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Livro conta longa história dos imigrantes helvéticos

Otto Gervasius Billian em uma de suas expedições através da Bahia. swissinfo.ch

Casa da seleção de futebol da Suíça durante a Copa do Mundo, a Bahia tem um grande histórico de imigração helvética, com mais de 150 anos de uma história consolidada. Uma trajetória que começou ainda no Brasil Império, teve a criação da Sociedade Suíça de Beneficência da Bahia (SSBB), em meados do século XIX, e atravessou os ciclos do cacau, na região de Ilhéus, no sul do estado, e do fumo, no Recôncavo.

Uma imigração que ganhou novos contornos no século XX, com a chegada de empresas multinacionais e a afirmação de Salvador e da Bahia como um destino turístico e cultural mundial. Um bom panorama sobre a história e as contribuições do povo suíço à Bahia e ao Brasil podem ser encontrados no livro “A Saga dos Suíços no Brasil (1557-1945)”, de Waldir Freitas Oliveira, publicação financiada pela SSBB.

No final da década de 1980, suíços que moram na Bahia tiveram a ideia de registrar o histórico da imigração helvética não apenas no estado, mas em todo o Brasil. Naquela época, para contribuir com os festejos dos 700 anos da Confederação Helvética, Otto Schaeppi, então presidente da SSBB, pensou em fazer um livro que contasse a trajetória do seu povo no país.

Com a ajuda de Bruno Furrer e com os fundos da sociedade, conseguiram coletar fotos, documentos e outros materiais sobre suíços no país. Em 1993, contrataram o historiador Waldir Freitas Oliveira, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia e membro da Academia de Letras da Bahia, para escreverem o livro. Porém, em 1995, boa parte dos achados e a primeira versão do livro se perderam, quando Urs Joho, presidente da SSBB, transportava os originais junto a seus pertences para os Estados Unidos, onde iria morar e buscaria fazer uma versão em inglês da obra.

“Grande parte do material fotográfico não pôde ser recuperada e a frustração paralisou a evolução da obra. Tentamos recomeçar várias vezes, mas só conseguimos em 2005, por iniciativa de Mändu Stauffer e Ulrich Sturzenegger, que se encontraram com o professor Waldir Oliveira e o encorajaram a rescrever e revisar o texto”, conta Leila Jezler, atual presidente da SSBB.

Por ocasião da comemoração dos 150 anos da sociedade, fundada em 1857, o livro “A Saga dos Suíços no Brasil (1557-1945)” foi lançado, em 2007. Foi um período muito frutífero para a comunidade suíça da Bahia, uma vez que, no ano anterior, foi inaugurada a Casa Suíça, um espaço para encontros entre suíços e interessados na cultura helvética, que abriga salões de reuniões, um belo quintal e uma biblioteca.

À época, tanto a inauguração do espaço quanto o lançamento do livro foram coordenados pelo então presidente da sociedade, Jacques Delisle, e contaram com a presença do cônsul Adriano Neeser e também do embaixador da Suíça no Brasil, Rudolf Bärfuss.

Um pouco de história

Na Bahia, a primeira presença suíça de relevância remonta ao ano de 1818, quando surgiu a Colônia Leopoldina, no município de Mucuri, que atualmente faz divisa com o estado do Espírito Santo. Na cidade mais austral do estado, os colonos helvéticos desenvolveram o plantio do café, embora a produção cafeeiro no Brasil da época tenha se desenvolvido, realmente, nos estados de Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

Alguns dos suíços desta colônia acabaram migrando para Minas Gerais, onde trabalharam na frustrada Companhia do Mucuri. Cinco deles conseguiram chegar a Salvador, em 1860, e foram auxiliados pela Sociedade de Beneficência da Bahia (SSBB), criada três anos antes. Era justamente para ajudar suíços que não tinham condições de permanecer na Bahia ou que queriam continuar vivendo no estado, mas passavam por dificuldades, que foi criada, em 1846, a Caixa Suíça, precursora da SSBB. A atual presidente da instituição, Leila Jezler, lembra que, naqueles tempos, era muito complicado para os europeus virem para o Brasil.

