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“Devolver à África o que ela nos deu”

Blatter acredita que o futebol permitirá o desenvolvimento da África. swissinfo.ch

Em entrevista a swissinfo na nova sede em Zurique, o presidente da FIFA Joseph S. Blatter faz um balanço da Copa na Alemanha que, em sua opinião, não deve ser lembrada pela cabeçada de Zidane.

Otimista com relação à Copa na África do Sul em 2010, Blatter ainda fala sobre mudanças nas regras e o combate à comercialização do futebol.

A FIFA mudou-se para seu novo endereço há pouco tempo, apenas em maio deste ano. Num dos bairros mais chiques de Zurique, ela se instalou na rua que foi batizada com o próprio nome da organização. O prédio relativamente baixo, de vidro e aço, lembrando mais a sede de uma companhia de seguros, ainda está coberto de andaimes. O campo de futebol ao lado não se livrou também dos tratores e da lama. Dos trezentos funcionários que devem trabalhar no local, apenas 270 já estão ocupando as suas mesas.

Apesar do caráter provisório, a imprensa já chama o prédio de “Palazzo Blatter”. Segundo uma revista alemã, a construção assinada pela arquiteta suíça Tilla Theus está avaliada em 160 milhões de euros. O chão no suntuoso hall de entrada é de granito e lápis-lazúli importado do Brasil. Nos 14 mil metros quadrados de espaço da nova sede da FIFA, existe até uma capela ecumênica, cujas paredes feitas de ônix branco são iluminadas.

No seu escritório de noventa metros quadrados, decorado com móveis de madeira e inúmeras lembranças e presentes, Joseph S. Blatter recebe swissinfo. Há oito anos o suíço originário do cantão do Valais é presidente de uma das organizações mais poderosas do mundo esportivo. Durante uma hora, ele fala sobre a Copa, o futebol e a vontade de melhorar o mundo.

swissinfo: Como o sr. se sente na nova sede em meio a um canteiro de obras?

Me sinto muito bem no “Home of FIFA”. Antes já havíamos passado por cinco ou seis diferentes sedes. O departamento de marketing e televisão ficava em Zug. Agora estamos todos reunidos num só local. A previsão é de termos nesse prédio 300 colaboradores, sendo que 270 já estão trabalhando efetivamente. Aqui ao lado você está vendo um campo de futebol, com dimensões oficiais, onde times podem jogar ou também servir de espaço para oferecer cursos. Também temos uma quadra deo futsal, ou seja, cinco contra cinco. Também temos um campo para futebol de praia. E até outubro deve estar pronto o centro de ginástica e de welness. No ano que vem teremos a inauguração oficial, que irá ocorrer durante o congresso da FIFA.

Quem vai ser convidado para a festa de inauguração?

Nossos convidados serão as 207 federações, que são nossos membros. Cada uma delas tem de três até cinco delegados. Isso já dá mais de mil pessoas…

E está prevista também a vinda de algumas estrelas do futebol?

Nem todos os membros da família FIFA poderão vir, já que são mais de 250 milhões de pessoas. Temos muito pouco espaço aqui na sede para tanta gente.

Qual é a avaliação final que a FIFA faz da Copa do Mundo na Alemanha?

A Copa de 2006 foi uma grande festa do futebol, sobretudo para os fãs. O meu desejo acabou sendo concretizado: o de quatro semanas onde o futebol tomaria conta da atenção do mundo. Durante esse período emoções positivas foram transmitidas para todo o mundo, não apenas na Alemanha. Mesmo nos países onde o futebol não é o esporte número um os índices de audiências foram consideravelmente elevados. Eu dou um exemplo: o Canadá, onde todos os jogos foram exibidos. A Austrália também, pois sua seleção foi qualificada, a Ásia e outros países.

