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Por que a Suíça deveria estar fazendo mais para combater o racismo

protest against police killing of a black man in Morges
Manifestantes foram às ruas da cidade de Morges depois que um cidadão suíço negro morreu depois de levar um tiro da polícia em setembro de 2021. A ONU e as ONGs estão pedindo que órgãos independentes em todos os cantões suíços tratem de queixas contra a polícia. Keystone / Jean-guy Python

Em sua última avaliação realizada em 2021, a ONU apontou para a falta de uma legislação clara para o combate ao racismo na Suíça, bem como para a falta de recursos acessíveis para as vítimas. As despesas judiciais são demasiadamente caras, dizem os ativistas.

O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) das Nações Unidas solicitou à Suíça, em dezembro de 2021, que reforçasse sua legislação, afirmando que não havia uma lei federal que proibisse explicitamente a discriminação racial. A ONU também pediu que Berna tomasse mais medidas contra o crescente discurso de ódio online e contra “o contínuo perfilamento racial pela polícia”.

O CERD é responsável por monitorar a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação RacialLink externo de 1965, à qual a Suíça aderiu em 1994. As avaliações dos países normalmente ocorrem a cada quatro anos. A penúltima avaliação da Suíça foi feita em 2014. Essa realizada  em dezembro foi adiada principalmente por causa da pandemia de Covid-19.

Jurista da Costa do Marfim e um dos 18 membros do CERD responsáveis pelas recomendações à SuíçaLink externo, Diaby Bakari Sidiki observou alguns avanços “encorajadores” desde 2014, incluindo a ratificação pela Suíça de várias convenções internacionais, por exemplo, sobre trabalhadores e trabalhadoras domésticas e sobre os direitos de pessoas com deficiência. Mas os especialistas também insistiram na necessidade de tomar medidas acerca das principais preocupações da ONU.

Para o processo de avaliação, o governo suíço apresenta um relatório sobre o seu trabalho no combate ao racismo, mas o comitê também analisa evidências fornecidas por ONGs e organizações da sociedade civil.

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Men and children run out of starting line

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Racismo na Suíça: a perspectiva de uma expatriada

Este conteúdo foi publicado em Eu pessoalmente tive experiências com suíços educados, alegres, prestativos e dispostos, sempre que possível, a falar comigo em Inglês quando o meu alemão suíço básico falhou. Sinto mais o fardo de ser uma estrangeira que não fala a língua nativa do que o fardo do racismo. Mas, a maioria dos suíços com os quais interajo…

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Perfilamento racial

“Nós andamos na rua como pessoas comuns e a polícia simplesmente vem até nós e pede nossa carteira de identidade. O motivo é a cor da nossa pele. Não há outro motivo”, diz uma pessoa que falou com a Aliança contra o Perfilamento RacialLink externo.

Cofundador dessa ONG, Mohamed Wa Baile, um cidadão suíço de origem queniana, diz que muitas pessoas na Suíça são alvo de “racismo policial”, mas não podem levar seus casos aos tribunais por razões financeiras. Ele é um dos poucos que o fez. O seu casoLink externo, que remonta a uma abordagem policial na estação de Zurique em 2015, chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Ele só conseguiu fazer isso graças a uma arrecadação de fundos.

“Você precisa ser rico para buscar justiça nos tribunais suíços”, disse Wa Baile à SWI swissinfo.ch. “Eu cofundei a Aliança contra o Perfilamento Racial e estamos arrecadando fundos para pagar minhas despesas judiciais. Caso contrário, não teria sido possível prosseguir com os processos.” Até hoje, o seu caso já custou quase CHF 100.000 (US$ 109.000).

“Quem pode pagar uma quantia tão grande?”, perguntou ele.

Uma das recomendações mais antigas do CERD é que a Suíça reforce sua legislação contra a discriminação racial.

“Dado o aumento no número de casos de discriminação racial no Estado Parte e o fato das ações judiciais serem raras, o comitê está profundamente preocupado com a ausência de uma legislação que proíba claramente a discriminação racial e com a falta de recursos suficientes e acessíveis para as vítimas, particularmente no direito civil e administrativo e nas áreas de educação, emprego e moradia”, escreve o comitê em seu relatório.

A jurista Alma Wiecken, diretora da Comissão Federal contra o Racismo (CFR), diz que sua organização também tem se esforçado para isso. A ausência de uma legislação clara e a escassez de casos jurídicos significam que há pouca jurisprudência, de modo que os advogados muitas vezes não estão bem preparados para lidar com os casos. Para as vítimas, as dificuldades processuais somam-se a um custo financeiro inviável, o que desencoraja muitos.

Wiecken afirma que, neste aspecto, a Suíça está atrasada em relação a muitos países europeus. A Noruega, por exemplo, tem tribunais especializados em casos de discriminação racial e, consequentemente, um corpo de juízes especializados. E, em alguns países, as supostas vítimas não precisam pagar antecipadamente pelos processos judiciais, ao contrário da Suíça. Wiecken diz que é necessária uma melhor legislação para combater a discriminação racial em áreas como emprego e moradia, onde o ônus da prova também recai sobre a suposta vítima.