“Naquela época, muitos vinham para o Brasil para fazer fortuna, mas acabavam se adoentando com doenças tropicais ou não prosperavam. A Caixa Suíça, e depois a sociedade, foram criadas para auxiliar estes imigrantes a permanecerem ou voltarem”, afirma. Hoje, sem suíços necessitados, a SSBB trabalha com doações a projetos sociais e demais colaborações com entidades filantrópicas, principalmente aquelas que tenham envolvimento com suíços.

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Presença aumenta

Um pouco antes da criação da SSBB, na década de 1830, a presença suíça no sul da Bahia, mais especificamente em Ilhéus, aumentou. A partir de meados do século XIX até primeiros anos do século XX, muitos suíços aportaram na Bahia para trabalhar em fazendas de fumo e cacau. Um deles foi justamente Otto Schaeppi, que teve a ideia de realização do livro “A Saga dos Suíços no Brasil (1557-1945)”, que aportou na Bahia em 1909, para trabalhar como empregado da empresa suíça Kaufmann e Wildberger e responsável pela compra e exportação do cacau produzido na região. Seu filho, Hans Schaeppi, até hoje vive na região, fabricando chocolate suíço.

Visionários, dois ricos suíços tentaram convencer outros suíços e demais estrangeiros de que seria uma boa ideia cultivar cacau em Ilhéus, alguns anos antes de o senhor Otto Schaeppi chegar ao país. Foi no início da década de 1830 que os irmãos Ferdinand e Lukas Jezler vislumbraram a possibilidade. Os irmãos haviam se estabelecido em Cachoeira e São Félix e se tornaram abastados comerciantes, vendendo produtos importados da Europa. Apesar de importantes, a presidente da SSBB só descobriu a existência destes parentes recentemente, graças à pesquisa do livro.

Nos primeiros passos dados para a informatização dos dados do Cemitério dos Estrangeiros, Leila Jezler foi avisada que outras pessoas com seu sobrenome e que não eram seus avós, mãe e tios estavam enterradas lá. “Fui pesquisar no livro para saber e eles estavam lá. Eles foram até fundadores do cemitério, em 1851. Conta a história que eles prosperaram e por isso convidaram meu avô para vir para cá, para trabalhar com fumo”, diz.

Apesar da morte de Lukas Jezler, em 1855, a empresa Jezler e companhia, sempre com sócios suíços, prosperou por muitos anos, mas o o avô de Leila Jezler, Karl Lukas Jezler, nunca foi funcionário dela e teve fazendas nas cidades de Maragogipe e São Félix antes de migrar para o mercado financeiro.

Obras paralisadas

A empresa fundada pelos Jezler acabou sendo assumida por Arnold Wildberger, outro helvético que muito colaborou com relatos que serviram de base para a escrita do livro por parte de Waldir Freitas Oliveira. Arnold era fllho de Emil Wildberger, suíço que se transferiu para o Brasil para trabalhar com cacau e que, desde a década de 30 até o começo dos anos 50 do século XX, foi o líder de exportações no mercado cacaueiro.

A sua residência, a Mansão Wildberger, localizada no bairro da Vitória, era um dos locais mais luxuosos da cidade e um ponto de referência, uma vez que era uma grande edificação, construída no estilo medieval alemão.  Em 2007, a casa foi parcialmente demolida sem autorização da justiça e desobedecendo tomamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para a construção de um prédio de 35 andares. Até hoje um processo corre na justiça contra as empresas envolvidas na demolição – uma delas com membros da família Wildberger como sócios – e as obras estão paralisadas.

Em outro caminho, próspero, mas seguramente mais modesto, o avô de Leila Jezler, Karl Lukas Jezler, trabalhou primeiro na indústria de fumo e depois foi funcionário do Banco Alemão. Já idoso, por pouco ele e a família não foram deportados, na época da II Guerra Mundial, porque foram confundidos com alemães, inimigos do Brasil no conflito.

Leila ainda era apenas uma criança, mas se recorda de que aprendeu alemão logo após a morte do avô, para conseguir estabelecer contato com os seus tios, de quem recebiam notícias exclusivamente pelo seu falecido avô. “Aprendi alemão e escrevi uma carta para a embaixada brasileira em Zurique. Por sorte, um tio meu tinha um restaurante na cidade e a carta chegou até ele. Conseguimos restabelecer o contato e anos depois conheci pessoalmente os meus familiares”, lembra.

