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Microimposto: a mais recente de uma série de ambiciosas iniciativas populares

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Traders em Zurique: eles deveriam contribuir mais para as finanças públicas? Keystone / Martin Ruetschi

Uma iniciativa popular na Suíça está dando novo fôlego à antiga proposta de tributar as transações financeiras. No entanto, será que o “microimposto” conseguirá sair do papel?

Desde os anos 70, quando houve a proposição do “Imposto Tobin” sobre especulação cambial, reinvindicações por tributações financeiras em geral têm sido feitas, particularmente por parte de movimentos antiglobalização, sem que, contudo, tais pautas tenham tido um grande impacto.

Alguns países aplicam diferentes impostos sobre certos tipos de transações financeiras. A França e a Itália, por exemplo, tributam negociações de alta frequência. A Suíça, por sua vez, cobra um imposto de transferência sobre negociações de ações e títulos, quando uma das partes é um corretor de títulos suíço.

A ideia também é defendida na União Europeia: em seu último orçamento – um pacote de 1,8 trilhão de euros (1,94 trilhão de francos suíços) que contempla os próximos sete anos –, acordado no mês passado, menciona-se um possível imposto sobre transações financeiras como parte de um plano de ação para novas fontes de financiamento.

Sua defesa, entretanto, é tênue: a comissão proporá algo até 2024, diz o plano de ação, bem mais de uma década depois do surgimento da proposta. Além disso, os atuais planos da UE só têm o apoio de dez Estados membros, menos da metade dos países do bloco.

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O caso da Suíça

Na Suíça, uma iniciativa popular está propondo algo ao mesmo tempo mais limitado, na medida em que afeta apenas um país, e mais abrangente, uma vez que se trata de uma revisão radical do sistema de tributação.

A iniciativa popular sobre o “microimposto” tem como objetivo introduzir uma taxa sobre todas as transações eletrônicas online, seja ao comprar um café com cartão de débito, pagar o salário de um funcionário ou negociar bilhões de francos nos mercados financeiros.

No caso de a iniciativa ser aceita e implementada, todas essas transações seriam tributadas a 0,005% durante o primeiro ano, uma taxa que mais tarde subiria para cerca de 0,1%.

O microimposto também tem como objetivo abolir e substituir três impostos existentes: o imposto sobre o valor agregado, o imposto do selo e o imposto de renda federal. Na Suíça, os impostos federais constituem uma pequena quantia paga pelos contribuintes a cada ano; a maior parte do imposto de renda é arrecadada pelos cantões.

Essa iniciativa é diferente da proposta europeia, cujo foco é a tributação das transações financeiras na compra de ações. Por outro lado, é também diferente do conhecido “Imposto Tobin”, que tratava da especulação cambial, afirma Marc Chesney, da Universidade de Zurique.

Chesney, professor de Finanças Quantitativas, é um dos defensores da iniciativa popular junto a um comitê diversificado de profissionais de finanças, política e outras especializações. A iniciativa não é filiada a nenhum partido.

Chesney considera que, no âmbito europeu, o debate ao redor dos impostos sobre transações financeiras deve-se majoritariamente a uma questão de “comunicação”.

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Chesney é Chefe do Departamento de Bancos e Finanças da Universidade de Zurique. Keystone / Ennio Leanza

A iniciativa suíça, por sua vez, é motivada pelas noções de eficiência e progresso: ao contrário da situação em outros lugares, na Suíça não se trata de introduzir um novo imposto, afirma Chesney, e sim de “livrar-se de três impostos” e adaptar todo o sistema tributário à nova era digital.

Os promotores da iniciativa estimam que o imposto traria mais de 100 bilhões de francos por ano para o erário suíço, o que seria suficiente para substituir e compensar os outros três impostos. Além disso, permitiria que uma família de classe média com quatro pessoas economizasse aproximadamente 4 500 francos por ano.

No que diz respeito às transações na bolsa e à especulação, a iniciativa visa conter os excessos de um setor que cresceu desproporcionalmente e que agora negocia quantias gigantescas que em nada se relacionam com a economia “real”, como já havia afirmado Chesney à SWI swissinfo.ch no ano passado.