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Aumento do discurso de ódio

Foi identificado um número cada vez maior de ofensas e discurso de ódio online contra os povos yeniches, sinti e roma, pessoas de ascendência africana e asiática, bem como contra judeus e muçulmanos, disse o CERD em seu relatório. O comitê solicitou ao governo suíço que investigasse este fenômeno e tomasse as medidas cabíveis. Esse problema tem crescido especialmente durante a pandemia.

A Comissão Federal contra o Racismo lançou uma nova plataforma para denúncias de discurso de ódio racista na internet no final de novembro, pouco antes de o relatório do CERD ser publicado. O lançamento da plataforma foi necessário devido à falta de um mecanismo do tipo em nível nacional, diz Wiecken, diretora da CFR.

“É muito importante ter uma visão global do que está acontecendo na Internet, e é muito importante possibilitar que pessoas e organizações antirracistas tomem medidas”. Ela disse à SWI swissinfo.ch que as reclamações já estavam chegando e que alguns parceiros da CFR têm status de “revisor confiável” junto ao Facebook, Twitter e YouTube, o que possibilita que as mensagens ofensivas sejam retiradas mais rapidamente.

Sidiki, do painel do CERD, elogiou a ação. Mesmo que a CFR não planeje tomar medidas legais a partir de casos de discursos de ódio denunciados na plataforma, esse banco de dados pode fornecer provas para que outros o façam, disse ele.

“Como vimos nos últimos anos, as ferramentas são boas, mas não sabemos como serão usadas”, diz Gina Vega, chefe da unidade contra a discriminação e o racismo da humanrights.ch. “O monitoramento é realmente importante. Precisamos falar sobre isso, precisamos de números. Precisamos mostrar que [o discurso de ódio online] é realmente um problema aqui na Suíça.”

Violência policial

“Estamos muito felizes com essas descobertas e recomendações do CERD”, diz Vega. “É muito bom que organizações internacionais como o CERD e a ONU prestem atenção nessas questões”. A plataforma da ONG suíça, coordenada pela humanrights.ch, apresentou um relatório ao CERD e se reuniu com seus especialistas. Vega afirma que o órgão da ONU aproveitou muitas de suas recomendações, que são baseadas em experiências de vítimas.

O governo suíço implementou algumas das recomendações anteriores do CERD, disse Vega à SWI swissinfo.ch, notadamente na criação de uma instituição nacional de direitos humanos. Sua criação foi aprovada recentemente pelo parlamento. Mas ela acredita que as iniciativas para combater a discriminação racial são subfinanciadas e insuficientes, sendo necessário tomar medidas em todas as instituições, incluindo no governo e na polícia.

Vega afirma que houve um avanço no treinamento policial sobre a questão, uma das recomendações do relatório do CERD, mas que é preciso ir além. E não se trata apenas de perfilamento racial, mas também de violência policial.

No ano passado, um dos incidentes mais perturbadores a ocupar as manchetes suíças foi o assassinato, pela polícia, de um cidadão suíço negro em uma plataforma de trem na cidade de Morges, no oeste do país. Ele foi morto pela polícia. A vítima tinha um histórico de doença mental e havia puxado uma faca, mas os disparos feitos por um oficial o fizeram sangrar até a morte em poucos minutos. O comandante regional da polícia, Clément Leu, disse em setembro à rádio pública suíça RTS que “a cor da pele não teve nada a ver com as ações dos meus agentes naquele momento”, mas a família da vítima disse que ele foi vítima de um erro policial racista. Uma investigação criminal foi aberta e solicitou-se ao parlamento cantonal que examinasse as práticas policiais.

E agora?

A Suíça pôde responder aos questionamentos do CERD em novembro, durante a avaliação. Sobre a questão do treinamento policial, por exemplo, o governo afirmou que o treinamento policial havia sido revisto desde a última avaliação da Suíça pelo CERD e que “uma grande ênfase havia sido dada à ética profissional, assim como à diversidade e a como abordar a população”.

Berna está ciente das recomendações do CERD e deve trabalhar na sua implementação junto aos cantões e organizações pertinentes. O Serviço de Combate ao Racismo dentro do Ministério do Interior é responsável por supervisionar esse processo.

A Suíça tem quatro anos para apresentar um relatório completo para sua próxima avaliação pelo CERD. Mas os especialistas da ONU solicitaram que o país apresente, dentro de um ano, um relatório sobre as preocupações mais sérias das Nações Unidas, a saber, o perfilamento racial, o discurso do ódio e a situação dos estrangeiros.

“Estamos aguardando esse relatório do governo suíço para ver seu plano de ação e como eles realmente conseguirão melhorar as questões relativas à discriminação racial na Suíça”, diz Vega.

Adaptação: Clarice Dominguez

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