Foi a primeira vez a festa ocorreu em todo o país e não apenas numa capital, como foi o caso do México, Roma, Milão, Paris, Seul. Na Alemanha foram doze cidades que receberam a Copa. Lá ainda haviam os espaços livres para os torcedores (n.r: Fan-Meilen). Milhões de pessoas se reuniram nesses locais e não houve nenhum problema que eu pudesse destacar, com exceção de algumas confusões ocorridas antes do jogo entre a Alemanha e a Polônia. Assim as pessoas puderam entrar felizes nos estádios, assistir os jogos e depois ir para casa felizes.

E do ponto de vista do futebol jogado em campo?

Realmente nós esperávamos um futebol mais ofensivo, mas a realidade é que esse esporte não é como no cinema, onde o diretor pode corrigir posteriormente uma cena. Na realidade, o futebol tem dois encenadores: os treinadores das duas equipes. Quando elas entram em campo, pode ocorrer que elas decidam apenas não perder. Por isso, muitas vezes não é possível ter um espetáculo bonito. De qualquer maneira, eu acho que a dramaturgia dos jogos na Alemanha foi fantástica e os torcedores vibraram até o último minuto.

Claro, as decisões dos jogos foram muitas vezes apertadas: um gol saía no início e depois não ocorria mais nada até o final, ou apenas no final e, outras vezes, só através de pênalti. Era um drama quando o jogo era estendido à prolongação. O futebol poderia ter sido melhor, mas do ponto de vista da dramaturgia, acho que foi muito bom também. Foi incrível ver como os índices de audiência subiram na final.

Porém a última Copa ficou caracterizada pelo grande número de decisões nos pênaltis. Isso não descaracterizaria o futebol, um esporte coletivo?

Sim, com o pênalti o futebol perde a sua essência, que é a de um jogo em equipe. É um contra um. Mas não temos uma solução para acabar com esse problema. Se você souber de uma, a aceitaríamos de bom grado. De qualquer maneira, os torcedores vibraram com as decisões nos pênaltis ocorridas na Alemanha.

É possível aceitar que uma Copa termine em pênalti?

Não existe saída para esse dilema. Em 1994 tentamos resolver a questão ao introduzir o “Golden Goal” (n.r.: Gol de Ouro), quando o jogo terminava durante a prolongação no momento em que um gol havia sido marcado. Mas isso não resolveu o problema. Algo que poderíamos introduzir no futuro é acabar com a prolongação. Assim um jogo duraria 90 minutos e depois, caso necessário, viriam os pênaltis. Nesse caso, acredito que alguns treinadores iriam colocar o seu time mais na ofensiva para chegar a um resultado.

Na imprensa circula o boato que o sr. teria sugerido acabar com o impedimento. Isso é verdade?

Isso não é verdade! Eu nunca anunciei essas mudanças. Quem faz isso são os especialistas que dizem que é preciso acabar com o impedimento. Se isso for feito no futebol, então acaba também a inteligência do jogo. Em um ano o futebol será jogado como o handebol, um esporte que ficou chato, pois as coisas só acontecem na linha do gol. O futebol precisa viver com as regras de impedimento.

E a sugestão de aumentar o tamanho das traves?

Não, de jeito nenhum! Essa discussão ocorreu há quinze anos, acho que em 91 ou 92. Mas você pode imaginar quantos campos de futebol existem no mundo? Não precisamos de traves maiores. A questão é saber que tática o treinador está usando. É saber se ele entra em campo dizendo “hoje iremos ganhar ou hoje não iremos perder”. E esse ponto não podemos influenciar. Se as traves são maiores e as equipes não querem ganhar, então não ocorrem grandes jogos.

O que o sr. acha da sugestão do suíço Urs Meier, ex-juiz da FIFA e comentador de futebol durante a Copa na Alemanha, de reduzir o número de jogadores em campo?

