente, em pleno debate sobre a identidade nacional francesa.

Davos. Hoje Sarkozy vem a Davos, onde deve se encontrar com a presidente suíça, Doris Leuthard.

Déficit. Na quinta-feira, ocorrerá a conferência sobre os déficits públicos na União Europeia. O da França está em 8%, enquanto o limite estabelecido pela UE é de 3%.

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