‘Mad Heidi’ detona fascistas – e a indústria de cinema
O ícone suíço Heidi, a menininha fofa de rabo-de-cavalo, estripando seus inimigos não é exatamente uma imagem fiel à imaginação popular, mas a trama não é o único aspecto não convencional do primeiro filme do gênero "swissploitation": todo o processo de produção é inovador.
A equipe por trás de Mad Heidi lançou na terça-feira uma campanha de crowdfunding usando a tecnologia financeira blockchain. O objetivo é arrecadar CHF1-2 milhões (US$ 1,1-2,2 milhões) para filmagens e pós-produção através da venda de 4.000 ações custando CHF 500 cada uma.
O investimento será registrado em um contrato digital inteligente no sistema blockchain e a assim chamada “receita compartilhada” (receita líquida após dedução dos custos operacionais) será distribuída aos acionistas automaticamente após a estréia do filme. A equipe de produção diz que “todos os contratos são sem papel, o que não gera burocracia. Também garantirá a transparência dos fundos, pois é difícil manipular o sistema a partir do exterior”.
O projeto Mad Heidi começou em 2017. O diretor suíço Johannes Hartmann, um fã de longa data de filmes B, surgiu com a ideia de fazer algo com Heidi. A jovem órfã, criação da escritora Johanna Spyri, desfruta não só de um otimismo sem limites, mas também de um forte reconhecimento de marca em todo o mundo. Hartmann explicou sua ideia ao produtor suíço Valentin Greutert e ao produtor finlandês Tero Kaukomaa, que agora lidera uma equipe de cinco pessoas.
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A menininha que conquistou a telona
Greutert, que atua na produção de filmes há 20 anos, diz que o modelo de negócios da indústria sempre foi “pouco favorável à inovação” – especialmente o financiamento e a distribuição de filmes para os fãs.
“Ao fazer um filme na Europa, o financiamento depende enormemente de subsídios de organizações como as agências estatais de cinema ou canais a cabo”, diz ele. “Não é surpreendente ter 15 entidades empresariais envolvidas na fabricação de um produto. Algumas instituições impõem restrições – onde seu dinheiro deve ser gasto e assim por diante. Mais recursos também significam mais trabalho administrativo, o que é um fardo – especialmente para pequenas equipes como a nossa”.
Greutert também reclama da interferência de empresas de vendas, distribuidores e cinemas, que tomam uma parte considerável do bolo. “Os cineastas não ganham quase nada com este sistema – a menos que você esteja em um estúdio gigante. Além disso, os cineastas europeus independentes muitas vezes lutam para alcançar uma audiência global, pois perdem o controle de seu filme uma vez que ele vai para o mercado. Pode levar meses ou anos até que o público no exterior o consiga assistir”, diz ele.
“Embora o equipamento de filmagem esteja se tornando cada vez mais moderno, o modelo de negócios não mudou em nada nos últimos 20 anos. Alguém tem que trazer inovação para esta indústria antiquada. Precisamos encontrar uma maneira de nos libertar dessa prisão!”
‘Frescor’
Mad Heidi, portanto, adotou uma nova abordagem, financiando-se através do crowdfunding e vendendo produtos como roupas, canecas, cartazes – até mesmo o “absinto da Heidi”.
O filme de Kaukomaa de 2012, Iron Sky – a trama em resumo: os nazistas do espaço invadem a Terra – foi um exemplo bem sucedido de crowdfunding, portanto eles já têm experiência com esse tipo de financiamento. A equipe de produção também interagiu com os fãs em websites e mídias sociais. Cerca de 40.000 fãs de 45 países, principalmente na Europa, estão acompanhando o projeto.
“A história é tão fora dos limites e politicamente incorreta”, diz Greutert. “Mas este tipo de frescor é exatamente o que muitos fãs de cinema têm ansiado”.
Mad Heidi é uma comédia de horror e ação cheia de sangue na qual uma Heidi de vinte e poucos anos se levanta com seus colegas camponeses para salvar sua pátria, que caiu nas mãos de nazi-fascistas. No site do filme, existe um trailer, mas, como se trata de um filme “exploitation” barra-pesada, não é adequado para crianças ou para se ver no trabalho. Na verdade, se você não estiver acostumado a este tipo de coisa, provavelmente se sentirá ofendido. Você foi avisado!
Os filmes chamados “exploitation” são geralmente de baixo orçamento, também chamados de filmes B, que procuram obter um lucro rápido “explorando” assuntos ou tendências sensacionais, chocantes ou tabu (por exemplo, violência, perversão, drogas, sexo).
Muitas vezes provocando reações físicas no público, como luxúria (exploração sexual) ou repugnância, também tem sido dito que eles exploram o desejo do público por prazeres reprimidos.
Nenhum assunto está fora dos limites, resultando em inúmeros subgêneros como Ozploitation (Mad Max), carsploitation (“Death Proof ” de Tarantino foi uma homenagem ao gênero), sharksploitation (Tubarão), e até mesmo nunsunsploitation (com freiras). Nos Estados Unidos, o estilo chamado blaxploitation (filmes feitos com atores negros para audiências negras em um ambiente negro, como Shaft) floresceu nos anos 70, época de ouro das pornochanchadas brasileiras.
De fato, quando o trailer apareceu online, o co-roteirista do filme, que trabalhava para a polícia cantonal de Zurique, foi prontamente demitido. Qualquer pessoa ligada a um produto tão brutal e controverso não era adequada para um cargo de gerência, disseram seus empregadores. Os advogados se envolveram e o Tribunal Federal decidiu na semana passada que a demissão do funcionário era ilegal.
Novo modelo de produção
O que Johanna Spyri acharia de tudo desafia a imaginação, mas tudo parece estar no caminho certo.
A equipe de produção já completou com sucesso dois projetos de crowdfunding desde 2018, antes das etapas de desenvolvimento e pré-produção. De acordo com a equipe, esta se tornou a campanha de crowdfunding mais bem sucedida de todos os tempos para um filme nacional. Até agora, eles arrecadaram CHF 84.000 do crowdfunding e CHF 150.000 da venda de mercadorias.
“Tudo tem sido muito positivo. Se continuar assim, teremos uma chance muito boa de entregar o filme”, diz Greutert. Se tudo correr como planejado, as filmagens começarão no próximo ano e Mad Heidi será lançado no site em 2022.
“Isto também cortará os intermediários e devolverá o máximo de lucros aos acionistas. Estimamos que o lucro será seis vezes maior do que a forma tradicional”, diz ele.
Para Greutert, envolver os fãs desde o início também é “verdadeiramente poderoso, pois democratiza a criação de conteúdo. Será um novo modelo de produção de conteúdo no futuro”.
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As várias faces de um clássico suíço
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