Há mais de cem anos as equipes de futebol jogam com onze jogadores. Essa tradição vem das “Cambridge Rules” (n.r.: Regulamentos de Cambridge, criados em 1863). E por que onze jogadores? Pois em Cambridge havia internatos, onde os quartos de dormir tinham espaço para dez alunos e um chefe de disciplina. Assim surgiu a tradição: os dez alunos jogavam e o chefe de disciplina ficava no gol.

E se você acredita que, com menos jogadores, o jogo ficaria mais interessante, então você estará tirando mais um elemento importante do futebol. O Sócrates, estou falando não do filósofo grego, mas sim do jogador brasileiro, falou na possibilidade de reduzir o número de jogadores durante a prolongação, onde a cada cinco minutos se retiraria um jogador. Isso já foi testado algumas vezes. Agora qual o resultado? Os jogadores ficam mais cansados e não teremos a certeza de ter mais gols. O fato é que o treinador precisa dizer: agora está na hora de fazer gols!

O sr. não fica triste com o fato do golpe de cabeça do Zidane contra o Materazzi ter sido o que mais marcou a Copa na Alemanha?

Eu não acho que a cabeçada do Zidane e o cartão vermelho tiveram tanta importância. De qualquer maneira, o curioso é que os dois jogadores têm agora notoriedade, sobretudo na China. Quando eu leio os jornais, vejo que os chineses querem até convidá-los para visitar o país. Lá eles são festejados como heróis, apesar de serem, na realidade, heróis trágicos.

A cabeçada do Zidade simbolizaria o futebol de hoje?

É óbvio que esse não é o sentido do futebol, mas é preciso saber que este é um jogo praticado por pessoas normais. Se elas correm durante 110 minutos sob um calor extremo e sabendo, ao mesmo tempo, que Zidane foi provocado, então fica mais fácil entender o que ocorreu naquele dia. Claro que teria sido mais bonito ter visto o jogo terminando com um 6 a 3 ou 5 a 4, depois dos 90 minutos regulares, e concluído com uma bonita festa. Mas temos que viver com esse final triste. Eu não acredito que a Copa de 2006 entra para a história como a do golpe de cabeça do Zidane. Para mim ela é a da vitória da equipe italiana, que lutou apesar dos problemas em casa, com aquele grande escândalo. Seus jogadores quiseram provar que não tinham nada a ver com essa história. Eles tiveram sorte e capacidade e, por isso, merecem o resultado.

Voltando a questão das regras: a FIFA não planeja nenhuma mudança delas?

Em breve iremos organizar um grande simpósio em Berlim com os treinadores das trinta e duas equipes finalistas, os juízes e outros corifeus do futebol. Durante dois dias vamos analisar a última Copa. Se saírem sugestões desse encontro, então as mudanças poderão ser feitas através da International Fussball Association Board (IFAB), que são os guardiões das regras. A primeira reunião deles será realizada em outubro e uma decisão poderia ser tomada já em março do ano que vem. Mas isso se realmente houver algo para mudar. Eu irei participar pelo menos um dia da reunião e já estou curioso para saber por que os treinadores deixaram seus times na defensiva, ao invés de ficar na ofensiva. E por falar nisso, a seleção alemã sempre jogou na ofensiva, com exceção da partida onde eles perderam.

A perfeita organização alemã na Copa não reflete o que está acontecendo com o futebol atual?

Se você analisa o futebol de hoje, é possível descobrir que a resposta a essa pergunta está na formação dos jogadores. Hoje em dia só existem jogadores excelentes, do ponto de vista técnico, e isso em todas as equipes. Todos eles têm um bom preparo físico. Por outro lado, ainda existe outro fator: é preciso levar em consideração que fez muito calor durante a Copa. Na fase final, a taxa de umidade do ar foi muito elevada. No campo o ar chegava a ter setenta por cento de umidade e temperaturas acima dos trinta graus. Esse não era o ambiente ideal para fazer a bola correr. Mas eu não acredito que a perfeita organização tenha tido uma influência na qualidade do jogo, pelo contrário, ela teria que ter tido uma influência positiva.

