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Tecno no interior: ascensão e queda de uma “meca” das raves

Brodelnder Club
Raves em 1995, quando o espaço já não comportava tanto público. Mirosch

Sintetizador e ecstasy em galpões de fábrica vazios: na década de 1990, milhares de fãs de raves peregrinavam até Roggwil, uma aldeia com 3.750 habitantes no cantão de Berna. Sobre a ascensão e queda de uma meca de rave suíça.

Em 2001, uma era chegou ao fim. Em 23 de junho, um incêndio deflagrou as antigas instalações da fábrica Gugelmann Spinnerei, no extremo norte da aldeia, com mais de 300 bombeiros trabalhando durante dois dias para conter as chamas.

Grandes nuvens de fumaça moveram-se ao longo do Jura em direção a Grenchen, razão pela qual a população foi instruída a manter as suas janelas fechadas. Numerosos armazéns, equipamentos para eventos no valor de várias centenas de milhares de francos suíços e uma discoteca em chamas. “O techno acabou em Roggwil”, escreveu o Berner Zeitung (jornal de Berna).

Apenas dois meses antes, 12.000 pessoas de toda a Suíça e do exterior estavam dançado no local em uma das mega-raves pelas quais a aldeia aos arredores de Berna era conhecida em todo o país e mais além por quase uma década.

Nos anos 80, novos gêneros de música eletrônica (house e techno) surgiram nos EUA e, no final da década, lenta, mas firmemente conquistaram as pistas de dança de clubes e discotecas europeus – mesmo nas províncias mais distantes.

Galpões de fábrica vazios

Nessa altura, o jovem eletricista Mirosch Gerber, que cresceu na aldeia vizinha de Wynau, em Roggwil, desenvolveu uma paixão pela música eletrônica. Pouco depois de Gerber, agora com 51 anos, iniciar seu aprendizado na antiga fábrica têxtil Gugelmann em 1986, começou a colecionar discos e a tocar música como DJ. Primeiro disco, logo também acid house e techno.

O entusiasmo pela música levou Gerber à Inglaterra, onde não só comprou discos, mas também participou pela primeira vez das chamadas warenhouse-raves. “Foi incrível”, lembra-se ele. “Havia centenas de pessoas na fila em algum lugar entre Londres e Brighton em frente a um antigo prédio de fábrica, tu descias então um lance de escadas através de uma entrada discreta e de repente estavas num galpão gigantesco”.

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No interior do galpão: música estrondosa, pessoas dançando, drogas, êxtase. Second Summer of Love foi o nome dado aos verões de 1988 e 1989 na Inglaterra, que deixaram até hoje uma marca na cultura festiva como lugar de recordação. Era fascinante, diz Gerber, mas, tendo em conta o estilo de vida excessivo, também “bastante despedaçado”: “Eat-Sleep-Rave-Repeat era o lema dessas escapadelas”.

Skulptur im Club
Mirosch

Enquanto o nativo de Wynau concluía seu aprendizado na Gugelmann, a fábrica descia morro abaixo – a indústria têxtil suíça estava em declínio há décadas. Em breve mais e mais edifícios ficaram vazios e Gerber, que já tinha adquirido alguma experiência como DJ e organização de festas na região, pensou: este é o lugar perfeito para uma rave.

A ideia rapidamente se tornou realidade: em maio de 1993, ele e um amigo organizaram a primeira rave na agora vazia fábrica têxtil. Tecnologia, booking, bar – eles organizaram tudo sozinhos. “600-700 pessoas compareceram à primeira festa, o que já era muito para Roggwil”, recorda Gerber.

Uma das cenas techno mais animadas do mundo

A aldeia na fronteira nordeste do cantão de Berna, nas imediações dos cantões de Solothurn, Argóvia e Lucerna, tinha cerca de 3.750 habitantes no início dos anos 90. Com duas estações de trem, tem uma acessibilidade acima da média, algumas pequenas e médias empresas, um conselho municipal dominado pelos partidos Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) e Partido Socialdemocrata (SP, na sigla em alemão), e uma animada cultura de clubes e discotecas.

