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Uma voz para o sentimento das pessoas

Moritz Leuenberger era presidente da Confederação Helvética em 2001. Keystone

A Suíça também viveu catástrofes e acidentes extraordinários depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos: um atentado em Zug, falência da Swisssair, incêndio no túnel do Gotardo.

Entrevista com o ex-presidente da Confederação Helvética, Moritz Leuenberger.

swissinfo.ch: Em outono de 2001 o senhor era presidente da Confederação Helvética. Como foi viver esse grande número de acontecimentos trágicos?

Moritz Leuenberger: Como presidente da Confederação Helvética foi um grande desafio político, mas que decidi assumir. Cada tragédia individual e, sobretudo a acumulação de tragédias, tirou a fala das pessoas e as deixou desamparadas.

Em uma situação, especialmente em uma democracia direta como a Suíça, espera-se do presidente da Confederação Helvética uma presença simbólica e também que represente os sentimentos das pessoas.

swissinfo.ch: Então era necessário atuar como uma espécie de pai consolador? 

M.L.: Talvez isso pareça paternalista, mas de fato é assim que aconteceu. As pessoas têm fortes sentimentos, mas que não podem expressar em palavras e, portanto. querem que outra pessoa o faça no seu lugar. E para isso é necessário ter uma figura de representatividade.

swissinfo.ch: Na época o senhor não tinha impressão que tudo era um pouco irreal? 

M.L.: As imagens de Nova Iorque despertavam realmente dúvidas. Elas pareciam ser ficção científica. E o acúmulo de acontecimentos levou finalmente a que eu levantasse publicamente a questão: “Isso não acaba mais?”

Isso foi criticado por uma parte da mídia como um comportamento não profissional. Mas muitas pessoas pensavam exatamente dessa forma e ficaram satisfeitas com esse pranto.

swissinfo.ch: Dentre as várias tragédias ocorridas, alguma delas estava muito próxima do senhor? 

M.L.: O atentado em Zug foi o que mais me atingiu pessoalmente. Eu estava no local do acontecimento quando o chão se encheu de sangue. Os corpos estavam jogados ao lado. Eram parlamentares, dos quais alguns eu conhecia. Foi um ataque ao nosso sistema parlamentar de democracia direta.

swissinfo.ch: Os mortos de Zug tocaram mais o senhor do que os milhares de mortos nos Estados Unidos? 

M.L.: Penso que isso é uma reação absolutamente humana. Um acidente no círculo próximo de pessoas conhecidas nos atinge mais do que um acidente do outro lado do oceano. Isso não significa desmerecimento aos amigos nos Estados Unidos.

swissinfo.ch: Quais as consequências do atentado de Zug para a Suíça? Ele modificou o país? 

M.L.: O governo do cantão analisou o criminoso e as razões que o levaram a cometer esse crime para diminuir os riscos da repetição do caso.

Como consequência, foi criado um posto de ombudsman para os cidadãos insatisfeitos. Foi uma tentativa de assumir responsabilidade.

Também houve consequências concretas no setor da segurança: muitos cantões, e também o governo federal, tornaram mais restritas as medidas de segurança para a entrada nos prédios parlamentares.

swissinfo.ch: No caso do governo federal esse processo foi mais demorado… 

M.L.: No caso do governo federal a máquina administrativa funciona muito mais lentamente. De fato, isso durou dois anos. E o interessante é que as medidas então voltaram a ser vistas como polêmicas. Houve uma maioria muito apertada no gabinete do governo federal para a questão se as medidas de seguranças deveriam se tornar mais restritas.

Isso mostra que quanto maior a distância temporal, mais flexível se torna a consciência em relação às questões de segurança, inclusive nas mais altas esferas políticas.

swissinfo.ch: Vamos entrar na falência da Swissair. Não houve nenhuma vítima, mas foi um caso que provocou uma espécie de trauma “suíço”. 

M.L.: Isso está correto, mas me incomoda ver que a falência da Swissair no outono de 2001 seja colocada, do ponto de vista retrospectivo, na mesma linha das catástrofes humanas. A história da Swissair foi algo de muito diferente. Também na época tratei do caso de uma forma bem mais distanciada. Eu era da opinião que o governo federal não deveria ajudar a Swissair.

No momento da falência acabei mudando de opinião. Eu percebi nesse momento o que o fechamento da empresa teria custado, em termos de empregos, inclusive para outras empresas que eram fornecedoras da Swissair. Em alguns casos apenas a realidade é que nos abre os olhos e torna mais acurada nossa consciência ideológica.

swissinfo.ch: Logo depois segue o acidente no túnel do Gotardo e a queda de um avião na região de Bassersdorf. Esses acidentes também estavam na sua alçada de chefe de Departamento. O que passou pela sua cabeça nesse momento? 