Agora uma pergunta que todos fazem: a África do Sul tem condições de organizar uma Copa?

Mas é claro! Por que a África do Sul não teria condições?

Eles vão copiar o modelo alemão?

Não, na África do Sul teremos uma Copa africana. A música e o ambiente serão diferentes. Também o clima será diferente, mais fresco, pois será inverno. A cultura é outra. O país é multicultural, onde a cor da pele vai do mais claro ao mais escuro. Lá existe uma outra filosofia de vida. O futebol será jogado de forma mais africana. Os torcedores também irão tocar mais tambor, ao invés de cantoria ou fanfarras. Assim como ocorreu no Japão e na Coréia, a Copa do Mundo terá sua própria identidade na África do Sul. Não é possível imitar a Alemanha.

Mas dizem que os trabalhos de construção e reforma dos estádios ainda nem começou. Existiria um plano “B” num caso de emergência?

Não existe um plano “B”. Ainda temos três anos e meio para construir os estádios. A FIFA tem um escritório na África do Sul e estamos em permanente contato com os organizadores sul-africanos. Eu mesmo, em nível político, estou em contato direto com o governo. O dinheiro para a Copa já foi prometido e os planos estão no papel. Agora só precisamos começar a trazer as máquinas especiais, que ainda estão faltando nos canteiros-de-obra. Também a Alemanha precisou de tempo, pois apenas algumas firmas são especializadas nesse tipo de trabalho. Os preparativos para a Copa de 2010 precisam começar já em novembro.

O sr. já declarou algumas vezes que considera a Copa do Mundo na África do Sul como sua missão. O que existe de missionário nessa vontade?

Eu não diria que essa Copa tem algo de missionário. Apenas queremos devolver algo ao continente africano por tudo o que ele já fez e ainda faz pelo futebol mundial, sobretudo o europeu.

Eu havia dito em 1998, como candidato ao cargo de presidente da FIFA, que um dos meus objetivos era levar a Copa para a África. E isso só aconteceu quando introduzimos o sistema de rotatividade na FIFA. Se não tivéssemos feito isso, nenhum país africano teria tido maioria suficiente para receber o evento. É como na votação da Olimpíada: ninguém confia que os africanos têm condições de organizar algo nessas dimensões. É por isso que, no momento de escolher um país organizador da Copa de 2010, quando havia apenas candidatos africanos – e isso também vale para o Brasil e a Colômbia em 2014 – a África do Sul acabou convencendo. O outro candidato foi o Egito, que não recebeu nenhum voto, e o Marrocos, que era o único concorrente de peso.

Agora eu quero dar uma prova de que a África do Sul foi uma boa escolha, isso sem falar no fato de eles já terem organizado torneios mundiais de rúgbi e cricket, que não são esportes com o mesmo fator de integração com os africanos como o futebol. Veja o mercado do futebol, como as televisões, que querem ter a atratividade do futebol na sua programação, e os patrocinadores. Quando foi tomada a decisão de organizar a Copa na África do Sul, em maio de 2004, os contratos de direitos de transmissão e de patrocínios foram fechados a uma base muito mais elevada do que na Alemanha. O que isso significa? Que o mercado confia na capacidade de organização da África. Além disso, lembro que a Copa do Mundo é, atualmente, a número um no mundo esportivo. As taxas de audiência são muito maiores do que para as Olimpíadas de verão.

Até que ponto os problemas sociais da África do Sul, como a criminalidade e o baixo poder aquisitivo da população, irão dificultar a realização da Copa?

Eu concordo quando você fala nessa questão do poder de compra. Mas falar de criminalidade? Você não vem do Brasil? Você já viu como é a situação nas grandes cidades dos EUA? A criminalidade é um problema que existe no mundo inteiro. Conhecendo-a, é possível tomar medidas apropriadas. Porém, quanto ao poder de compra, você tem inteira razão. E para que os estádios estejam cheios e que os africanos também tenham chance de assistir os jogos, não apenas os turistas, temos que trabalhar juntamente com os nossos patrocinadores para possibilitar que a população tenha acesso aos estádios pagando preços moderados.

