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Plebiscito de 26 de setembro de 2021

Professor brasileiro na Suíça usa tecnologia para resolver problemas sociais

Um homem segurando celular na mão
O professor brasileiro usa tecnologias simples, como um celular comum, para alcançar pessoas sem acesso à internet (Créditos: Thays Bittar) Thays Bittar

Como professor de Economia na Universidade de Zurique, na Suíça, desde 2016, o brasileiro Guilherme Lichand está comprometido em resolver problemas sociais e mudar comportamentos que perpetuam a pobreza com o uso de tecnologias simples e de baixo custo.

“Isso é o que me move: Como achar a tecnologia mais simples para mudar comportamentos e ter dados mais precisos para desenhar políticas públicas baseadas em evidências”, explicou em entrevista à swissinfo.ch.

A carreira do economista e empreendedor é delineada pelo conceito de “Tech For Good” (tecnologia para o bem). “O impacto social consiste em soluções concretas para problemas reais. Para apresentar soluções concretas, é necessário alcançar quem mais precisa”, argumenta.

Doutor em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Lichand foi reconhecido pelo MIT Technology ReviewLink externo como o maior inovador social do Brasil com menos de 35 anos de idade, em 2014. É também especialista em inovação social do World Economic Forum Expert NetworkLink externo.

Suíça: A oportunidade de realizar um sonho

Lichand ainda não tinha laços com a Suíça quando foi selecionado, em 2016, para atuar como professor da cátedra do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) de Economia do Desenvolvimento e Bem-Estar Infantil na Universidade de ZuriqueLink externo.

“Meu sonho sempre foi trabalhar com políticas públicas e sempre quis trabalhar na África. Nunca tinha tido essa oportunidade até chegar em Zurique”, conta.

Um dos principais projetos do departamento de Lichand é o monitoramento em tempo real do desenvolvimento de crianças no Malawi, onde há uma carência de dados consistentes. O objetivo de Lichand é tentar revolucionar a frequência com que pesquisadores e gestores públicos conseguem obter informações sobre desenvolvimento infantil nos países pobres e, assim, garantir a eficácia de programas que têm o objetivo de combater a perpetuação dos ciclos de pobreza.

Para superar a falta de dados estatísticos sobre nutrição, educação e saúde, a equipe de pesquisadores utiliza wereables, sensores que podem ser colocados no bolso ou usados como pulseira, por exemplo, e monitoram as reações do corpo e o dia-a-dia das crianças, desde o nascimento até completarem 18 anos.

Homem jogando bola com crianças
Guilherme Lichand joga futebol com crianças no Malawi. Arquivo pessoal

“É um projeto muito ambicioso e complexo, por isso, tem o apoio do UNICEF e do governo suíço”, conta.

Os sensores ajudam a monitorar os contatos que a criança tem e gravam trocas de energia em tempo real. “Então, no fim do mês, eu consigo ter acesso a um histórico de interação entre a mãe e a criança, por exemplo”, explica o professor.

“Se percebemos que a interação é baixa, enviamos mensagens de SMS aos pais. Quando eu mando, por exemplo, a mensagem ‘Brinque com seu filho. Brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança’, a reação é notada no tempo em que os sensores da mãe e da criança ficarão em contato. É um tipo de referência valiosíssima para perceber por que uma política pública funciona ou não”, acrescenta.

Outro exemplo é a mensagem “Se o seu filho não estiver se sentindo bem, leve-o para uma clínica”. “Na sequência do envio da mensagem, o sensor indicou que uma mãe se deslocou a uma clínica em resposta a essa mensagem. Isso é avaliação de política pública em tempo real”, diz.

Empreendedorismo para o bem

Economista formado pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), Guilherme Lichand trabalhou no Banco Mundial em Brasília entre 2010 e 2011 com políticas públicas de desenvolvimento.

Durante as férias do doutorado na Universidade de Harvard, perguntou aos colegas o que fariam naquele período. “Alguns responderam que iriam viajar e outros disseram que iriam fazer pesquisa. Eu me identifiquei com os colegas que disseram que iriam trabalhar em algo que sempre quiseram, mas que nunca tinham tido oportunidade”, lembra. “’Vou trabalhar no Governo’, pensei.”

Era 2012 e Lichand foi ao Rio Grande do Norte para atuar na Secretaria de Planejamento e Finanças do Estado. “Na época, havia um projeto de distribuição de leite que custava 80 milhões de reais por ano, mas o leite não chegava a quem mais precisava e, sim, para quem tinha amizade com o prefeito. Pediram ajuda para comprovar essa suspeita e mudar essa realidade”, afirma.

