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Como o Play Suisse se firmou entre os serviços de ‘streaming’

Max Borg

No período de pouco mais de um ano, o Play Suisse, serviço de streaming da TV pública suíça, tornou-se um dos principais players do mercado digital suíço, superando plataformas como a Disney+ e a Amazon Prime Video. O crítico Max Borg analisa os pontos fortes e fracos do Play Suisse e de seus concorrentes.

Vintage photo of a family watching TV in the 1960s
A maneira pela qual os suíços assistem hoje televisão mudou um bocado desde os anos 1960. akg-images

Para comemorar o primeiro aniversário do Play Suisse, a Sociedade Suíça de Radiodifusão e Televisão (SRG – sigla em alemão; SSR – sigla em francês), empresa matriz da SWI swissinfo.ch, publicou na semana passada estatísticas de usuários baseadas em dados internos e pesquisas da Digimonitor, que é especializada no levantamento dos hábitos digitais da população.

O estudo mais recente da Digimonitor, publicado no final de agosto, mostrou que o Play Suisse, lançado em 7 de novembro de 2020, já fez bons progressos na conquista de telespectadores. Em relação aos principais serviços de streaming, o estudo constatou que a Netflix é vista por 42% da população suíça, seguida pelo Play Suisse (10,2%), Disney+ (9,7%), Apple TV+ (4,8%) e Amazon Prime Video (4,5%).

O mercado do streaming ficará ainda mais fragmentado em poucos meses, quando a Paramount+ e a Peacock – que é propriedade da NBCUniversal – entrarem no circuito europeu (ambas estarão disponíveis por meio da Sky na Suíça).

Conteúdo externo

A posição hegemônica da Netflix não é surpreendente: ela está disponível na Suíça desde setembro de 2014, onde, sem dúvida, encontrou o equilíbrio correto entre produções originais e o conteúdo das videotecas. Seus ‘Top 10’ diários refletem  as escolhas dos assinantes, combinando novos lançamentos com títulos (ligeiramente) mais antigos.

No momento em que escrevo, a lista incluía a comédia Central Intelligence, produzida em 2016, muito provavelmente em razão do sucesso da recente produção Red Notice, também dirigida por Rawson Marshall Thurber e estrelada por Dwayne “The Rock” Johnson.

A netflix de fato exerce sua vocação global, com títulos originais provenientes dos EUA (Stranger Things), Coréia do Sul (Squid Game) e Alemanha (Dark), entre outros.

Na última edição do Geneva Digital Market (Feira digital de Genebra), que aconteceu por ocasião do Festival Internacional de Cinema de Genebra, a Netflix deixou claro que sua nova divisão DACH, sigla que se refere à Alemanha, Áustria e Suíça, está bastante interessada em custear ou adquirir histórias originais suíças. Entretanto, a expansão do catálogo com os filmes e espetáculos locais já existentes está em grande parte fora de cogitação, mesmo porque esse é o território do Play Suisse.

‘Serviço de Butique’

Lançada há pouco mais de um ano, a plataforma da SRG, que conta atualmente com 2.700 títulos, procura levar o melhor da ficção, do documentário e da televisão suíços para os espectadores de todo o país, com legendas nos três idiomas oficiais (alemão, francês e italiano) – e o bônus de poder transmitir uma temporada inteira assim que o primeiro episódio for ao ar em sua região linguística nativa.

É o que se chamaria um serviço de butique, uma vez que atende a um público muito específico e vem com certas limitações – em razão de questões de direitos, a disponibilidade internacional da plataforma é restrita a telespectadores com um número de telefone e código postal suíços. O Play Suisse também é gratuito, o que lhe dá uma vantagem sobre outras plataformas de streaming. 

Play Suisse displayed on a tablet
O menu do Play Suisse: Lançado há um ano, o serviço de streaming da SRG/SSR é gratuito e disponível para qualquer pessoa residente na Suíça. Alexandra Wey/Keystone

No entanto, o preço da assinatura, por si só, não é o que determina a elevada penetração da Netflix em relação a concorrentes como a Apple e a Amazon (que são, nos dois casos, empresas que pertencem a corporações maiores, que não dependem apenas de assinaturas por streaming, como acontece com a Netflix).