Curiosamente, com o passar dos anos, Leila Jezler, que se formou em letras anglo-germânicas e administração de empresas, acabou por trabalhar com fumo, mesmo ofício do seu avô e também do seu ex-marido. “Uma amiga, casada com um alemão, me indicou para ser secretária dele em sua empresa de fumo. Isso era ainda mais curioso porque meu falecido marido, Henrique, também trabalhava com fumo, em outra empresa (risos)”, conta.

Adelaide Carozzo

Além de terem grande participação na exploração de cacau e fumo, que por muitos anos estiveram entre os principais produtos agrícolas da Bahia, os imigrantes suíços também contribuíram com a inserção da Bahia como um dos estados com relevância na extração de produtos de origem mineral, o que persiste até hoje. Hoje, seus descendentes lembram bem do seu legado, mesmo que a relação com a Suíça não seja tão forte como antigamente.

Nascida Adelheid Billian, ainda em Zurique, a dona de casa aposentada Adelaide Carrozzo tem origem suíça através da família da mãe e do pai. A família da sua mãe, os Neeser, tem grande relevância para a pesquisa e a manutenção das raízes suíças no estado, enquanto o seu pai, um Billian, foi um dos grandes nomes na extração de minerais.

Inicialmente, seu avô, Carlos Neeser, veio para o Brasil, em 1892, para trabalhar na empresa exportadora de cacau de Carlos Ferdinand Keller, brasileiro filho de um suíço que já atuava na área. Depois, deixou a firma e abriu uma empresa têxtil, tendo prosperado com o passar dos anos. Em 1928, Neeser doou um terreno à SSBB, que serviria para a construção da sede social, mas que acabou sendo utilizado para auxiliar suíços necessitados. Seu filho, Hermann Neeser, foi um historiador, e suas pesquisas foram uma das principais referências bibliográficas do livro “A Saga dos Suíços no Brasil (1557-1945)”. Adriano Neeser, também da sua família, foi cônsul em Salvador até 2009, quando faleceu.

Segundo Adelaide, seu avô desejava que os seus filhos fossem educados na Suíça. Por isso, enviou sua filha, Lúcia Margarida Urpia Neeser, para Zurique. “Quando ela concluía os estudos, conheceu meu pai, e um pouco antes da II Guerra Mundial, se mudaram para o Brasil. Meu pai tinha um espírito muito aventureiro. Nasci lá e vim muito nova para o Brasil”, conta. Já na Bahia, ela foi rebatizada como Adelaide assim que chegou ao país, uma vez que o governo de Getúlio Vargas não permitia nomes estrangeiros.

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Personalidade baiana

Seu pai, Otto Gervasius Billian, é um dos imigrantes suíços mais importantes da história da Bahia. Nasceu em 1893 e trabalhava com relojoaria em Zurique. Na capital, conheceu Lucia, e casaram-se. Em 1933, pouco após o nascimento de Adelaide, foram morar em Salvador, onde seu sogro Carlos Neeser possuía uma empresa têxtil, trabalhando com seu filho Hans. Como Otto Billian não falava português, Hans passou a ajudá-lo na sua primeira fase brasileira.

O empresário suíço veio ao Brasil já interessado na exploração de minerais, cristais de rocha e pedras preciosas. Em 1935, ele iniciou as viagens pelo interior do estado da Bahia e acabou tornando-se representante da alemã Carl Zeiss, interessada em quartos de alta qualidade para a fabricação de lentes. Em 1937, fundou a Empresa Bahiana de Mineraes, e passou a trabalhar de forma autônoma, se tornando um dos maiores exploradores de minerais do país.

Nos anos seguintes, abriu estradas no interior para facilitar o acesso às minas, ajudando a integrar as regiões com a capital. A partir de 1959, dedicou-se apenas à Chácara Suíça, terras da Fazenda Misericórdia, adquiridas em 1940. Depois disso, loteou as áreas de sua fazenda, no que acabaria dando origem ao bairro do Horto Florestal, que tem um dos metros quadrados mais caros de Salvador.

Falecido em 1984, aos 91 anos, vítima de câncer, foi homenageado com uma sala com seu nome no Museu Geológico da Bahia, e também empresta seu nome a uma das torres do condomínio Chácara Suíça, inaugurado no Horto Florestal – a outra tem o nome de sua esposa, Lucy.

