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Jornalistas do “Blick” são absolvidos pela justiça militar

Manifestantes protestam contra justiça militar durante julgamento em St. Gallen. Keystone

No caso "Fax da CIA", três jornalistas processados pela Justiça Militar da Suíça foram absolvidos. Eles ainda receberão indenização no valor de vinte mil francos.

O processo, em parte secreto, foi realizado sob críticas de diversas organizações de defesa da liberdade de imprensa, que consideram a Justiça Militar um resquício do passado e não competente para julgar civis.

Em 8 de janeiro de 2006, o popular jornal dominical “SonntagsBlick” publicou a reprodução de um fax interceptado pelo Serviço Estratégico de Informações (SND, na sigla em alemão), o serviço secreto da Suíça. O documento havia sido enviado pelo Ministério das Relações Exteriores do Egito à sua embaixada em Londres e tinha um conteúdo explosivo: ele confirmava pela primeira vez oficialmente a existência de prisões clandestinas da CIA na Europa, uma acusação já feita por ONGs de defesa dos direitos humanos como a Human Rights Watch, mas não fundamentada.

Com o carimbo “ND-geheim” (n.r: secreto), o documento havia sido traduzido para o francês e entregue por uma fonte desconhecida aos jornalistas do SonntagsBlick de uma forma pouco usual (ler matéria “Caso CIA: jornalistas processados por revelar segredo militar”). Sua publicação ocorreu apesar das pressões feitas diretamente pelo chefe das Forças Armadas, Christophe Keckeis.

Se para o jornal o interessante do documento estava nas informações contidas, para os militares a publicação de dados sensíveis como códigos, nomes de agentes e outras informações representaram um grande dano, incluindo também frente aos serviços secretos de outros países.

Suíça em risco?

Na terça-feira (17 de abril), Sandro Brotz e Beat Jost, os autores da reportagem, e Christoph Grenacher, redator-chefe do SonntagsBlick foram julgados no 6o Tribunal da Justiça Militar em St. Gallen. Segundo o procurador Beat Hirt, a acusação contra os jornalistas baseava-se no fato deles terem colocado em risco a segurança da Suíça ao publicar o documento secreto, prejudicado a cooperação entre os parceiros internacionais, atingido gravemente a imagem do país no exterior e também colocado em risco a vida de agentes.

Nesse sentido, os jornalistas deveriam ser punidos como manda o artigo 106 do Código Militar por ter publicado um documento qualificado como “secreto”. Aos juízes, o procurador pediu punição através de multas de 45.600 francos para o redator-chefe e 14.600 e 11.600 para os dois autores da reportagem.

Tribunal segue a linha da defesa

Matthias Schwaibold, advogado de defesa, rebateu as acusações com outra argumentação. Segundo ele, um documento que não contém nada de novo não pode ser visto como segredo militar. Nesse sentido, a segurança da Suíça nunca foi colocada em risco. Também o exército não teria conseguido provar ter sofrido prejuízos graves com a publicação de códigos e outros dados sensíveis na reportagem. Além disso, o serviço secreto não é parte das Forças Armadas ou subordinada a ela. Sua única função é recolher e avaliar informações para órgãos civis e militares da Suíça.

O 6o Tribunal da Justiça Militar decidiu aceitar os argumentos da defesa e considerou os jornalistas inocentes da acusação. Não apenas o custo do processo irá para os caixas públicos, mas também os três acusados serão indenizados em 20 mil francos, cada um. Os juízes argumentaram não ter visto nenhum crime na revelação do fax egípcio ou prejuízo para o Estado helvético.

A absolvição não significou, como ressaltaram os juízes, a isenção de culpa por parte dos jornalistas. Com a reportagem eles teriam atingido a reputação e credibilidade do serviço secreto suíço.

Para os articulistas do jornal NZZ, a absolvição dos jornalistas do SonntagsBlick é vista como “justa”. “De fato, a reportagem não prejudicou de nenhuma forma as capacidades do serviço secreto ou do exército suíço”. Para um dos mais conceituados do país, a questão mais importante ainda está aberta. “Apesar do desenrolar positivo do processo, civis não devem ser mais julgados pela Justiça Militar. Isso só ajudaria a melhorar a imagem da Suíça no exterior e também do nosso próprio exército”.

Também para as associações de profissionais da mídia, o processo foi muito criticado. “Consideramos uma aberração na Europa central, o fato de civis poderem responder em processo em tribunais militares na Suíça”, declarou Peter Studer, presidente do Conselho Suíço da Imprensa.

Já na década de 20 do século passado a Justiça Militar era alvo de crítica no país dos Alpes. Atualmente, mesmo partidos de centro-direita pedem sua abolição. Um exemplo é Otto Schoch, do Partido Liberal, ele próprio ex-juiz militar. Como senador ele conclamou em 1990 pelo fim da justiça militar, mas não obteve apoio dos colegas do Parlamento.

swissinfo, Alexander Künzle e agências

Em 15 de novembro, o Ministério das Relações Exteriores do Egito enviou um fax à sua embaixada em Londres. No papel, as autoridades confirmam a existência de prisões da CIA na Europa.
Na Suíça, o fax é interceptado pelo Serviço Estratégico de Informações (SND, na sigla em alemão), o serviço secreto do país, e classificado como “secreto”.
As informações nele contidas já haviam sido publicadas há meses na imprensa americana.
Em 8 de janeiro de 2006, o conteúdo do fax foi publicado no jornal dominical “SonntagsBlick”. Segundo os autores da reportagem, o documento era a primeira confirmação de um país sobre a existência, na Europa, de prisões ilegais mantidas pelo serviço secreto americano.
Por terem publicado o documento no jornal, os dois autores da reportagem e o redator-chefe foram processados pela justiça militar de terem revelado segredo de Estado.

Civis podem ser processados na Suíça pela Justiça Militar em crimes previstos por lei.

O Código Militar data de 1927.

Ele é aplicado em membros das forças armadas, mas também pode excepcionalmente servir para julgar civis, sobretudo em casos de quebra de sigilo em segredos militares ou de Estado.

Esse quadro legal é visto de forma crítica tanto na Suíça como no exterior.

Alemanha e Áustria aboliram completamente a justiça militar, pois consideram a justiça civil capaz de julgar qualquer forma de crime.

França e Itália aboliram a competência da justiça militar de julgar civis.

A oposição contra a Justiça Militar na Suíça já existe há mais de cem anos.

Por crimes econômicos relacionados à guerra, muitos civis foram processados e julgados na Suíça pela Justiça Militar durante a 1a Guerra Mundial.

Em 1917, uma iniciativa popular conseguiu realizar um plebiscito popular pedindo a abolição da Justiça Militar na Suíça. Em 1921 a maior parte dos eleitores votaram contra a iniciativa.

Tentativas posteriores de abolir a Justiça Militar também não frutificaram.

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