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Uma nova vida para o trem à vapor no Furka

Aus dem Tunnel raus
Thomas Kern/swissinfo.ch

Motosserras, pás e limpadoras mecanizadas: quinze voluntários passam três semanas retirando neve das vias férreas da histórica ferrovia do Furka. Um trabalho duro que ocorre a dois mil metros acima do nível do mar.

São cinco e meia da manhã. As montanhas cobertas de neve ganham uma tonalidade azul ao surgirem os primeiros raios de sol. Em Realp, um pequeno vilarejo no cantão de Uri, o mundo parece ainda dormir. Um pouco mais longe, uma casinha atrai a atenção com suas janelas iluminadas: é a cantina da Associação de Amigos da Ferrovia do FurkaLink externo. Os voluntários ainda têm marcas de travesseiros no rosto. Enquanto contam piadas, vão passando o pão e a geleia aos vizinhos de mesa.

Foto de um trem com montanhas ao fundo
Keystone

Enquanto tomam o café, preparam os sanduíches para comer no caminho. Depois prendem os detectores de avalanche no peito e passam protetor solar no rosto. “O sol bate forte lá em cima”, alertam.

Essa antiga ferrovia foi abandonada em 1981, após a abertura do túnel do Furka. Então um grupo de voluntários decidiu, em 1986, reativar a antiga linha. Algumas das locomotivas vendidas ao Vietnã foram encontradas. Em 1990 foram repatriadas à Suíça em uma viagem bastante complexa. Dez anos depois, as autoridades declararam operacional a linha férrea entre Realp e Oberwald. Hoje, aproximadamente 30 mil passageiros por ano desfrutam dessa atração turística, que funciona por um período de três meses, sempre entre junho até outubro.

Quinze pessoas vão hoje remover a neve que cobre a linha que atravessa o desfiladeiro do Furka. São três semanas de trabalho até deixar tudo pronto para a abertura da temporada, que este ano começa em 22 de junho.

Perigo das avalanches

As locomotivas saem da garagem. Às 6:30 da manhã elas assobiam e buscam os voluntários para os levar montanha acima, no local onde hoje irão trabalham. Duas pessoas se separam do grupo. Elas são responsáveis pela segurança e passarão o dia na montanha acima do desfiladeiro. Sua missão: observar a neve e detectar avalanches o mais rápido possível, a fim de notificar o resto da equipe com seus walkie-talkies.

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Deux hommes discutent assis à une table

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Um trem à vapor nos Alpes suíços

Este conteúdo foi publicado em Ferrovia do Furka foi reativada em 1986 graças a uma iniciativa de voluntários. Hoje, 30 mil turistas por ano utilizam o trem para conhecer essa região alpina durante seus três meses de funcionamento, de junho a outubro. Veja aqui algumas das impressões fotográficas desse trabalho a quase dois mil metros de altitude.

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Os voluntários embarcam no trem à cremalheira (n.r.: cremalheira são trilhos dentados que em conjunto com uma engrenagem a ele ajustada, permite a locomotiva de subir em terrenos muito íngremes) e admiram o cenário alpino: intermináveis faixas cobertas de neve, vegetação e riachos.

A pequena locomotiva foi apelidada de “MorangoLink externo” por ter sido pintada de vermelho. Ela abre caminho e é seguida por uma grande locomotiva movida à dieselLink externo. A caravana desliza pelos trilhos ladeados por paredes de neve. Depois atravessa um túnel decorado com milhares de estalactites de gelo. Ela é forçada então a parar no próximo túnel: sua saída está completamente bloqueada.

Uma escada permite que a equipe escale a neve. Diversas avalanches fizeram que ela se acumulasse, em alguns pontos até 16 metros de altura. Esse muro deverá ser derrubado pelos voluntários com simples pás e dois limpadores motorizados. A locomotiva diesel também tem uma limpadora acoplada na frente para remover a neve das linhas férreas. Todavia o sistema não funciona se a neve estiver a uma altura superior a um metro e meio.