“Fiquei empolgadíssimo. Era isso o que eu sempre quis fazer: Ajudar a redesenhar políticas com base em evidências e ajudar a melhorar a vida de quem precisa”, diz.

O programa de distribuição de leite existia há 20 anos, mas o governo estadual não tinha nenhum dado sobre o perfil dos beneficiários. Lichand encontrou neste problema uma oportunidade e, com dois sócios, fundou a startup MGov para ajudar o poder público a coletar dados dos usuários por celular para avaliar a implementação de políticas públicas. Em 2019, a empresa foi rebatizada como MovvaLink externo e foi a primeira startup do mundo a utilizar nudgebots. São robôs digitais que enviam lembretes por celular ou telefone a membros de uma comunidade para encorajar ações e mudar comportamentos, como é feito no projeto do Malawi.

Mais do que um economista

Mulher utilizando o computador
Projeto conduzido por Lichand na Costa do Marfim incentiva os pais a participarem da educação dos filhos (Créditos: TRECC) TRECC

O economista brasileiro vai além de analisar dados estatísticos e fazer previsões. “Eu costumo trazer um olhar psicológico, embora seja um economista. Estudo como as pessoas tomam decisões. A gente pode escrever matematicamente como é que as pessoas se comportam e achar que as pessoas têm computadores poderosíssimos na cabeça tomando essas decisões, mas um grupo de economistas traz esse outro olhar, a da economia comportamental, de como as pessoas tomam decisões de verdade”, explica.

“Meu trabalho é como pegar essas coisas que você faria em laboratório e testar na realidade. A gente trabalha com engajamento educacional, falando com alunos, pais e professores de escolas públicas no Brasil e na Costa do Marfim para melhorar hábitos educacionais”, exemplifica.

Lichand investiga os efeitos psicológicos da pobreza sobre as pessoas para entender como a falta de recursos prejudica o investimento dos pais na educação dos filhos. A desatenção à criança, explica, envolve muitos fatores, como a preocupação em pagar as contas no fim do mês.

“O capital humano das crianças vai além da educação. Inclui saúde, nutrição e proteção contra a violência também. Eu estudo por que pais em países pobres muitas vezes deixam de investir no capital humano dos filhos, mesmo quando esses investimentos têm retornos altos”, explica.

Impactos da Covid-19 na educação

Guilherme Lichand também acompanha a evolução dos casos da Covid-19 no Brasil. Como integrante da plataforma de vigilância participativa Brasil sem Corona, o pesquisador coleta dados socioeconômicos para entender como o novo coronavírus atinge diferentes camadas sociais.

Lichand prevê o Brasil tem falhado em investir no capital humano das crianças em tempos de pandemia. “A gente pensa nas mortes, mas esquece que tem uma geração toda que está na escola e, embora provavelmente vá sobreviver, vai ser permanentemente afetada”, analisa.

O efeito negativo se deve à falta de acesso dos estudantes às tecnologias, num tempo de educação à distância. “As crianças em idade escolar que sobreviveram à gripe espanhola foram prejudicadas pelo resto da vida, devido ao fechamento das escolas naquela época. Tiveram menor chance de entrar na faculdade, ingressar no mercado de trabalho e manter um emprego”, diz.

Segundo o pesquisador, o Brasil não está preparado, considerando que 70 milhões de brasileiros têm acesso precário à internet. Além disso, uma pesquisa recente mostra que 70% dos professores brasileiros nunca foram treinados para usar soluções digitais.

Lichand cita experiências bem-sucedidas na África, continente que luta contra a epidemia do ébola, como aulas por rádios comunitárias e o envio do conteúdo escolar aos alunos por SMS. “É possível mitigar esses efeitos, desde que você chegue aos alunos e pais com a tecnologia certa”, argumenta.

O pesquisador trabalha com uma ação inovadora e simples no Brasil para incentivar o ensino em casa enquanto as escolas estão fechadas. Lichand e sua equipe mapearam 100 mil escolas públicas nos municípios mais pobres do país e definiram um raio de 10 quilômetros em torno de cada uma dessas escolas. “Queremos fazer chover SMS neste raio com mensagens de engajamento familiar para aproximar os pais dos filhos neste momento”, conta.

“Temos uma chance pelo menos de mitigar o risco de evasão enorme que teremos com a retomada das aulas. Temos que ter um portfólio de soluções. Não acho que tem que jogar fora o online, muito pelo contrário, acho que é riquíssimo para quem pode acessar. Mas o risco do online é acentuar as desigualdades ao invés de mitigá-las”, conclui.

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