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Israel dribla direito internacional em Gaza?

Fumaça resultante da explosão de bombas de fósforo branco. Keystone

Israel declarou um cessar-fogo em Gaza, mas muitas questões continuam em aberto, entre elas, as denúncias de uso de bombas de fósforo branco pelo exército israelense - um assunto que causa controvérsia.

Ao anunciar um cessar-fogo unilateral, na noite deste sábado (17/1), o governo israelense acusou o Hamas de ter provocado a guerra. O Hamas declarou uma trégia, mas exige a saída de Israel de Gaza.

Depois de três semanas de guerra, com um saldo de 1.150 palestinos e 13 israelenses mortos (números não confiáveis), Israel declarou um cessar-unilateral, mas suas tropas permanecem na Faixa de Gaza. O Hamas declarou uma trégua de uma semana neste domingo, mas exige a retirada de Israel de Gaza.

O cessar-fogo ainda não significa uma paz duradoura. Muitas questões continuam em aberto, inclusive a pergunta se, diante do elevado número de vítimas civis, ocorreu ou não crime de guerra.

Durante o conflito, Israel também foi acusado de usar bombas de fósforo branco, embora garantisse que respeitava o direito internacional. De fato, essas armas não são proibidas, mas geram muita controvérsia.

“Israel usou bombas incandescentes contra a população civil de Gaza. Pelo menos uma centena de civis da região de Khan Yunis sufreu queimaduras, espasmos e sérias dificuldades respiratórias atribuídas a essas bombas”, denunciou o Centro Palestino para os Direitos Humanos, uma ONG sediada em Ramallah.

O diretor da organização, Raji Surani, explicou durante uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que “o uso de fósforo branco contra civis em áreas densamente povoadas é proibido pelo direito internacional”.

Novo napalm?



Antes do cessar-fogo declarado no sábado, a organização Human Rights Watch conclamou Israel a “cessar o uso ilegal do fósforo branco em Gaza”. Também o governo francês fez um apelo nesse sentido, solicitando “às autoridades israelenses que não utilizem essas armas devido à sua toxicidade na densamente povoada Faixa de Gaza”.

Quais armas foram realmente usadas em Gaza é uma questão a ser esclarecida. “Um ataque de fósforo branco não pode ser considerado como cirúrgico. Ele provoca queimaduras terríveis que nenhum hospital é capaz de curar”, afirma Kasra Mofarah, ex-coordenador da plataforma de organizações civis do Iraque.

Segundo peritos, o fósforo branco não pode ser comparado ao napalm usado pelos EUA na Guerra do Vietnã. “O napalm é gasolina gelatinosa (que produz uma combustão mais duradoura do que a gasolina comum. O fósforo branco não é tão perigoso, ainda que se trate de uma arma suja. Não é considerada uma arma química pelo Convênio internacional sobre estes artefatos, de modo que não está proibido. Vários atores consideram que também poderia ser considerada como tal. Quanto a isso há uma controvérsia”, explica Ludovic Monnerat, redator-chefe adjunto da Revista Militar Suíça.

Não é uma arma proibida



Oficialmente, o fósforo branco não é arma incendiária e, como tal, não está proibida pelo direito de guerra. Mas, o Protocolo sobre a Limitação ou Interdição do Emprego de Armas Incendiárias, em vigor desde 1983, regulamenta seu uso contra alvos militares e o proíbe contra alvos civis. Israel não assinou este documento, como é o caso da maioria dos países árabes.

Onde Israel obteve essa substância? “Imagino que é de fabricação própria. Ainda que pareça um paradoxo, alguns países submetidos a embargos de armas acabam desenvolvendo sua própria indústria e produzem material militar. A África do Sul e Israel transformaram-se em grandes exportadores de armas”, diz Ludovic Monnerat.

“A Suíça quase não vende armas a Israel, ao contrário do que afirmam alguns críticos. A cooperação militar com Israel beneficia principalmente a Suíça”, acrescenta.

Uso limitado



O exército israelense garante que o uso de suas armas “se inscreve no marco das fronteiras legais do direito internacional”. Mark Regev, porta-voz do primeiro-ministro Ehud Omert, disse à agência de notícias a AFP, que “essas munições usadas por Israel são simelhantes ou idênticas às usadas por todas as democracias ocidentais, incluídos os Estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)”.

“As munições de fósforo branco não são proibidas pelo direito internacional humanitário, ao contrário de outros artefatos, como as bombas de fragmentação, as minas antipessoais e as armas químicas. No entanto, sua utilização está sujeita aos princípios desse mesmo direito: é preciso distinguir entre civis e combatentes”, afirma Anyssa Bellal, da Academia de Direito Internacional Humanitário (DIH) de Genebra.

Daniel Klingele, chefe da seção de DIH do Ministério suíço das Relações Exteriores, afirma que, “quando se usa uma arma com fósforo branco em zonas densamente povoadas se deve tomar precauções especiais para reduzir ao mínimo as perdas e os feridos entre a população civil”.

Prudência do CICV



O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) mostra-se prudente quanto às acusações de uso de fósforo branco em Gaza, afirmando que primeiro é preciso verificar a veracidade dessas afirmações.

Sem se referir especificamente ao conflito em Gaza, o conselheiro jurídico do CICV, Dominique Loye, faz a seguinte observação geral. “Depende como é usado o fósforo branco. Se utilizado para produzir fumaça, é preciso tomar as precauções necessárias para que os civis não sejam feridos e, se ocorrem ferimentos, que eles não sejam desproporcionais em relação à vantagem militar obtida”, afirma.

Loye, porém, enfatiza: “Seu uso contra civis está claramente proibido. Quando são usadas contra combatentes inimigos, é preciso se assegurar de que não existam outros meios menos horríveis. Quer dizer: não se sabe se uma bomba de 500 quilos produz consequências menos graves do que queimaduras de fósforo branco…”

“O ideal é que não haja guerra”, conclui Dominique Loye. “Mas, quando ela eclode, o Direito Internacional Humanitário busca limitar os efeitos sobre a população civil, garantir o acesso aos civis, não bombardeá-los”. Seja qual for o tipo de armas.

swissinfo, Isolda Hagazzi, Infosud

O fósforo branco é um agente tóxico, e a exposição a esta substância pode ser fatal. Ele pode provocar graves queimaduras e danificar o fígado, o coração e os rins.

Os Aliados usaram bombas de fósforo branco na Segunda Guerra Mundial.

Líbano: O exército israelense reconheceu sua utilização em 2006, durante a segunda guerra do Líbano.

Iraque: Os EUA lançaram esas bombas sobre o Iraque durante a batalha de Falluja, em 2004, contra as forças rebeldes.

Pierre Razoux, autor do livro Tsahal, nova história do exército israelense e diretor de pesquisas do Colégio de Defesa da Otan, disse em entrevista ao jornal Lês Temps, que Israel tem o direito de usar bombas de fragmentação, uma vez que não ratificou o tratado internacional de interdição dessas armas, assinado por mais de cem países, em dezembro passado, em Oslo, capital da Noruega.

Uma bomba de fragmentação pode conter até 650 pequenas bombas que se dispersam por um amplo perímetro. Entre 5% e 30% delas não explodem no momento do impacto, deixando o local ‘contaminado’, pois podem continuar explodindo mais tarde.

Em 2006, o Exército israelense lançou no Líbano pelo menos 1,2 milhão destas bombas, segundo o jornal Haaretz de Israel.

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