Mas como impedir que os torcedores estrangeiros não comprem todas as entradas para os estádios?

Veja, esse é o problema da organização das vendas de bilhetes. Eu já havia dito, no início da Copa na Alemanha, que a FIFA não iria utilizar o sistema alemão na África do Sul. Lá queremos empregar o sistema que funcionou nas outras Copas, ou seja, o de trabalhar em conjunto com agências de viagem, que irão vender os bilhetes e ao mesmo tempo pernoites em hotéis. Você deve ter visto na Alemanha como foi organizado o alojamento dos torcedores: havia nas cidades acampamentos de barracas. No final os hotéis não foram ocupados. Com exceção de Berlim, no jogo final, muitos hotéis ficaram com os quartos vazios, pois os turistas preferiam ficar nesses lugares mais baratos.

Outra coisa foi a questão da personalização dos ingressos. Nós vimos que isso não funcionou, pois senão os estádios nunca teriam ficado cheios. Por isso queremos vender os ingressos livremente no mercado. Mas na África do Sul, isso só será feito através de contingentes, com um número limitado de entradas para cada país. Porém é impossível impedir que uma pessoa venda o seu próprio bilhete e o que ocorreu na Alemanha é uma prova disso. Lá havia vendedores em volta dos estádios. Os ingressos também eram vendidos e comprados na Internet, ou seja, existiu um verdadeiro mercado-negro, onde muitos tentavam lucrar com a venda. A polícia nunca chegou a intervir seriamente, a não ser quando foi solicitada por nós, como no momento em que dois rapazes roubaram bilhetes que estavam num hotel. No caso, eles haviam roubados ingressos tão bons, que foi muito fácil identificá-los. Mas mesmo assim, eles conseguiram vender alguns.

Sobre a questão do dinheiro, como o sr. vê a crítica de que na África do norte o torcedor não podia assistir os jogos, pois uma empresa saudita estava cobrando preços elevados para liberar o sinal?

Isso não é verdade. Todos que queriam receber o sinal, podiam tê-lo, mesmo pagando um dólar. Mas de graça não existe nada. De qualquer maneira, nos novos contratos firmados para 2010 e 2014, estamos prevendo uma solução para os países africanos que não podem pagar pelos direitos. Porém os países do norte da África não são pobres. Afinal, eles são membros do EBU (n.r: European Broadcasting Union), da ASBU (n.r.: Arab States Broadcasting Union) e também da URTNA (n.r.: Union for Radio and Television Networks for Africa).

Qual os limites da comercialização na Copa? Será que a FIFA precisa realmente determinar que marca de cerveja vai ser bebida nos estádios? Será que os patrocinadores poderiam até determinar que jogador entra em campo?

Sim, existe um limite. O limite chama-se “optimum” e não “maximum”. Agora uma coisa é certa: se os patrocinadores investem seu dinheiro numa Copa, o dinheiro não vai apenas para a FIFA, mas também para o comitê de organização, o país que organiza o torneio. Realmente na Alemanha houve uma grande polêmica sobre a cerveja, pelo fato de um dos patrocinadores ter sido a cervejaria americana Anheuser-Busch, os fabricantes da Budweiser. Mas depois fizemos um acordo com as cervejarias das cidades dos jogos, onde até mesmo nos estádios era possível comprar cerveja alemã, mas obviamente não em todas categorias. O resultado foi tão bom, que até a Federação Alemã de Futebol resolveu adotar a idéia, ao ver que o consumo não traz problemas, mesmo no maior calor.

