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Um verdadeiro negro para o Parlamento

Para virar suíço Andrew Katumba precisou aguardar três anos. Hoje ele é candidato à deputado federal. swissinfo.ch

Andrew Katumba, filho de pai ugandense e mãe ucraniana, é suíço e um dos poucos candidatos negros nas eleições de outubro.

swissinfo entrevista Katumba e fala sobre o preconceito, a integração de estrangeiros na Suíça e sobre o grupo político “Secondas-Plus”.

O maior desafio de um político anônimo em véspera de eleições é tornar-se conhecido do seu público. Alguns candidatos investem milhões sem sucesso. Outros se transformam de um dia para noite em personalidades. Sua formula mágica: a polêmica.

Andrew Katumba, 32 anos, é um dos poucos candidatos negros a deputado federal nas eleições federais suíças de 19 de outubro. Ele pertence ao “Secondas-Plus”, um grupo político de Zurique ligado ao Partido Socialista e reunindo jovens suíços de origem estrangeira.

Em julho, Katumba tornou-se uma pequena estrela na mídia nacional. Tudo graças a um partido de extrema-direita: a União Democrática do Centro (UDC). Eles haviam lançado um cartaz, onde era possível ler em letras garrafais – “Nós suíços somos cada vez mais os negros”. Logo abaixo se via a caricatura de um negro de chapéu suíço e argola no nariz.

O material de propaganda política foi condenado em uníssono pela imprensa. Andrew aproveitou a deixa e logo publicou seu próprio cartaz: – “Se cada vez mais suíços sentem-se como negros, então a Câmara dos Deputados precisa finalmente de um verdadeiro!”.

Katumba é um suíço globalizado por nascença: filho de pai ugandense e mãe ucraniana, ele viveu na Alemanha, Uganda e chegou com a família como asilado político na Suíça. Com dezoito anos ele se naturalizou e ganhou o passaporte da cruz. Há sete anos ele milita no Partido Socialista.

Desde abril de 2002, Katumba trabalha como responsável de produtos na área de Internet TV da Bluewin AG, a maior companhia de internet da Suíça.

Como você veio parar na Suíça?

Meu pai nasceu em Uganda. Ainda jovem ele foi para a Ucrânia estudar medicina, onde conheceu a minha mãe. Ainda na época da “Cortina de Ferro”, que dividia os países comunistas do mundo capitalista, eles conseguiram fugir para a Alemanha. Eu nasci em Singen em 1971, uma cidade localizada no sul da Alemanha. Depois desse período, nossa família retornou para Uganda, onde vivemos por dois anos. Devido às turbulências políticas durante o regime do ditador Idi Amin Dada (que governou o país entre 1971 e 1979), nós tivemos de abandonar a África para pedir asilo político na Suíça. Assim começa minha história.

E quando você se tornou suíço de passaporte?

Eu tinha 18 anos quando ganhei a nacionalidade suíça. O pedido havia sido feito três anos antes. Foi um processo complicado que passou primeiro pelo município, cantão e governo federal e voltou pelo mesmo caminho. Tudo isso foi necessário até que eles me autorizaram a prestar o teste.

Trata-se do famoso questionário de perguntas sobre o país, aplicado normalmente para quem solicita a nacionalidade suíça?

Sim. Porém antes um funcionário do cantão de Zurique, que ficou responsável individualmente pelo meu caso, nos visitou para ver como morávamos, perguntou a amigos de escola sobre a minha vida pessoal e também pediu para controlar minhas notas. Foi exatamente como no conhecido filme “O Fazedor de Suíços” (nota da redação: Die Schweizermacher – Rolf Lyssy, Suíça 1978). Para fazer a prova eu tive de ir à prefeitura. Os 25 funcionários estavam sentados numa grande mesa e começaram a me perguntar sobre a Suíça, a política e outros detalhes do país.

E você soube responder a todas as perguntas?

Uma eu não consegui: qual é a montanha mais alta do cantão de Zurique? A resposta verdadeira é “Schnebelhorn” (1.293 metros). Felizmente o comitê aprovou meu pedido e eu virei suíço.

