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Igreja Católica que nega Papa é reconhecida na Suíça há 150 anos

Priesterin in ihrer Kirche
A Igreja Católica Cristã ordena mulheres como "padres", dentre elas Marlies Dellagiacoma. Keystone / Alessandro Della Bella

A Igreja Católica Cristã da Suíça celebra seu 150º aniversário este ano. Damos uma olhada em uma comunidade religiosa que é oficialmente reconhecida, mas pouco conhecida do público em geral.

A “Igreja Católica CristãLink externo” é uma denominação que se encontra em documentos ou estatísticas sobre o estado das religiões na Suíça. Em muitos casos o termo permanece apenas um conceito abstrato, e não há muita gente que saiba exatamente o que está por trás dele.

Isto apesar do fato de que a Igreja Católica Cristã faz parte da paisagem religiosa suíça desde 1871. O 150º aniversário é uma oportunidade de conhecer a menor das igrejas oficialmente reconhecidas pelos cantões.

Reação ao centralismo de Roma

Em diferentes países e em diferentes épocas, os católicos contrários ao poder central do Papa se separaram da Igreja Católica Romana. Esses movimentos muitas vezes deram origem a novas igrejas autônomas. Uma das mais antigas é a Igreja de Utrecht, fundada na Holanda em 1724.

Na Suíça, esta secessão ocorreu no contexto da luta política entre os partidários das novas ideias liberais e os adeptos da ordem tradicional na segunda metade do século 19. O ponto de ruptura veio com o Concílio Vaticano I (1869-1870), que estabeleceu, entre outras coisas, o dogma da infalibilidade e a primazia do papa.

Na maioria dos países, as igrejas católicas que se separaram de Roma são chamadas de “católicas antigas”, enquanto na Suíça sua denominação é “católicas cristãs”. Uma peculiaridade, mas que não muda a substância. A maioria das antigas igrejas católicas, incluindo as da Suíça, estão unidas na União das Antigas Igrejas Católicas de Utrecht.

Uma pequena igreja

A Igreja Católica Cristã na Suíça foi fundada em 1871Link externo. Originalmente, ela tinha mais de 45.000 membros, mas ao longo das décadas o número caiu para cerca de 13.500 hoje, cerca de 0,1% da população.

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Mais da metade das 33 paróquias católicas cristãs estão localizadas nos cantões de Berna, Argóvia, Solothurn e Basileia. Na Suíça francófona, elas estão localizados em Lausanne, Genebra, Lancy-Carouge (GE), Chêne-Bourg (GE), Neuchâtel, La Chaux-de-Fonds (NE), Biena (BE) e St-Imier (BE).

Apesar de seu pequeno número de fiéis, a igreja não se vê ameaçada de desaparecimento. “A morte da Igreja Católica Cristã não é iminente”, diz Jean Lanoy, pároco no cantão de Genebra. “Em nosso cantão, para cada três perdas, embora a maioria sejam falecimentos, há dois novos ingressantes, principalmente através do batismo ou de casamento”.

“É verdade que nas cidades nossa igreja atrai novas pessoas, mas no campo lutamos um pouco para nos renovar”, acrescenta Anne-Marie Kaufmann, uma pastora em Berna. “Há também membros que deixam a igreja porque não querem mais pagar o imposto eclesiástico”. Mas somos menos afetados pela perda de membros do que os protestantes e católicos romanos. No cantão de Berna, os números mostram que estas igrejas estão ficando menores, enquanto nós estamos estagnando”.

“Não corremos o risco de desaparecer, nossa filiação é relativamente estável”. Também não temos falta de clero para garantir as missas”, continua ela. “Entretanto, como todas as outras igrejas, também estamos preocupados com a crescente secularização da sociedade”.     

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Católicos, mas um pouco diferentes

Em matéria litúrgica, os católicos cristãos têm permanecido bastante próximos da Igreja Católica Romana. “Um católico romano que frequentasse um de nossos serviços não se sentiria como um estranho; além de alguns detalhes, a base permaneceu a mesma”, diz Jean Lanoy.

Embora as diferenças possam não ser óbvias, elas são importantes. “Nossa liturgia expressa muito mais fortemente o fato de que o sacerdote celebra a missa em nome da congregação, da comunidade, os fiéis que não podem estar todos presentes no altar”, explica Anne-Marie Kaufmann. “O sacerdote não deve representar uma espécie de casta, um intermediário entre Deus e os fiéis. Porque toda a congregação faz parte da missa”.

A forte integração dos membros na igreja é um dos traços distintivos da Igreja Católica Cristã. Isto também é evidente nas estruturas da instituição. Por exemplo, o único bispo de toda a Suíça é nomeado por um voto do Sínodo Nacional. Este é um tipo de parlamento eclesiástico no qual tanto o clero como os leigos, representantes das congregações, têm assento.