Esse problema da cerveja foi uma questão de compreensão. Os alemães estavam tão chateados, pois pensavam: agora vem a McDonalds e em Nurembergue não podemos mais vender nossas salsichas tradicionais. Houve alguns pequenos conflitos antes do início da Copa, mas que foram resolvidos facilmente.

Não existiria um excesso da comercialização no futebol, na sua opinião?

Se as pessoas falam em comercialização excessiva da Copa e que tem muito dinheiro circulando no futebol, então eu penso mais nos clubes, onde os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres mais pobres. Esse é um tema que já colocamos na agenda de discussão do task force, o grupo de trabalho “For the Good of the Game”. No congresso da FIFA realizado em Munique (n.r: 7 e 9 de junho de 2006), recebemos a tarefa e o direito de analisar de onde vem todo o dinheiro em circulação no futebol e onde ele vai parar.

Nos clubes?

Sim, nos clubes.

E quando o sr. fala dos clubes, estaria se referindo apenas aos clubes europeus?

Quando eu falo de clubes e em dinheiro, estou me referindo ao mundo inteiro. Mas, com algumas poucas exceções, essa realidade está mais concentrada nas ligas européias. São cinco ligas européias que fazem os grandes negócios com seus clubes. Um exemplo é a Champions League (Liga dos Campeões), que é a mais atrativa e onde circula mais dinheiro. Mas não podemos esquecer que os 80% lucros da Champions League vão para os clubes. Estes que chegam à segunda fase, na terceira ou na final ganham tanto dinheiro, que eles podem comprar inúmeros jogadores para deixá-los sentados no banco. Isso é imoral, pois esse pessoal fica no banco. Não é possível colocar mais do que onze jogadores no campo. E esses grandes clubes têm pelos menos vinte e cinco super-estrelas nas suas equipes.

E qual a razão? Seriam uma questão de marketing ou para enfraquecer os clubes concorrentes?

É isso! Assim os jogadores não estão mais disponíveis para a concorrência. E esse tema é que iremos tratar, pois é uma situação que eu não considero correta. Isso é contra a ética do futebol. E você fez uma pergunta no início sobre a qualidade do futebol. Eu respondo: eu não gosto de um golpe de cabeça, mas quando um jogador pisa no pé do outro, isso faz parte do jogo; mas se eu deixo um jogador no banco, ou jogar vez ou outra e continuar pagando seu salário, isso não é justo.

O problema não existe apenas no futebol europeu. Eu prefiro dizer que o problema é mundial. Quando analisamos o fluxo dos jogadores, vemos como a África é espoliada ou já está espoliada dos seus talentos. E na América Latina? De onde vêm os jogadores? Do Brasil e da Argentina, as plataformas onde os negócios são feitos. Os jogadores brasileiros são comercializados, em grande parte, através de Portugal. Isso não apenas por uma questão de idiomas, mas também de alguns acordos ligados à nacionalidade. Os de língua hispânica vêm da Argentina e, às vezes, Colômbia, e entram na Europa através da Espanha. No último ano, na liga profissional da Rússia, o Dínamo de Moscou foi apelidado de “Dínamo – Lisboa”. E por quê? Eles tinham dez jogadores vindos do Brasil ou de Portugal. Na minha opinião, isso é comércio de seres humanos. E quem faz isso? São empresas e agentes. E nesse ponto é que iremos intervir.

E como a FIFA poderia impedir esse comércio?

Nós temos regras de transferência. Na última semana tivemos uma reunião aqui em Zurique para discutir o tema, inclusive com a participação de Mathieu Sprengers, que é tesoureiro da UEFA, um Holandês. Aliás, esse país tem um papel importante nessa questão de comércio de jogadores de futebol, sobretudo pelo fato de ter uma política fiscal bem flexível e vantajosa. Inclusive li há pouco que a empresa do U2 abandonou a Irlanda para se instalar na Holanda. Sim, a FIFA tem a possibilidade de controlar esse comércio.

