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Flora Rochat-Roncati: em casa no Ticino, mas a vida inteira pelo mundo

Flora Ruchat-Roncati
Flora Ruchat-Roncati posa com um guarda-sol chinês, Zurique 2005. Ayse Yavas/Keystone

Nos anos 1970, diversos profissionais ligados à arquitetura ao sul dos Alpes se tornaram internacionalmente conhecidos – a exemplo de Luigi Snozzi, Mario Botta, Aurelio Galfetti e Livio Vacchini. Foi na região que começou também a carreira de Flora Ruchat-Roncati. 

A primeira mulher a ser designada professora da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH) foi uma arquiteta. Um acontecimento admirável, já que a arquitetura é, até os dias de hoje, considerada por muita gente um bastião continuamente masculino. E esse era com certeza o caso quando, em 1985, Flora Ruchat-Roncati (1937–2012) se tornou professora da ETH.

Entlüftungsbau
Imponente construção de ventilação para o túnel da rodovia A12, construído em 1988 por Ruchat-Roncati em colaboração com Renato Salvi. Jennifer Goff

Várias de suas edificações foram projetadas no contexto de diversas colaborações e alianças com outros profissionais, em sua maioria homens. Muitos consideram o “Bagno di Bellinzona”, de 1970, projetado junto com Aurelio Galfetti e Ivo Trümpy, como sua obra principal. Outros apontam para os portais de rodovia, projetados na década de 1990 junto com Renato Salvi, que se destacam da paisagem como se fossem esculturas.

Bagno di Bellinzona
Piscina de Bellinzona (Arquivo do Moderno, Fundo Aurelio Galfetti) Archivio del Moderno

Há ainda quem diga que o ápice da obra de Ruchat-Roncati está em seus primeiros projetos, como o jardim de infância e a escola em Riva San Vitale, onde a arquiteta restaurou uma propriedade rural em ruínas para criar um lar para si própria, sua família, bem como para artistas, arquitetos e escritores amigos. A partir de 1971, ela passou a manter ali também seu escritório.

Série “arquitetos suíços”

Nossa série de verão retrata arquitetas e arquitetos suíços influentes e singulares do último século. Como eles refletiram de forma marcante sobre o espaço? Em que lugares do mundo deixaram seus rastros? E quais edificações continuam nos impressionando até hoje?

A pequena casa de barcos em Brusino, no Lago Lugano, que Ruchat-Roncati construiu para seus pais ainda quando jovem arquiteta, pode competir facilmente com a casa que Le Corbusier projetou para sua mãe no Lago Genebra. O edifício, sedutoramente elegante, mas ao mesmo tempo discreto, não recebeu a mesma atenção que aquele de Le Corbusier. Essa lacuna foi preenchida recentemente por uma publicação de Nicola Navone e Anna Ruchat.

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Flora Ruchat-Roncati com Giuseppe (Peppo) Roncati e André Ruchat, casa de barcos em Brusino Arsizio, 1959-1960. Vista do jardim e vista da entrada em direção ao lago. © Luca Fontanelli

A obra completaLink externo de Flora Ruchat-Roncatis foi há pouco estudada no contexto de um projeto de pesquisa financiado pela Fundação Nacional de Ciência da Suíça. O trabalho será transformado em breve em livro a ser publicado pela Editora gta em 2024.

O fato de Flora Ruchat-Roncati ter assumido o cargo de professora na ETH não foi apenas para a instituição um passo importante, mas também para ela própria, visto que o cargo representou um salto em sua carreira. O vínculo com a instituição já era mantido há tempos: a arquiteta havia estudado na ETH e posteriormente dado aulas ali, como docente convidada, durante um longo tempo. André Ruchat, seu primeiro marido, que morreu de acidente logo após o nascimento de sua primeira filha, havia se mudado com ela para Zurique para frequentar a universidade.

Entre a paisagem e a Modernidade

No entanto, nem todo mundo festejou quando Ruchat-Roncati assumiu oficialmente o título de professora. O bando de cavalheiros do Ticino demonstrou ressentimento diante do fato de que uma mulher sensível os havia superado na competição pelo cobiçado cargo. Afinal, ela era apenas uma entre os muitos nomes que tornaram Bellinzona e outras localidades menores do Ticino famosas na década de 1970 por sua arquitetura substancial e idiossincrática.

Comprometidos com as tradições regionais e, ao mesmo tempo, com a Modernidade, os arquitetos do Ticino conseguiram conciliar esses antagonismos aparentes graças a uma forte ligação com a paisagem. Sem fazer concessões, e ao mesmo tempo sensíveis, essas edificações se encaixam em seus respectivos ambientes. Os autores e as autoras desses projetos apresentavam suas propostas com autoconfiança. Em resposta, os críticos de arquitetura reagiam surpresos. Até então, praticamente ninguém havia prestado atenção no universo periférico dos arquitetos do Ticino; a partir daquele momento, o mundo passou a olhar para lá.

Em 1975, o teórico suíço da arquitetura Martin Steinmann (1942–2022) descreveu a efervescente cena da arquitetura da região, no contexto de um projeto de exposição, como “Escola do Ticino”, e fez, com isso, história. Embora as cooperações entre as pessoas envolvidas – de características distintas, algumas delas contumazes – não tenham durado muito tempo e nem tenha se consolidado qualquer estilo comum ente elas, o conceito contundente de uma “Escola do Ticino” permaneceu na memória cultural por décadas.

Em 1996, ela recebeu um novo impulso com a fundação da Accademia di Architettura di Mendrisio. Até então, os habitantes do sul da Suíça tinham que se deslocar para universidades em Milão, Lausanne, Genebra ou Zurique para estudar Arquitetura, tendo muitas vezes que concluir a graduação em um idioma estrangeiro.