Uma vez que a área da fábrica se situa em uma depressão longe do centro do vilarejo, o som dos sintetizadores é o que se ouvia Roggwil, mas praticamente ninguém se incomodava com isso. “Ninguém na aldeia tinha problemas com as festas”, diz Annemarie Grütter. Ela, que hoje está com 63 anos, fez parte da cena techno de 1993 a 2001 – não como festeira, mas como membro da Associação Samaritana de Roggwil. Esta associação tradicional suíça, que está representada em muitas aldeias e vilarejos, treina civis para prestarem primeiros socorros. Com os samaritanos e samaritanas, uma importante associação de Roggwil marcou presença nas festas.

Parece até que se sentiam um pouco orgulhosos de que, de repente, viessem pessoas de toda a Suíça, como sugerem várias reportagens na televisão suíça. A maioria dos festeiros e festeiras viajava de trem diretamente para a estação Roggwil-Wynau, que fica apenas a algumas centenas de metros dos galpões da fábrica onde aconteciam as raves. “O pai de um amigo meu trabalhou na estação Roggwil-Wynau nos anos 90 e, graças às festas, vendia bilhetes para rotas malucas”, conta Mirosch Gerber. “Roggwil-Frankfurt, Roggwil-Napoli e coisas do gênero”.

“Provavelmente nós salvamos a estação de trem de ser fechada”.

Como os aldeões viam as massas de apaixonados por raves? E o que eles realmente fizeram? Registros históricas do paraíso das raves de Berna:

No início dos anos 90, a cena tecno suíça era uma das mais animadas do mundo. Isso tinha a ver, entre outras coisas, com a sua localização no coração da Europa, entre outras coisas, explica Bjørn Schaeffner da Associação ClubCultureCH, que está tratando da história da vida noturna suíça. A cultura de festas que se desenvolveu em Zurique, Montreux e outras cidades suíças a partir de 1990 estava intimamente interligada com a da Alemanha, Itália e França, diz Schaeffner. “Como um vilarejo, Roggwil se converteu em uma Meca das raves da Europa Central”.

Outro do lugarejo que lá estava desde o início é Michael Glauser (nome alterado). Na primavera de 1993, quando se realizou a primeira grande festa no Gugelmann, ele tinha apenas 13 anos de idade. “Fui com alguns amigos, ficamos em frente à entrada e bebemos Red Bull, ainda ilegal na época, que um tipo vendeu do seu carro por sete francos suíços”, recorda-se ele. Viu pessoas em seus trajes malucos: “calças boca de sino, cores em neon, luvas brancas, calçados salto plataforma”. Uma vez lá dentro, ele ficou fascinado: “Me pegou”. Durante horas perambulou com os amigos pelos vários espaços da fábrica onde tocavam diferentes gêneros de música eletrônica, tais como techno, house, gabber, drum&bass ou trance.

“O primeiro Big Bang seguiu-se em 1994”, diz o organizador Gerber. Ele e seu parceiro esperavam de mil a 1.500 pessoas, mas em vez disso vieram 6.000. A partir daí, as coisas tomaram uma proporção inimaginável: cada vez mais visitantes de toda a Suíça e do exterior, trens extras que iam de Zurique a Roggwil-Wynau e, finalmente, um destaque preliminar no Odyssey 3 em 1995, quando 13 mil fãs de raves conseguiram entrar – e sete mil pessoas tiveram que ser enviadas de volta para casa.

“Atingiu uma dimensão que lentamente se tornou sinistra para nós”, diz Gerber. Os organizadores e os frequentadores das raves concordam que a atmosfera alcançou um ponto máximo na época.

“As pessoas diziam naquela altura que não houve uma única briga”, diz Glauser sobre o Cubik 95, que teve lugar no mesmo ano. A razão para isso não era apenas a música e o bom humor intrínseco do público, mas também a droga pela qual a cultura da rave também é conhecida: o ecstasy.

“Tomei um comprimido pela primeira vez em 1995”, diz Glauser. O ecstasy, que era vendido sob a forma de comprimidos e na época ainda continha quase exclusivamente MDMA, desfrutava da reputação de deixar os usuários eufóricos, cheios de amor, totalmente pacíficos. “Só queres abraçar todo mundo”, afirma Glauser. Uma mistura de liberdade, amor e união imperava nas festas, diz ele, que conheceu pessoas de toda a Suíça e do exterior. “Foi a época da minha vida”.