Mas um tribunal europeu não acabou em 1995 com as restrições impostas aos jogadores, como a de circulação ou mesmo de pagamento de amortizações nas mudanças de clube?

Essa decisão jurídica é interpretada de uma maneira incorreta. Ela apenas diz que o jogador pode trocar livremente de clube no final do seu contrato. Mas isso já foi contornado há muito tempo. Antes era dito ao jogador que ele teria de ficar no mínimo dois anos num clube. Agora, os clubes fazem com o jogador um contrato de seis anos, onde ele joga bem durante três anos e depois é vendido, pois ele é bom. Trata-se do mercado: os outros clubes vêm e fazem o preço subir às alturas. Agora, onde podemos e temos de intervir é na questão dos agentes, que são credenciados pelas federações nacionais e que depois andam por aí como agentes da FIFA, recebendo dinheiro dos dois lados: do jogador e do clube. Esse é como uma espiral, que leva os preços as alturas. Isso é uma espécie de escravidão moderna.

No Brasil existe um clube onde o argentino Carlitos Teves joga, o Corinthians, que atua fortemente nessa área de negociata de jogadores. E quando você procura saber a quem pertence ele, ninguém sabe direito responder. Só se sabe que uma empresa internacional comandada por um iraniano (n.r.: o empresário é Kia Joorabchian, presidente da Media Sports Investments – MSI) tem uma participação no clube. Eles são proprietários não apenas dessa participação, mas tem também participações em jogadores. Existem jogadores que pertencem a três diferentes investidores. E não precisamos ir muito longe para ver esse tipo de coisa: aqui mesmo em Zurique, temos o presidente do clube FC Zürich, Sven Hotz, que é dono de alguns jogadores, não o próprio clube. Essa é uma situação como na Idade Média!

Corrupção no futebol da Alemanha, Brasil e Itália. O que a FIFA está fazendo para combatê-la?

Você está falando nesses três pontos importantes, mas eu respondo com uma pergunta: quem estava no centro desses escândalos? Os juízes de futebol! Esse é o ponto fraco na nossa organização. Por isso precisamos proteger essas pessoas e o caminho é profissionalizando os juízes de futebol. E se ele estiver integrado na sua profissão e for bem pago, será muito mais difícil manipulá-lo. Hoje em dia, quando um aceita fazer parte de uma negociata, esse sempre pode dizer que é bancário, pintor e que pode voltar para a sua profissão.

Voltando agora para a Copa, quais as chances do Brasil recebê-la em 2014?

A Confederação Sul-Americana de Futebol, a “Conmebol”, disse que todos estão apoiando o Brasil. Nos últimos tempos apareceu um outro concorrente, a Colômbia, mas a inscrição dos candidatos só irá ocorrer no ano que vem e a escolha deve ser feita em 2008.

O que o sr. acha da opinião de Pelé, de que o Brasil não deve organizar a Copa do Mundo?

Pelé é um homem excepcional, honesto em tudo, mas acho que tem um pequeno problema com a Confederação Brasileira de Futebol e isso há anos.

O sr. conhece os estádio no Brasil?

Eu conheço um estádio novo em Fortaleza, se eu não me engano. Conheço também o Morumbi, em São Paulo. Eu estive num estádio que não era muito bonito, em Porto Alegre, onde vi há dois anos o jogo da seleção brasileira contra a Argentina. O que eu posso dizer é que muito ainda precisa ser feito nessa área.

E muitos falam da decadência do futebol brasileiro. Mesmo na Croácia já jogam brasileiros. Os talentos já não abandonaram há muito tempo o país?

Mas por que eles vão embora? Pois eles viram que os grandes jogadores como Ronaldo, Ronaldinho e Lúcio, para falar dos mais famosos, fizeram muito dinheiro no exterior. Assim todo mundo quer vir à Europa. Aqui na Suíça também temos brasileiros, como o Adriano, que não é aquele que joga na seleção, mas faz gols na segunda divisão do futebol helvético. Esse é o resultado do trabalho dos agentes.

