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Cada vez mais portugueses abandonam a Suíça

Pessoas assistindo uma partida de futebol na televisão
Torcedores reunidos no clube português de Neuchâtel em 2008 para assistir a final do campeonato europeu de futebol. (KEYSTONE/Sandro Campardo). Keystone

Tendência reversa na migração: mais e mais portugueses dão as costas à Suíça e voltam para Portugal. Muitos retornam por terem dificuldades para economizar dinheiro na Suíça.

As nuvens pairam baixas nas colinas ainda marcadas pelo inverno acima de Martigny, no cantão de Valais. O véu cinza vai até as montanhas naquele dia de março; um dia que parece tão indeciso quanto a própria estação do ano: quente demais para o inverno, frio demais para a primavera. Mas Sebastião Gaspar não tem tempo para se preocupar com o tempo. Ele coloca o martelete de lado, tira o capacete de segurança e desce rapidamente pela escada de concreto. Ele entra no carro e vai embora; já passa do meio dia. Em casa, sua filha Catarina de dez anos espera para passarem juntos a breve pausa para o almoço. Logo em seguida, de volta ao trabalho no canteiro de obras. Lá quem chega atrasado sempre tem problemas.

“Na Suíça não se vive, se trabalha” diz o homem de 42 anos em um momento de calma. Ele mora há 19 anos no Valais, sua esposa há 15 e sua filha de 10 anos nasceu aqui. Na verdade, ele planejou ficar mais 10 anos, talvez até meados de seus 50 anos de idade, mas as coisas se desenvolveram em outra direção. “A vida se tornou difícil aqui nos últimos anos”, diz ele. “Tudo ficou mais caro, mas meu salário permaneceu praticamente o mesmo.” O pai de família trabalha no canteiro de obras como carpinteiro enquanto sua esposa trabalha em uma creche. E, no entanto, no final do mês não sobra quase dinheiro algum. “Em dois ou até quatro meses, não ganho o suficiente para pagar todas as contas”, diz Gaspar. Dois anos atrás ele perdeu o emprego. Após alguns meses desempregado, ele agora está novamente trabalhando. Sua mulher e filha regressam a Portugal no verão, e ele quer fazer o mesmo no final do ano.

Muitos já se aposentaram

Sebastião Gaspar não é um caso isolado. Como ele, mais e mais portugueses estão optando por deixar a Suíça. Isso é o que mostram as estatísticas da Secretaria de Migração do governo suíço (ver gráfico). Enquanto cerca de 12.000 portugueses voltaram a Portugal no ano passado, pouco menos de 10.000 imigraram para a Suíça.

Os portugueses que retornam dividem-se em três categorias, diz Nuno Domingos que, como Presidente da Associação para o Apoio da Comunidade Portuguesa no cantão de Vaud, mantém contactos regulares com pessoas dispostas a regressar. Primeiramente, existe o grupo daqueles que, como Gaspar, têm cerca de 40 anos e decidem voltar depois de dez ou vinte anos na Suíça. Em segundo lugar, estão os jovens bem-educados que deixaram o país durante a crise econômica e financeira portuguesa entre 2009 e 2016. E o terceiro grupo é composto em sua maioria por uma geração mais velha: aqueles que vieram para a Suíça durante a década de 1980 e agora estão se aproximando da idade de aposentadoria ou já estão aposentados.

Existem várias razões para a tendência de retorno. Muitos dos aposentados de hoje trabalhavam em empregos de baixos salários – na construção, no serviço de bufê, na limpeza – e recebem uma pequena pensão. Mas enquanto 1300 francos na Suíça mal bastam para a subsistência, “com isso vive-se em Portugal como um papa” diz o pensionista Sidónio Candeias, que também quer viajar de volta depois de 32 anos na Suíça. A situação é semelhante para aqueles que ainda estão trabalhando. Os que retornam na faixa etária de 40 anos mencionam frequentemente custos crescentes, e salários estagnados. Soma-se a isso que os portugueses estão representados acima da média em indústrias com trabalho sazonal, como a indústria hoteleira. Isso aumenta o risco de desemprego. Sandra Barbosa, da cidade de Brig, planeja voltar no final de abril. “Se mal posso economizar, prefiro estar perto da minha família”, diz ela.

Outro fator que fez com que alguns retornassem é a troca automática de informações fiscais. Se você tem uma casa em seu país de origem, como é o caso de muitos portugueses, você também precisa taxá-la na Suíça. Com o início do intercâmbio oficial de informações em 2018, tais propriedades dificilmente passarão desapercebidas pelas autoridades locais, sendo que às vezes elas incorrem no pagamento de pesados impostos atrasados. “Alguns optaram por um retorno antecipado para evitar pagamentos de impostos atrasados”, diz Domingos.

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Este não foi o caso de Sebastião Gaspar que já teve que pagar 5.000 Francos em impostos para as autoridades. Uma gatunagem, acha Gaspar na cozinha estreita de seu apartamento alugado cujos armários parecem ser dos anos 70. “Eu ainda nem terminei de pagar minha casa em Portugal!” exclama. Esta lei é injusta, diz Gaspar ao levantar para fazer um café, pois os inquilinos que alugam sua casa em Portugal já pagam os impostos locais.