Poucas ligações com país de origem

Apesar da forte ligação da família com outros suíços ao longo dos anos, Adelaide Carrozzo não mantém mais muitas ligações com o seu país de origem, algo que ela lamenta. Os últimos contatos aconteceram há mais de 20 anos, quando ela e o seu marido, o italiano Vito Carrozzo, levavam os filhos para as festas e reuniões na SSBB. Por outro lado, sua irmã, Ania Billian, fez parte da direção da entidade até 2012 e ainda frequenta a Casa Suíça.

“Quando meus filhos eram pequenos, íamos nas festas realizadas pela Casa Suíça, mas depois que eles cresceram, nunca mais fomos. Hoje, preservo apenas algumas tradições, como a pontualidade, e cozinho algumas comidas típicas, como spätzle e batata rosti. Mas não sou uma suíça genuína, como os meus familiares”, diz.

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Importância não só no extrativismo

Os suíços também tiveram grande importância na vida cultural da Bahia. Um deles, o grande compositor Ernst Widmer, professor da Escola de Música da Ufba, foi um dos entusiastas da criação do livro que conta a trajetória dos suíços no Brasil. Ele até mesmo iria compor uma obra para homenagear os 700 anos da Confederação Suíça, mas faleceu antes.

“Foi uma pena. Widmer era um grande compositor e estava se dedicando a fazer uma peça exclusivamente para o jubileu da Confederação Suíça, mas faleceu um pouco antes”, diz Leila Jezler.

Falecido em 1990, o compositor, nascido em Aaarau, chegou ao Brasil em 1956, a convite do alemão Hans-Joachim Koellreutter, fundador dos Seminários de Música da Bahia. No período em que viveu na Bahia, nautralizou-se brasileiro, em 1967.

Muito apegado à cultura local, Widmer misturou composições clássicas com ritmos sertanejos e batuques do candomblé. Em 1989, organizou um singular encontro entre afoxé e sinfonia, no Teatro Castro Alves, em Salvador, com a participação da Orquestra Sinfônica da Bahia e do Grupo de Afoxé Filhos de Gandhi. Foi um dos seus últimos atos, já que, no ano seguinte, faleceria em Aarau, aos 63 anos.

Músico importante para o Brasil

Outro suíço muito importante para a música baiana foi Anton Walter Smetak, parceiro de Widmer. Smetak, porém, não é citado no livro “A saga dos Suíços no Brasil”, uma vez que a publicação tem um viés mais de registrar o movimento migratório e suas características do que citar todos os suíços que tiveram importância na história do Brasil.

Smetak, filho de um casal checo que morava em Zurique, se mudou para o Brasil em 1937, para trabalhar em uma orquestra em Porto Alegre. Porém, quando chegou ao Rio Grande do Sul, não havia mais orquestra. Trabalhou como músico em São Paulo e no Rio de Janeiro, até se mudar para Salvador, também convidado por Hans-Joachim Koellreutter. Na cidade, tornou-se professor da Ufba e construiu instrumentos musicais  que eram verdadeiras esculturas. Tirou sons a partir de objetos improváveis e virou uma das principais influências do Tropicalismo.

Falecido antes do amigo, em 1984, aos 71 anos, Smetak virou tema de um livro escrito por sua neta, Jéssica Smetak, que não chegou a conhecê-lo. Em “Smetak – Som e Espírito”, lançado no ano do centenário do nascimento do avô, a jornalista  entrevistou 45 pessoas, entre elas Caetano Veloso, Antônio Risério e Gilberto Gil, que conviveram com o artista. Porém,

“Até eu comçear a escrever, eu não sabia direito quem era o meu avô. O que eu ouvia falar era muito abstrato, era o que os meus tios falavam em casa, o que eu lia brevemente. Só consegui saber quem ele era depois que comecei a fazer as entrevistas. Ele era um homem tradicional europeu, até conservador dentro de casa, que chegou aqui e se encantou com a cultura brasileira, principalmente com a baiana, e foi muito ousado musicalmente. O livro surgiu por motivação de minha tia, que sempre quis preservar a memória dele. Então eu, como jornalista, decidi fazer algo nesse sentido”, conta.

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