A “Accademia di Architettura” foi fundada pelo então ainda jovem Mario Botta (*1943), que em breve celebra seu aniversário de 80 anos. Botta tornou-se conhecido em função de seus projetos arquitetônicos em vários lugares do mundo, da Cappella Santa Maria degli Angeli, no Monte Ceneri, até o Museu de Arte Moderna de São Francisco. Seu nome tornou-se também conhecido graças à fundação da Escola Superior de Arquitetura do Ticino, por onde passaram diversos alunos que se tornariam mais tarde internacionalmente famosos. Durante muitos anos, Kenneth Frampton (*1930), teórico britânico de arquitetura, radicado em Nova York, também deu aulas em Mendrisio. Ele cunhou e usou o conceito de “regionalismo crítico” para sintetizar os projetos arquitetônicos do Ticino, dando a eles, depois da “Escola do Ticino” de Steinmann, uma segunda base teórica sustentável e eficaz.

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Mais uma viga do que apenas um prédio. Vista aérea da piscina em Bellinzona (1967-1970), projetada por Aurelio Galfetti, Flora Ruchat-Roncati e Ivo Trümpy (Arquivo do Moderno, Fundo Aurelio Galfetti). Archivio del Moderno

Aurelio Galfetti  foi o primeiro diretor de estudos da Accademia. Junto com Flora Ruchat-Roncati e Ivo Trümpy, o então jovem arquiteto ganhou, em 1967, a concorrência para o projeto Bagno di Bellinzona – o complexo considerado por muitos como o pontapé inicial da chamada Escola do Ticino. Não se trata exatamente de uma edificação, mas de uma longa viga situada nos arredores de Bellinzona, no vale do rio Ticino. O edifício em si forma uma paisagem de caminhos, conexões, áreas de lazer e piscinas. Trata-se menos de um objeto e mais de um gesto, um chamado e, de fato, de uma conexão.

Inspiração e destino turístico

Na encosta situada atrás do Bagno di Bellinzona, a paisagem se eleva em direção aos Alpes. Ali, no vilarejo de Monte Carasso, na região que faz fronteira com a cidade de Bellinzona, encontra-se uma segunda obra importante da arquitetura do Ticino, superando exemplarmente o antagonismo entre a arquitetura tradicional e a moderna.

O Convento dos Agostinianos, sediado no lugar e datado do século 15, foi transformado em etapas pelo arquiteto Luigi Snozzi (1932–2020) em uma escola de Ensino Fundamental I, de forma que o concreto bruto dos anexos e a antiga alvenaria do convento e da igreja compõem um todo em harmonia.

Montecarasso
Luigi Snozzi – reforma do antigo convento das Agostinianas em uma escola fundamental e um centro comunitário, Monte Carasso, 1987-1993. Situação antes da expansão da escola primária (Arquivo do Moderno, Fundo Luigi Snozzi, Foto de Filippo Simonetti) Archivio del Moderno / Filippo Simonetti

Com seus projetos e prédios em Monte Carasso, Snozzi contribuiu significativamente para que o vilarejo recebesse o Prêmio WakkerLink externo, em 1993 – a premiação suíçaLink externo mais importante para o desenvolvimento de complexos residenciais de qualidade e alinhados ao espírito do tempo. Há 30 anos, o adensamento cauteloso, dentro da estrutura histórica da localidade, com novas edificações que atendem às necessidades dos novos tempos, já recebia elogios. Esse adensamento continua e o famoso complexo da Escola Agostiniana foi também complementado pelo próprio Snozzi, em 2009, com uma ala em rampa posicionada paralelamente à parede da igreja sobre vestígios arqueológicos.

Ruchat Exhibition
Ruchat-Roncati montando uma exposição. Città di Mendrisio/Ruchat

A arquitetura do Ticino serve de inspiração para muita gente, sendo também um destino turístico. Há uma variedade de prédios inspirados nas obras de personalidades como Luigi Snozzi e Flora Ruchat-Roncati (que também marcou a autora desse texto como professora, arquiteta e mentoraLink externo).

Há ainda a violência racionalista, às vezes mais rígida, das formas projetadas por arquitetos como Livio Vacchini (1933-2007) ou Mario Botta, para citar apenas alguns dos muitos personagens dessa geração marcante de profissionais.

Hoje, apenas poucos representantes da primeira geração de arquitetos, um dia unidos sob o conceito de “Escola do Ticino”, ainda estão vivos. Nesse ínterim, ao sul dos Alpes suíços, duas gerações de arquitetos mais jovens já ampliaram esse campo de ação e o tornaram mais diverso, embora saibam reconhecer o valor das figuras de destaque do passado. Agora, contudo, que a região já tem sua própria escola de arquitetura, muitos projetos famosos e, com isso, observadores de todo o mundo, a arquitetura do Ticino não precisa mais de um termo único para designá-la. “Somos simplesmente muitos”, diz uma jovem arquiteta da região, para quem os profissionais de sua área não podem mais ser reunidos sob um único rótulo de forma tão simples.

Sabine von Fischer é arquiteta e crítica de arquitetura. Em outubro de 2023, foi publicado, pela editora Birkhäuser, o volume “Architektur kann mehr. Von Gemeinschaft fördern bis Klimawandel entschleunigen” (A arquitetura pode mais. De apoio à comunidade à desaceleração das mudanças climáticas, em tradução livre), uma coletânea de textos de sua autoria para jornais diários.

Adaptação: Soraia Vilela

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