Para Chesney, que escreveu o livro A Permanent Crisis sobre os abusos do setor financeiro, essa também é uma questão democrática. A Suíça possibilita iniciativas populares como nenhum outro país.

“É inconcebível que, em países considerados democráticos, questões essenciais – sejam elas de natureza política, energética, social, econômica ou financeira – não sejam tratadas democraticamente e que, no final das contas, sejam apenas o resultado de uma decisão governamental”, escreve.

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O microimposto pode funcionar?

De uma perspectiva exclusivamente prática, a iniciativa enfrenta uma batalha.

Jean-Pierre Ghelfi, antigo vice-presidente da Comissão Federal de Bancos, escreveu que o microimposto não impediria futuros resgates de grandes bancos pelo governo. Ele também teme que as instituições financeiras simplesmente transfiram o custo do imposto para seus clientes – ou seja, os cidadãos.

O professor de Economia da Universidade de Friburgo, Reiner Eichenberger, afirma que a proposta é um absurdo e que nem os formuladores de políticas públicas nem a população jamais a aceitariam.

“O imposto não acrescentaria às finanças nacionais, porque simplesmente forçaria os investidores de alta frequência a se mudarem para outro país ou fazerem outra coisa”, diz o professor.

“Desejar frear as transações de alta frequência é uma coisa, mas isso não deve ser feito como forma de financiar o governo”, acrescenta.

De toda forma, Eichenberger afirma que a discussão é positiva, bem como a possibilidade que o sistema suíço oferece de realizá-la oficialmente. Em outros países, as pessoas reivindicam suas pautas, mas não têm a oportunidade de debatê-las seriamente, afirma. Na Suíça, mesmo que as iniciativas sejam rejeitadas, a realização do plebiscito permite que a população receba, ao menos, uma “educação política”.

A iniciativa Renda Básica Incondicional de 2016, que propunha um pagamento mensal de 2 500 francos para cada cidadão, foi um caso similar. Eichenberger afirma que a proposta era “igualmente absurda” e que as contas não batiam. No entanto, a ideia foi apresentada de forma coerente e, mesmo tendo sido rejeitada, “é melhor debater esse tipo de coisa do que assistir a séries policiais na televisão”.

Tal proposta também não foi totalmente esquecida. Ela conquistou 23% dos votos em 2016 e ainda possui seus defensores: em Zurique, foi lançada recentemente uma iniciativa municipal para dar início a um plano piloto de Renda Básica Incondicional. Dessa vez, a iniciativa partiu de políticos da esquerda, diferentemente de 2016, quando se originou de ativistas sem filiação partidária.

Efeito “catalisador”

Outra ideia semelhante, e também rejeitada, foi a iniciativa Moeda Plena, de 2018, que propunha conferir ao Banco Nacional Suíço um papel central no fornecimento de crédito.

Anja Heidelberger, pesquisadora da plataforma de informação política Année Politique Suisse, afirma que o exemplo da Moeda Plena é talvez o mais diretamente comparável ao microimposto: ambas são propostas “altamente técnicas”, em vez de emocionais, e visam uma “revisão revolucionária” do sistema, constata.

Para além de serem aprovadas, Heidelberger destaca que o principal objetivo de tais iniciativas revolucionárias, do ponto de vista da teoria democrática, é colocar em pauta ideias que de outra forma não seriam consideradas.

Enquanto algumas iniciativas têm a função de liberar pressão, como os debates acalorados sobre imigração, e outras são utilizadas como ferramenta política, como as que promovem a imagem de um partido, há ainda aquelas que funcionam como “catalisadoras” para estimular o debate, afirma a pesquisadora. O microimposto pode ser considerado desse tipo.

Assim como Eichenberger, Heidelberger considera que os eleitores são, de modo geral, muito apegados ao status quo para aceitar uma mudança tão radical, mas que eles conseguem, de fato, “ampliar a discussão”.

Se esse será o caso do microimposto depende, em primeiro lugar, de a iniciativa ser ou não votada. De acordo com Chesney, a campanha já conseguiu 40 000 assinaturas até o momento. É necessário que, no prazo de cerca de um ano, a iniciativa recolha 100 000 assinaturas para que seja aprovada uma votação.

Adaptação: Clarice Dominguez

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