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A vida dupla de um banqueiro suíço “rebelde”

Gorka Cruz divide seu tempo entre Genebra e a Índia. swissinfo.ch

Gorka Cruz não é o típico banqueiro de Genebra. A cada inverno ele tira o terno e a gravata e parte para vários meses de trabalho humanitário na Índia.

O jovem especialista em finanças faz muitas outras coisas e também toca guitarra. Recentemente Cruz causou impacto na internet com uma hilária canção e um videoclipe intitulado “Economia Global” sobre um possível iminente colapso econômico.

“Passo em média seis meses aqui e seis meses fora, mas tivemos um problema de visto com a Índia e agora só podemos ficar três meses. Agora tenho que ver como posso passar mais tempo. Eu tenho a dupla nacionalidade – suíça e espanhola – e talvez, dessa forma, possa encontrar uma solução”, contou à swissinfo.ch enquanto bebericava uma xícara de café no terraço do Café du Soleil em Genebra.

Cruz está acostumado a essa rotina ligeiramente ímpar, como se vê no seu vaivém entre a Suíça e a Índia nos últimos cinco anos.

Aos 33 anos, ele estudou filosofia, espanhol e sociologia na universidade e acaba de concluir um projeto de três meses em um fundo especulativo atuante em Genebra. Antes havia trabalhado por quatro anos no banco Barclays em Genebra.

“Eu queria ir para a Índia. Assim tratei de ganhar dinheiro para poder financiar minha estadia. Quando estou em Genebra não gasto muito como, por exemplo, em restaurantes. Assim economizo”, explica. 

Meditação 

A paixão pela Índia começou em 1999, quando visitou pela primeira vez o país para fazer um curso de ioga e meditação.

De 2005 a 2010 o jovem banqueiro viajou à Índia para ajudar num orfanato, trabalhando “de manhã à noite” e ajudando a instituição a resolver seus problemas administrativos e financeiros.

Os órfãos estão agora sob cuidado de famílias de acolhimento na região através de um projeto da ONG. Assim, nesse próximo inverno, Cruz está para começar uma nova missão.

“Trata-se de ajudar a proteger as margens do rio Ganges. Máfias locais se apropriaram das terras para construir residências e muitas pessoas criaram um movimento para freá-las”, conta. 

Contradição? 

Gorka Cruz se sente confortável com sua “vida dupla” não conformista, mesmo apesar das aparentes contradições.

“Não estudei finanças, mas acabei chegando ao setor à procura de oportunidades profissionais. É um trabalho como outro qualquer”, explica. “Não tenho problemas éticos com isso. O mundo funciona assim”. Ironicamente o trabalho em Genebra parece atualmente estar ajudando-o também em nível pessoal.

“É bom para mim. É um ritmo estruturado com prazos fixos. Tenho de escrever relatórios e trabalhar de forma organizada”, justifica. “Existem os momentos de estresse, mas também é bastante confortável. É como se fossem férias em comparação ao trabalho na Índia”. Ele se sente até livre de criticar abertamente o setor financeiro, apesar de trabalhar nele.

Cantor de protesto 

Encorajado por colegas do banco, Cruz recentemente se juntou a um diretor amigo para produzir um vídeo clip humorístico intitulado “Economia Global”, com base em uma canção composta por ele. Nele, o duplo cidadão descreve como a economia está a um passo do abismo e que chegou a hora de abrir os olhos e fazer algo.

Vestido com seus trajes de banqueiro, ele atravessa as ruas de Genebra cantando sobre a atual crise global. Em um certo ponto pula da ponte e cai no rio, aparecendo depois sem roupas, a não ser uma folha no local apropriado.

Ele sorri e explica que essa é a sua contribuição pessoal ao movimento de protesto dos “indignados”, que ocorre em vários países do mundo.

“Tive a ideia de escrever essa canção há quase dois anos. Foi quando senti que estávamos à beira do abismo”, explica.

Apesar dos recentes esforços para coibir as manifestações, especialmente nos Estados Unidos, Cruz está seguro de que o movimento irá crescer ainda mais.

“Os políticos estão conseguindo manter a situação sob controle, mas isso não vai durar muito tempo. Ainda iremos ver cada vez mais medidas de austeridade sendo aplicadas pelos governos na tentativa de reduzir as dívidas soberanas. Dessa forma a insatisfação das pessoas irá aumentar.

Estamos enfrentando hoje um gigantesco problema econômico”, analisa.

Os culpados 

Na sua canção, Cruz ataca os que considera terem provocado a crise financeira. “Muitas dívidas e ninguém pode pagá-las”, canta. “O yuppie com o dinheiro como um filhote de macaco.”

“A maior parte dos funcionários de bancos como eu, com um chefe que diz ‘faça isso ou aquilo’, tem poderes limitados. Em grande parte estão felizes de receber o salário no final do mês e cumprir seus deveres”, lembra o suíço-espanhol.

“Se você pergunta às pessoas no banco como funciona o sistema monetário, a maior parte não tem a menor ideia. E isso é a origem de muitos dos problemas por trás dessas dívidas gigantescas.”

Sensibilização 

Cruz aspira aumentar a conscientização coletiva. Ele defende uma regulação mais rigorosa do sistema bancário e chega até a sugerir o retorno ao padrão ouro.

“A partir da era de Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989), o sistema financeiro global foi desregulado e se tornou completamente ridículo ao criar coisas como os produtos derivados. Nos EUA, bancos pedem falência e seus chefes saem com milhões de dólares nos bolsos. Trata-se, no topo da hierarquia, de uma máfia  e na Suíça a situação é a mesma”, declara e termina com uma reflexão sobre o futuro.

“Meus chefes futuros talvez não gostem do clip, mas ele é conforme aos meus ideais. Gostaria de continuar mantendo essa existência dupla, mas verei o que isso dará. Uma crise financeira está vindo e nós devemos nos manter flexíveis”, conclui.

O Ocupe Wall Street comemorou em 18/11/2011 um “dia histórico” a forte mobilização da véspera em Nova York, a maior do movimento desde o seu nascimento há dois meses, embora seu futuro seja uma incógnita após o desmantelamento de seu acampamento original.

Segundo os organizadores, que citam dados da Polícia que não foram publicados, 32.500 pessoas se reuniram na quinta-feira na Foley Square, sul de Manhattan, e a partir desse ponto realizaram uma passeata para cruzar a Ponte do Brooklyn sem interromper o tráfego.

Independentemente dos números exatos, a mobilização da véspera foi sem dúvida maior do que o último grande ato do Ocupe Wall Street (OWS), realizado no dia 5 de outubro, quando cerca de 10.000 pessoas participaram também na Foley Square com o apoio dos sindicatos.

A pacífica demonstração de força, que contou com o apoio de sindicatos e estudantes, ocorreu depois de uma ação mais enérgica pela manhã, quando cerca de mil manifestantes bloquearam o acesso à Bolsa, provocando incidentes que terminaram com sete policiais e dez ativistas feridos e mais de 250 detidos.

Mas não só Nova York se mobilizou. De acordo com o OWS, “pelo menos 30 cidades no mundo inteiro” participaram do “Dia de Ação Global” para comemorar os dois meses do movimento que denuncia as desigualdades sociais e a corrupção de Wall Street. (AFP)

Adaptação: Alexander Thoele

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