No que diz respeito às doutrinas da fé, a Igreja Católica Cristã é guiada apenas pelas doutrinas que foram desenvolvidas durante o primeiro milênio do cristianismo, até o Grande Cisma de 1054 entre Roma e Constantinopla. “O grande princípio é acreditar no que todos acreditaram, em todos os lugares e em todos os momentos”, diz Jean Lanoy.

Dogmas adotados mais tarde pela Igreja Católica Romana, tais como o dogma da Imaculada Conceição ou a Assunção de Maria, não são reconhecidos.

Uma igreja liberal

A história da Igreja Católica Cristã na Suíça mostra que muitas vezes ela fez reformas precocemente que não aconteceriam na Igreja Católica Romana até muito mais tarde. Por exemplo, o latim foi abandonado desde o início em favor das línguas nacionais, enquanto isso só se tornou possível para os católicos romanos após o Concílio Vaticano II (1962-1965). O mesmo se aplica à integração dos leigos, que também se deu muito mais rapidamente.

E, em alguns aspectos que ainda parecem longe de se realizarem na Igreja Católica Romana, a Igreja Católica Cristã já fez mudanças. Por exemplo, o clero não está sujeito ao celibato, os divorciados podem se casar novamente na igreja e as mulheres podem ser ordenadas como sacerdotisas.

Em agosto de 2020, após uma discussão geral sobre “casamento para todosLink externo“, um sínodo extraordinário aceitou em uma votação consultiva a ideia de que as parcerias entre pessoas do mesmo sexo “deveriam ser celebradas liturgicamente da mesma forma e entendidas teologicamente da mesma forma que as parcerias entre pessoas de sexo distinto”.

A abordagem muito liberal talvez remonte às origens da igreja. “Está um pouco em nossos genes, porque até mesmo as pessoas que fundaram nossa igreja tinham visões liberais”, diz Anne-Marie Kaufmann. “Mas, mais geralmente, por sermos uma igreja muito pequena, estamos muito atentos às minorias e prestamos mais atenção a cada opinião”.

Bischöfe unterzeichnen ein Dokument.
Harald Rein (à direita), bispo da Igreja Católica Cristã, com representantes de outras igrejas na assinatura do reconhecimento do batismo ecumênico em 2014. © Keystone / Ti-press / Pablo Gianinazzi

“Comunhão total” com a igreja anglicana

Uma característica significativa da Igreja Católica Cristã é seu longo e profundo compromisso com o ecumenismo. Isto, também, pode ser explicado pela história. “Se você emerge de um cisma, é difícil afirmar que você está certo e todos os outros estão errados”, diz Anne-Marie Kaufmann.

“É por isso que o ecumenismo foi vital para nós desde o início, porque a excomunhão da Igreja Católica Romana deixou uma ferida, e para curá-la, era preciso uma maior comunhão de fiéis, junto com outras igrejas”.

“Os Católicos Antigos foram muito rápidos na criação de congressos internacionais”, acrescenta Jean Lanoy. “A União de Utrecht participou da fundação do Conselho Mundial de Igrejas em Genebra, que reúne 350 igrejas de mais de 110 países, representando mais de meio bilhão de cristãos. Esta é sua grande ideia, e sua grande força: percorrer um caminho comum. É a teologia do Caminho de Emaús, ou seja, o reconhecimento da face de Cristo no outro. Muitas pessoas têm sido tocadas [por essa mensagem]. Para entender esta igreja, é preciso primeiro entendê-la como um movimento”.

Esta aproximação com outras igrejas é feita em parte através de intercâmbio e estudo teológico. “Sempre estudamos teologia com os protestantes, na Universidade de Berna. Também compartilhamos a mesma teologia com os ortodoxos, embora culturalmente estejamos um pouco mais distantes”, diz Anne-Marie Kaufmann.

Com certas igrejas, no entanto, a aproximação vai muito mais longe. O caso mais significativo é a Igreja Anglicana, com a qual existe uma chamada comunhão eclesial devido a um acordo teológico pleno.

“Isto significa que somos intercambiáveis com os anglicanos. Podemos usar as igrejas um do outro e os padres podem se substituir um ao outro”, explica Jean Lanoy. Este tipo de acordo poderia ser estendido a outras igrejas; por exemplo, estão em andamento conversações com os luteranos.

Poderia haver uma tal aproximação com a Igreja Católica Romana em algum momento? “Passamos do período pré-Vaticano II e as relações são agora fraternais”, diz Jean Lanoy em resposta. “Somos irmãos separados que colaboram o máximo possível”. Temos uma ampla colaboração, mas nenhum acordo; o maior obstáculo continua sendo a ordenação das mulheres”.

Adaptação: DvSperling

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