A Amazon Prime Video, em particular, é frequentemente criticada por ter uma interface não muito intuitiva para o usuário, e também porque  perde com a sobreposição de sua videoteca com a da Netflix em vários países (embora não tanto nos Estados Unidos, onde cada plataforma tende a ter acordos de exclusividade para conteúdos de terceiros, como Seinfeld ou The Office).

A Amazon Prime Video – que está disponível mundialmente desde dezembro de 2016 – tem uma seleção mais ampla que a Netflix, quando estão em jogo filmes mais antigos (aqueles feitos antes de 1990, ou mesmo de 2000), mas ela é objeto de uma grande ressalva em países onde a dublagem é bem mais comum: dependendo do título individual e do titular dos direitos, os telespectadores ficam frequentemente presos à versão dublada (alemão, italiano ou francês na Suíça) e, portanto, têm que procurar a versão original com legendas em algum outro lugar.

Quanto à Apple TV+, lançada em novembro de 2019, o principal inconveniente é a abordagem “qualidade sobre a quantidade” da plataforma: embora os originais oferecidos sejam geralmente bem apreciados pelos críticos e telespectadores, eles são muito poucos para justificar o pagamento de mais uma assinatura de streaming. E, além de alguns títulos seletos ligados a suas próprias produções (como a refeitura de Fraggle Rock e da franquia Peanuts, por exemplo), a política da Apple até agora tem sido de “library-adverse”, ou seja, seu negócio não se baseia no estoque de produções que poderia possuir.

Um obstáculo técnico adicional está no fato de o acesso ao serviço ser restrito aos produtos Apple (está alojado dentro do aplicativo Apple TV), enquanto todas as outras plataformas estão disponíveis numa variedade bem maior de dispositivos.

Depois há a Disney+, que chegou à Europa em março de 2020 e, de acordo com especialistas, é provável que ultrapasse até 2027 o número de assinantes da Netflix. Em novembro de 2021, a Disney+ tinha 118 milhões de usuários ativos no mundo todo, enquanto a Netflix tinha 214 milhões. A Amazon Prime Video estava com 175 milhões, e a Apple TV+ com menos de 20 milhões. A Disney+ possui atualmente 650.000 usuários na Suíça (mais do que a Apple e a Amazon juntas), e sua popularidade é facilmente atribuída à natureza da própria empresa Disney: um fornecedor confiável de filmes e programas “para toda a família”.

No entanto, essa reputação familiar também pode ser um inconveniente, obrigando-a a adotar uma estrela para diferenciar seu material voltado ao público adulto. Além disso, a ubiquidade cultural da Disney significa que a maioria dos títulos mais famosos são aqueles que o espectador médio já deve ter assistido, e as produções originais mais notáveis são principalmente as ligadas à Marvel e à saga Star Wars, o que significa que há pouco incentivo para quem não seja fãs de nenhuma das franquias adquirir uma assinatura.

Dois serviços pelo preço de um

O que nos leva de volta ao Play Suisse, um serviço que atende a todos os requisitos para ter uma vantagem competitiva: seu catálogo não se sobrepõe a nenhum outro streaming na Suíça (filmes selecionados estão disponíveis na Apple TV+, mas somente para locação/compra), os títulos oferecidos são destinados a uma ampla gama de telespectadores e podem ser apreciados em todas as versões possíveis (legendas e, quando disponíveis, dublagens nos idiomas nacionais).

É lógico, portanto, que o Play Suisse possa atingir números semelhantes aos da Netflix (2,8 milhões de usuários), fornecendo efetivamente o que este último streaming não terá: um vasto arquivo de filmes suíços de ficção, programas de televisão e documentários, sem a intenção de produzir material destinado unicamente para a transmissão, sem uma estreia teatral ou linear na TV.

Por outro lado, a Netflix pretende acrescentar originais suíços a seu catálogo (o único critério de inclusão: eles precisam ter algo que atraia um público global), deixando a função de videoteca para a SRG. As duas plataformas se completarão, cobrindo a maior parte dos interesses dos telespectadores. Dois serviços pelo preço de um. Literalmente.

As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor, e não refletem necessariamente as opiniões da SWI swissinfo.ch.

Adaptação do original em inglês: João Batista Natali

João Batista Natali

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