Existe, de fato, um êxodo. Porém não é possível sugar o Brasil como é feito já com a África. O Brasil tem milhares de talentos. Lá existem escolas de futebol, onde jogadores podem ser formados. E por que eles vão embora: pois no próprio país não é existem possibilidade de ganhar a vida. Apesar disso, existe dinheiro no futebol profissional do Brasil, sobretudo através das televisões, ao contrário do que acontece na África, com duas ou três exceções.

Eu entendo que os africanos estejam partindo. E por isso a FIFA lançou o novo projeto “Win in Africa with Africa” (Vença na África com a África) para 2010. Mas para isso é preciso ter a infra-estrutura. Um funcionário nosso esteve em alguns países africanos para avaliar os estádios e o que viu é que a situação está longe do ideal.

Qual o objetivo do projeto “Win in Africa with Africa”?

É possibilitar a organização de ligas profissionais na África, permitindo ao jogador africano de ganhar honestamente o seu dinheiro no seu próprio continente. Dinheiro para um projeto semelhante existe, mas não significa que só precisamos organizar ligas com apoio de patrocinadores e televisões. Isso é o meio mais fácil. Mas o que não podemos fazer com os nossos recursos ou os do futebol é construir estádios. Isso quem precisa fazer são os governos.

Quem participa desse projeto?

Esse é um grande projeto, com outros parceiros. A União Européia, por exemplo, colocou-o no seu programa de desenvolvimento. José Barroso, presidente da Comissão Européia, esteve no nosso encontro em Berlim para assinar com a FIFA um acordo (n.r.: Memorandum of Understanding -MoU) para fazer do futebol uma força de desenvolvimento nos países do ACP, onde a letra “A” está para Ásia, “C” para o Caribe e “P” para o Pacífico. O objetivo é utilizar o futebol para educar as pessoas, pois o futebol é uma escola da vida, e promover o desenvolvimento nesses países.

E concretamente, quanto dinheiro a FIFA vai gastar no projeto?

O projeto ainda está em fase de construção. No final do ano iremos apresentar o projeto mais concretamente. No momento estou em contato com a África política. Nesse sentido irei participar na assembléia geral da União Africana. O chefe da comissão é Alpha Oumar Konaré, ex-presidente do Mali, que esteve presente na final da Copa da Alemanha, assim como Thabo Mvuyelwa Mbeki (n.r.: presidente da África do Sul) e Kofi Annan (secretário-geral da ONU), ou seja, existe um gigantesco movimento político, social, econômico e cultural para que não apenas a África do Sul aproveite da Copa, mas também todo o continente, sobretudo o sul do Saara.

Entrevista swissinfo, Alexander Thoele

A Fédération Internationale de Football Association (do francês, Federação Internacional de futebol), mais conhecida pelo acrônimo FIFA, é a instituição internacional que dirige as associações de futebol. A FIFA foi fundada em Paris em 21 de maio de 1904, e tem sua sede em Zurique, na Suíça e ao todo, possui 217 países e/ou territórios na associação.

Trabalha em conjunto com seis confederações regionais, que organizam, entre outros eventos, as Eliminatórias Continentais para a Copa do Mundo:

As Confederações continentais membros da FIFA.CONMEBOL, América do Sul
CONCACAF, América do Norte e América Central
UEFA, Europa
AFC, Ásia
CAF, África
OFC, Oceania
A FIFA organiza, entre outras competições, os seguintes torneios:

Copa do Mundo de Futebol
Mundial de Clubes
Copa das Confederações
Copa do Mundo de Futebol Feminino
Copa do Mundo de Futebol de Areia (Beach Soccer)
Mundial Sub-20
A FIFA também elege e premia também o Futebolista do Ano, entre outras atribuições. Fonte: Wikipédia

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