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Pesquisador suíço navega os “rios voadores” do Brasil

Evaporação da Amazônia provoca chuvas no Sudeste Magi Moss

Qual a importância da Amazônia para o equilíbrio do regime de chuvas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil? Que influência têm o desmatamento e as queimadas que degradam a maior floresta do mundo na regulação térmica de boa parte do território brasileiro?

Em um momento onde cresce a preocupação de toda a humanidade com o aquecimento global, a busca por essas respostas está motivando a realização de novas pesquisas no Brasil.

Uma dessas iniciativas científicas tem como protagonista o aviador e pesquisador suíço, naturalizado brasileiro, Gérard Moss. A bordo de um avião e acompanhado de sua mulher, a fotógrafa Margi Moss, ele deu a largada em setembro na expedição Rios Voadores, mais uma etapa de seu grande projeto Brasil das Águas, que desde 2003 desenvolve pesquisas tendo como objeto os rios e os recursos hídricos do país em geral.

A expressão “rios voadores” foi cunhada há alguns anos pelo pesquisador José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para classificar os jatos de vapor d’água de baixos níveis que, levados pelos ventos, se deslocam da região amazônica, à leste dos Andes, e, barrados pela cordilheira, chegam até as regiões Sudeste e Sul do Brasil e ao Norte da Argentina.

Primeira pesquisa do gênero no Brasil



Nessas regiões, o vapor d’água se transforma em chuva, sendo fundamental para a regulação da temperatura e o enchimento dos rios terrestres, entre outras coisas.

O projeto capitaneado por Moss amplia um pouco o conceito de rios voadores, incluindo nele todos os fluxos de vapor d’água que surgem na Amazônia e se deslocam para o Sul do continente.

No comando de um avião dotado de sofisticados equipamentos, o suíço vai seguir o fluxo dos rios voadores e realizar a maior coleta de amostras desse tipo de vapor d’água já feita no Brasil.

As amostragens serão enviadas a uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Enéas Salati, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e especialista em hidrologia isotópica e climatologia.

A análise científica permitirá determinar com precisão a origem do vapor d’água que chega às regiões “banhadas” pelos rios voadores: “Queremos revelar o DNA do vapor d’água. Pretendo seguir seu caminho desde a evaporação na Amazônia até a formação das chuvas e dos rios no Sul do país”, diz Moss.

No texto de apresentação do projeto, ele define como objetivos de sua expedição “revelar para a população dos grandes centros urbanos uma verdadeira nascente para os recursos hídricos brasileiros” e “conscientizar e valorizar a preservação da Amazônia como solução para as atividades econômicas do país”.

Numa palestra realizada em São Paulo no dia 26 de agosto, Moss afirmou que, tendo em vista a crescente preocupação com as mudanças climáticas globais e a preservação da Amazônia, a expedição tentará ajudar a elucidar três importantes questões: a) De que forma o desmatamento, as queimadas e as mudanças climáticas por eles provocados podem afetar as precipitações?; b) Quais são os mecanismos de transporte da umidade do Norte para o Sul do Brasil e de que forma a presença ou ausência de cobertura vegetal afeta esse processo e a quantidade de vapor d’água?; c) A produção agrícola e a geração de energia hidrelétrica nas regiões onde se encontra o maior PIB (Produto Interno Bruto) do país está em risco?

Começo em Piracicaba

A primeira etapa da Expedição Rios Voadores teve início no dia 12 de setembro. Numa manhã clara, a bordo de um avião Embraer 721 chamado Romeu, Moss decolou de Piracicaba, no interior de São Paulo, e seguiu até Brasília, com passagens pelas cidades do Rio de Janeiro e de Montes Claros, em Minas Gerais. No dia seguinte, o suíço foi até Cuiabá, no Mato Grosso, e de lá seguiu até Vilhena, já em Rondônia. No terceiro e último dia dessa etapa, Moss foi até Porto Velho, capital do estado.

Em quase todo o vôo, segundo o aviador, o céu esteve aberto e sem chuvas. A cada trecho, Moss coletou amostras numa camada abaixo e noutra acima das nuvens: “O ar é muito diferente nessas duas camadas. Às vezes, uma corre no sentido Noroeste, e a outra vem do Norte para o Sul”, relatou o suíço, antes de concluir: “Pode ser que elas venham de lugares diferentes”.

A princípio, a primeira decolagem de Moss deveria ter acontecido em 10 de setembro, em algum ponto dos estados do Maranhão ou do Amapá, região considerada o “portão de entrada” dos rios voadores.

As más condições meteorológicas no dia previsto, no entanto, fizeram com que os coordenadores Enéas Salati e Pedro Dias, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, decidissem mudar o roteiro inicial e aproveitar o ar seco do Sudeste.

Nesse sentido, a primeira etapa cumprida por Moss foi bastante proveitosa. De volta à Piracicaba, ele trouxe à equipe em terra uma notícia considerada muito boa: mesmo nas piores condições, com ar muito seco e concentração mínima de vapor d’água na atmosfera, o avião, o coletor e os demais equipamentos funcionaram perfeitamente.

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

Os rios voadores são mais “caudalosos” do que os cientistas suspeitavam a princípio.

Segundo dados do CPTEC, a quantidade de vapor d’água transportada pelos ventos da Amazônia até o Sul e o Sudeste do Brasil e o Norte da Argentina tem volume equivalente à vazão do maior rio terrestre do mundo, o Amazonas, com incríveis 200 mil metros cúbicos por segundo.

Um dos objetivos da Expedição Rios Voadores é identificar de que forma as ações antrópicas como as queimadas e a derrubada de árvores influenciam ou alteram o equilíbrio ecológico do sistema de transporte do vapor d’água pela atmosfera.

“Queremos comprovar que o desmatamento da floresta poderá reduzir o transporte de vapor d’água. Vamos tentar identificar e quantificar esse fenômeno”, afirma Gérard Moss.

Da viagem de três dias entre Piracicaba (SP) e Porto Velho (RO) que marcou a estréia de sua expedição, Moss afirmou ter voltado triste, apesar da satisfação pelo bom desempenho do avião e do equipamento de coleta das amostras de vapor d’água.

O motivo de sua tristeza foi a devastação da floresta: “A seca e as queimadas devastavam boa parte da vegetação. Em muitos lugares, eu não enxergava nada além de fumaça”, lamentou o aviador suíço.

A metodologia de pesquisa adotada na Expedição Rios Voadores consiste na utilização de técnicas isotópicas para caracterizar a origem, acompanhar o deslocamento e determinar o destino das massas de ar e vapor d’água. Além da etapa capitaneada por Gérard Moss, a da coleta de amostras no ar, existirão outras duas.

Uma delas coletará amostras de água da chuva ao longo das áreas “banhadas” pelos rios voadores, através de uma rede de coleta montada com o auxílio das populações locais. As amostragens serão encaminhadas para o professor Reynaldo Luiz Victória, da Universidade de São Paulo (USP), que ficará responsável pelas análises e interpretações.

A outra etapa coletará amostras das águas nas superfícies de rios e lagos localizados nas áreas de passagem dos rios voadores. Além de, mais uma vez, contar com a ajuda das populações ribeirinhas, essa coleta utilizará a tecnologia desenvolvida por Moss no projeto Brasil das Águas: a realização de vôos rasantes com o avião Talha-Mar.

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