Economia em crescimento

Como Gaspar, muitos portugueses pretendem voltar para casa um dia. O fato de cada vez mais portugueses realizarem este desejo também tem a ver com a situação em Portugal. Após longos anos de crise, a economia local está ganhando impulso novamente. A taxa de desemprego caiu de 16% em 2013 para cerca de 7% hoje. Em 2018, a economia cresceu mais de 2%. Ademais, o governo português está tentando repatriar os emigrantes altamente qualificados que deixaram o país durante a crise econômica: aqueles que retornam em 2019 ou 2020 pagarão apenas metade de seu imposto de renda durante de um a dois anos.

Para Sebastião Gaspar, tais considerações não são o principal. Para ele o importante é viver em maior harmonia com a natureza, diz ele. Ao regressar, ele cuidará da terra do pai em Aveiro, uma aldeia perto do Porto. Lá existem maçãs, laranjas e ameixas, diz ele, e o céu coberto de nuvens de Martigny parece por um momento estar bem longe. Ele também quer plantar castanheiras e damascos para sua filha. Ele está ansioso por isso e por poder encontrar seus amigos ao ar livre, espontaneamente, sem ter que marcar um encontro em um bar. “Eu quero voltar a viver ao invés de apenas trabalhar”, diz Gaspar.

Alguns decidiram voltar devido à ameaça de terem que pagar impostos devidos.

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Declarações de alguns portugueses

Sidónio Candeias, 67, Martigny

“Tivemos que vender nossa casa”

“Vim para a Suíça com 35 anos. A ideia era voltar depois de aposentado. Mas agora minha mulher quer ficar por aqui. Ela diz que nossos amigos e crianças lhe fariam falta. O problema é que no longo prazo nós não poderemos mais pagar por nossa estada na Suíça. Eu recebo 1.200 Francos de aposentadoria por mês, minha mulher por volta de 1.300 Francos. Isto não basta para cobrir nossos custos. Nós acabaríamos esgotando nossas economias, e seriamos forçados no final a vender nossa casa aqui. Eu também sinto falta da cultura portuguesa. As pessoas são mais solidárias, elas se ajudam entre si. E nós temos um apartamento maravilhoso nas proximidades de Lisboa. Lá se pode tomar café da manhã na varanda com o sol da manhã e com vista sobre o mar. O que vai acontecer comigo e com minha mulher, eu não sei. Talvez eu volte sozinho”.

 

V.C., 62, Zuoz

“Todos com mais de 50 anos perderam seus empregos”

«Eu vim para a Suíça há 38 anos. Até 2016 eu trabalhei como eletricista em um hotel na Alta Engadina. Mas então o patrão que administrava o hotel há 28 anos se aposentou. O novo diretor, um jovem alemão, demitiu todos os maiores de 50 anos e contratou trabalhadores fronteiriços italianos. Estou desempregado há dois anos, embora tenha enviado com certeza100 candidaturas e feito um curso de logística. Porque eu ganhei bem antes, eu recebia 2800 francos, até o final de maio ainda vou receber dinheiro do fundo de desemprego. A partir daí vou ficar dependente de assistência social. Mas esse dinheiro é apenas o suficiente para pagar as contas. É por isso que vou pedir aposentadoria antecipada aos 63 anos, mesmo perdendo dinheiro. Em geral, a situação na Engadina tornou-se mais difícil. As fábricas contratam menos pessoas para o mesmo trabalho. Minha esposa – ela é suíça e cozinheira – perdeu o emprego há três anos e nada encontrou desde então. É por isso que decidimos ir para Portugal. Não é fácil e nunca foi o nosso plano. Nosso filho mora em Zurique. Pelo menos podemos viver bem em Portugal com a pensão que recebemos “.

 

Sandra Barbosa, 40, Brig

“Minha mãe está doente”

“Quando cheguei à Suíça, pretendia ficar apenas cinco anos. Agora já se foram 13. Eu vim porque o salário é melhor e eu queria sair de Portugal. Mas a vida aqui sempre foi mais cara – os prêmios do seguro de saúde, o aluguel – enquanto o meu salário não aumentou. Além disso, as condições de trabalho pioraram. No hotel onde trabalho, estamos agora apenas em pares para 30 quartos. Agora que minha mãe tem problemas de saúde, decidi voltar. Se eu mal posso economizar dinheiro, prefiro estar perto da minha família. Em casa, vou tirar alguns meses para procurar um emprego. Dizem que existem vagas em uma fábrica de jeans próxima. Se meu retorno é final, eu não sei. Eu também posso imaginar voltar para a Suíça algum dia “.


Artigo publicado originalmente no jornal NZZ am SonntagLink externo em 24 de março de 2019 e traduzido com permissão da autora.

Adaptação: DvSperling

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