M.L.: No acidente do Gotardo temos um risco que foi assumido por todos e que continuamos a assumir. Isso é preciso ser dito sem floreios.

As consequências de um acidente foram objeto de várias simulações. A equipe de resgate conseguiu domar a situação, pois já estava preparada para isso.

A queda de um avião, como foi o caso da aeronave da Crossair, pertence aos riscos da nossa mobilidade. No caso foram cometidos erros, mesmo se houveram depois absorções nos tribunais. Não é da minha competência julgar, mas as críticas como no processo de escolha do piloto continuam no ar.

swissinfo.ch: Acidentes são parte de uma sociedade com riscos. O senhor acredita que exata alguma ligação entre essas mais diferentes tragédias? 

M.L.: Na época tematizei se não haveria alguma ligação entre o atentado de 11 de setembro e o de Zug. Talvez a exibição repetida de imagens das torres e das pessoas que se jogavam delas tenha liberado alguma forma de autocontrole de um homem doente, como era o caso daquele que cometeu o atentado de Zug. Essa pessoa era um adepto frustrado da direita política.

Porém não deixei me tentar em criar uma ligação à política agressiva de um partido populista. Isso teria sido muito barato. Porém não podemos temer de colocar a questão em debate.

Mas é óbvio que o atentado ocorrido há pouco tempo na Noruega nos faz lembrar do caso de Zug. Lá essa discussão ocorre agora.

swissinfo.ch: Acredita-se que tragédias ajudam a unir uma sociedade. O senhor percebe esse fenômeno? 

 M.L.: Muito claramente, especialmente na questão de Zug. Eu percebi essa determinação quando visitei os sobreviventes. A determinação de se manter unido era forte em todo o país.

swissinfo.ch: Na época o senhor fez muitos discursos de luto. Qual era a dificuldade de encontrar as palavras certas nesses momentos? 

M.L.: Essas palavras precisam ser preparadas de forma muito profissional. Não é possível falar de forma espontânea, especialmente se os sentimentos estão à flor da pele. Por exemplo, quando fui à Zug visitar o local onde havia sido cometido o atentado, telefonei a um amigo que é psiquiatra e pedi-lhe algumas dicas. Apenas consternação e compaixão não são suficientes por si só.

swissinfo.ch: Acidentes, catástrofes e acontecimentos perturbadores determinam o mundo também dez anos depois de 2001. Neste ano podemos pensar no Tsunami, em Fukushima, nas revoltas políticas e inúmeros mortos nos países do Maghreb ou nas mortes por fome na África. Muitas pessoas não querem mais escutar as notícias ou evitam pensar nesses acontecimentos. O senhor compreende esse comportamento? 

M.L.: Acho que precisamos diferenciar entre pessoas que veem as coisas da sua perspectiva como vítimas em potencial e os responsáveis políticos. Quem quiser viver feliz, não pode pensar o tempo todo em catástrofes, pois senão fica neurótico.

Eu compreendo que as pessoas se sintam atingidas no caso de um acidente, mas que consigam depois ter um afastamento. No caso dos responsáveis políticos é uma situação diferente. Eles precisam tirar consequências desses casos. Como descrevi no exemplo do dispositivo de segurança no prédio do Parlamento federal, políticos não devem temer pensar nos riscos, mas sim eliminá-los sistematicamente.

Moritz Leuenberger nasceu em 21 de setembro de 1946 em Bienne. Ele cresceu em Bienne, Basileia e Zurique. Após os estudos de direito, ele abre seu escritório de advocacia em Zurique, do qual se ocupa de 1972 até 1991.

Em 1969, ele entra no Partido Social-Democrata da Suíça. De 1972 até 1980, ele é presidente do partido na sua seção de Zurique, onde também exerce um mandato de vereador de 1974 a 1983. De 1886 até 1991, ele também é presidente da Associação Suíça de Locatários.

Em 1979, Leuenberger foi eleito ao Conselho Nacional (Câmara dos Deputados na Suíça). Ele se destaca na comissão de investigação criada após a demissão da ministra Elisabeth Kopp, prelúdio ao primeiro caso das fichas realizadas pelos serviços secretos helvéticos.

Em 1991, foi eleito ao governo do cantão de Zurique, onde tomou posse de um assento antes ocupado pelo partido União Democrática do Centro (UDC).

Em 1995, o Parlamento federal o elegeu ao posto de ministro no Conselho Federal. Até então, ele já ocupou duas vezes o cargo de presidente da Confederação Helvética (em 2001 e 2006).

Adaptação: Alexander Thoele

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