O sol nasce, iluminando o desfiladeiro. Os voluntários se dividem em pequenos grupos e imediatamente começam a trabalhar. Patrick é o supervisor da semana. Geofísico de formação, há muitos anos se engaja na associação. “Quando era criança sonhava em ser maquinista. Acabei realizando esse sonho aqui no Furka”, declara orgulhoso.

Placa com a inscrição Mantenha a calma
Thomas Kern/swissinfo.ch

Foi no verão passado, em Realp, que Patrick compartilhou com Robert a paixão por trens a vapor. Ele convenceu seu colega, um oculista de Zurique, a participar na limpeza das linhas. Robert pegou três dias de férias e está encantado: “Aqui é outro mundo. Nunca vi tanta neve!”

Muro branco

Um pouco mais adiante, o terceiro túnel foi completamente coberto por uma avalanche. A neve é tão compacta que os voluntários precisam de uma pá mecânica para remover a massa branca. A equipe conseguiu entrar e tenta abrir a porta superior. Ela permanece fechada durante o inverno, evitando assim que a neve invada a galeria. Cada uma das dobradiças de metal que suportam a porta são removidas e ela se abre lentamente, revelando uma verdadeira parede de neve, tão dura como cimento. Os voluntários começam a escavar de ambos os lados para tentar quebrar esse “muro”.

Alexander opera a escavadora. O aposentado originário de Zurique trabalhou toda a vida com máquinas de construção. Há quatro anos participa das ações. “Quero manter vivo o trem a vapor do Furka. Como não tenho muito dinheiro, dou um pouco do meu tempo”, explica e continua. “Adoro poder continuar a operar máquinas e estar em contato com pessoas. Todos ajudamos uns aos outros”. De repente, um pequeno rato aparece no meio do túnel e cambaleia entre os trilhos. “O que ele deve ter comido durante o inverno?”, questiona-se.

Trabalho de risco

Um dos pontos mais críticos para os voluntários é a ponte de SteffenbachLink externo, localizada um pouco mais acima. É uma estrutura desmontável, instalada em 1925, e que só entra em ação após o inverno.

Ponte
Thomas Kern/swissinfo.ch

Os voluntários precisam retirar a neve das diferentes peças, permitindo assim que elas sejam reconectadas aos trilhos. Originalmente existia no local uma ponte de pedra, construída no início do século 20. Porém foi arrastada por uma avalanche, um fenômeno costumeiro nessas montanhas.

A neve é tão compacta debaixo da ponte que a equipe necessita de um motosserra para cortar os blocos de gelo. Jenny levanta-os com uma pá e joga-os ao lado. Essa alemã tem trinta anos e trabalha como enfermeira em Munique. Já é o quinto ano de voluntariado. “Conhecia essa região durante o verão. Depois quis ver como ela era no inverno”, diz. “Gosto de atividades ao ar livre. É um trabalho apaixonante.”

Às duas da tarde, os voluntários cessam o trabalho e começam a arrumar suas coisas. O risco de avalanche é bastante elevado à tarde. Ainda suando, embarcam na locomotiva que os levará de volta à cantina. Lá uma taça de café bem quentinho e alguns chocolates lhes esperam. No caminho, todos parecem exaustos, mas satisfeitos. “É óbvio se sentir assim no final da jornada. Mas é um cansaço gostoso, pois conseguimos cumprir a nossa missão”, declara Jenny.

30 mil turistas

A linha de cume da Furka é uma via férrea de locomotivas à cremalheira. Foi criada para ligar a cidade de Brig ao povoado de Disentis e permitir o transporte de turistas e comboios militares. A ferrovia entrou em serviço em 1926. Em 1942 foi eletrificada.

Quarenta anos depois foi abandonada depois que o túnel do Furka entrou em operação. A ferrovia foi reativada graças a uma iniciativa de voluntários em 1986. Hoje, 30 mil turistas por ano utilizam o trem para conhecer essa região alpina durante seus três meses de funcionamento, de junho a outubro

Adaptação: Alexander Thoele

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