Depois do êxtase

Haveria de ser um voo curto de grandes altitudes em Roggwil. O organizador Mirosch Gerber fez experiências com o estilo, quis afastar-se do techno convencional e tentou montar um programa mais underground. O que não funcionou: “1996 e 1997 foram anos ruins”, diz Gerber. Muito menos pessoas vieram do que o esperado, e grandes perdas também causaram um ponto de virada.

A atmosfera não era mais tão pacífica no decorrer dos anos como tinha sido no início, em parte devido à mudança acentuada do ecstasy para o speed (metanfetamina) e o álcool. “Era mais legal para os visitantes, e melhor para as nossas carteiras, mas houve imediatamente os problemas associados ao álcool”, lembra Gerber. As equipes de segurança tiveram de ser aumentadas significativamente, e a de primeiros socorros também teve mais trabalho. Já não eram “as simpáticas crianças do ecstasy”. “Soa estúpido agora, mas eu preferia ter dez pessoas sob o efeito do ecstasy na tenda de primeiros socorros, ali deitadas pacificamente, do que duas que estavam bêbadas como um gambá e causando tumultos”, opina Grütter, da Associação Samaritana.

Havia outra causa para o aumento da violência: os neonazistas. Em parte, vieram do próprio vilarejo, que foi considerado um centro da cena da extrema-direita até meados dos anos 2000, mas em parte de Roma e do norte de Itália, de acordo com Mirosch Gerber.

O problema se manifestou especialmente no gabber-floor, uma música muito rápida e pesada proveniente de Roterdã, que foi rapidamente apropriada pela cena de extrema-direita. “Três quartos da plateia do gabber-floor se comportavam bem”, diz Gerber. “Mas quando, de repente, toda a fila da frente ergue o braço direito, então tu tens que dizer: desculpe, algo ocorreu mal, este é definitivamente o endereço errado aqui”.

A resposta ao problema com os nazistas foi de aumentar o pessoal da segurança, e à falta de público, de se alinhar mais fortemente ao mainstream. A partir de 1998, Gerber teve um novo sócio que, como ele diz, “comprou em tudo o que tinha status e nome”. “Visávamos os ganhos financeiros”. Com sucesso: para a primeira festa da série Golias, que se realizou em 1998, vieram 12 mil pessoas. A partir daí, foi mais um negócio do que um projeto do coração, segundo o ex-organizador. Um negócio que floresceu até ao incêndio em 2001. Embora fosse cada vez mais complicado: as imposições da parte das autoridades tornaram-se mais rigorosas e o proprietário do local, o empresário Adrian Gasser, exigia cada vez mais dinheiro para a utilização do espaço, diz Gerber.

Treppe, Leute ruhen sich aus
Diferentes estilos de música são tocados em vários andares. Mirosch

O que resta é toda uma geração para quem Roggwil é um conceito familiar, e muitas boas lembranças no lugarejo. “Foi um tempo bom”, diz Annemarie Grütter. Nunca haveria um sentimento tão forte de solidariedade na sua associação como durante as ações nas festas no Gugelmann. Mirosch Gerber, que agora trabalha como gestor de campanha nos correios suíços, também olha para trás com prazer. Aprendeu muito durante esse tempo. “As grandes experiências de negócios das quais ainda hoje posso lucrar, fiz na época. Não se aprende algo assim na universidade”.

E Michael Glauser? Agora com 41 anos de idade, ele conseguiu concluir os estudos, apesar das muitas festas e drogas que não só consumiu, como também vendeu por um tempo. Hoje trabalha como educador e tem a vida sob controle. No entanto, ele ainda não encerrou sua relação com o passado. “Às vezes em minhas andanças encontro outro antigo festeiro, que vem ter comigo e diz: ‘Nós nos conhecemos de algum lugar. Estavas lá?’” “Sim”; diz ele então, “eu estava lá – eis porque nós dois não sabemos mais nada”.

Adaptação: Karleno Bocarro

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