E como você se sente: suíço, africano, ucraniano ou multinacional?

Minhas raízes estão na Suíça, apesar das origens. Muitos colegas de trabalho dizem até que eu sou mais suíço que os suíços. Eu gosto de fazer caminhadas nas montanhas e outras atividades comuns típicas. Eu também nunca tive mais do que quatro semanas fora da Suíça. Porém eu tenho um outro lado na minha pessoa que é um enriquecimento para mim, para o meu caráter e, espero, para a Suíça também. Eu tenho um pouco da alma russa e também da África.

E como esse lado estrangeiro se reflete na sua pessoa?

Do lado suíço, sou correto e confiável. Do lado africano e ucraniano sou, possivelmente, um pouco mais alegre e corajoso do que a maioria das pessoas aqui. Também sou uma pessoa muita aberta.

Na Suíça você nunca sofreu preconceito pela cor da sua pele?

Eu sempre tive sorte. Na verdade, nunca vivi situações de racismo. A explicação está no fato de falar perfeitamente o dialeto alemão da Suíça. Se no primeiro contato as pessoas falam comigo inglês por pensar que sou americano, sobretudo quando estou caminhando nas montanhas no interior do país, quando eu abro a boca para pedir uma cerveja falo o mais forte sotaque de Zurique. Até mesmo o pessoal mais interiorano já me vê como nativo.

Entrando no tema “política”, como candidato à deputado federal nas eleições de outubro você defende a idéia da Suíça multicultural?

A Suíça já um país multicultural. Porém ela não quer reconhecer essa realidade! Quando era criança sempre haviam grupos de imigrantes que eram vistos com preconceito, como os tâmeis do Sri-Lanka. A partir dos anos 90, as “ovelhas negras” passaram a ser os africanos e os iugoslavos. Para combater essa situação, nós criamos os “Secondos”.

E os “Secondos” pretendem melhorar a integração dos descendentes de estrangeiros na Suíça?

Nós queremos que a Suíça só se abra não só para o exterior, mas também internamente. Eu quero que “ser secondo”, “ser negro”, “ser indiano”, se transforme em algo positivo para essas pessoas. Nós queremos enriquecer a Suíça com nossa bagagem estrangeira. Nós queremos ser aceitos.

Quantos candidatos a deputado vocês têm para as próximas eleições?

Nós somos 33 candidatos à deputado federal na lista dos “Secondos”, originários dos mais diferentes países do mundo.

Como os descendentes de imigrantes na Suíça reagem à campanha do grupo “Secondos”?

Muitos jovens estrangeiros sempre tentaram esconder esse elemento estranho na sua biografia, tentando não se destacar dos demais suíços. Hoje em dia eles querem mostrar que não são apenas suíços, mas também possuidores de um elemento extra enriquecedor: suas origens estrangeiras. Eles também estão orgulhosos de fazer de Zurique uma cidade internacional. Em si, eles são também responsáveis pelo seu sucesso econômico.

Qual é a principal reivindicação dos “Secondos”?

Uma política coerente de nacionalidade. O número elevado de estrangeiros vivendo na Suíça (nota da redação: 20% da população) é mantido artificialmente. A explicação para esse fenômeno são as grandes barreiras para obter a nacionalidade suíça. Não existe comparação na Europa. Na Suíça é necessário, por exemplo, pagar três meses de salário e esperar três anos pelos trâmites.

E como vocês justificam uma naturalização facilitada?

A Suíça precisa de mais suíços. A partir de uma naturalização facilitada os “secundos” poderão se identificar com esse país. Só a partir desse ponto, eles poderão ser ativos nas decisões políticas que conduzem ao destino da Suíça. Nós exigimos que os jovens estrangeiros de segunda e terceira geração, já vivendo há muitos anos na Suíça, possam obter com mais facilidade a nacionalidade suíça.

swissinfo, Alexander Thoele em Zurique.

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