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Como fazer as empresas respeitarem os direitos humanos?

Imogen Foulkes

Outra longa sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU terminou em Genebra. Os destaques, se podemos chamá-los assim, foram os relatórios específicos de cada país sobre Belarus, Síria, Mianmar e Venezuela. Em seguida, ocorreram debates sobre formas específicas de violação e discriminação: o relatório extremamente importante e muito esperado de Michelle Bachelet sobre a discriminação contra pessoas de ascendência africana pediu reparações pela escravidão, estimulando os países a abordarem seu passado colonial e o legado deixado por seus sistemas exploradores.

Mas em silêncio, longe dos holofotes da mídia, outro esforço importante da ONU na promoção dos direitos humanos celebrou o seu 10º aniversário. Em junho de 2011, o conselho de direitos humanos apoiou unanimemente um conjunto de princípios orientadores sobre negócios e direitos humanos que será encaminhado a governos, multinacionais, trabalhadores e defensores dos direitos humanos. Trata-se de um conjunto de normas que as empresas devem seguir para proteger e promover os direitos humanos e remediar abusos.

Então, o que foi alcançado nos últimos dez anos? E para onde vamos a partir daqui?

Grande poder, pouca responsabilidade?

As empresas multinacionais têm um poder enorme: às vezes, o faturamento anual da empresa é maior do que o PIB dos países em desenvolvimento onde ela está investindo. Os governos desses países almejam o investimento, querem os empregos. Não obstante, Lene Wendland, chefe da Seção de Negócios e Direitos Humanos da ONU, aponta que os princípios orientadores sugeridos devem encorajar os governos a garantir que ‘aqueles que foram prejudicados pela atividade empresarial tenham o direito de buscar reparação efetiva por meio de processos eficazes’.

Mas se os princípios orientadores não são obrigatórios, devemos considerar que as empresas os aplicarão de forma voluntária? Quem medirá a aplicação dos princípios? E como exatamente aqueles que foram prejudicados podem procurar reparações?

Arvind Ganesan, diretor da Divisão de Negócios e Direitos Humanos da Human Rights Watch, tem algumas dúvidas sobre os princípios elaborados pela ONU. Ele aponta que há dez anos, quando eles estavam sendo elaborados, alguns governos começaram a pensar em introduzir leis reais para reger o respeito às empresas pelos direitos humanos. A adoção dos princípios, segundo ele, esvaziou o ímpeto de colocar os princípios na legislação, onde seriam regulados com mais força.

Ganesan argumenta que os princípios podem muito bem cair na armadilha de tantas políticas multilaterais da ONU: os governos podem simplesmente recuar, reivindicando soberania. ‘A ONU não pode regulamentar as coisas em nível internacional que os estados ainda não concordaram em regulamentar em nível nacional’.

Maior consciência

Apesar das discordâncias, a representante da ONU e o porta-voz da ONG Human Rights Watch, concordam em um ponto: a lista de princípios, no mínimo, aumenta a consciência de como as grandes multinacionais operam e quais são suas responsabilidades, não apenas para com seus acionistas, mas para seus trabalhadores, as comunidades onde estão sediadas e o meio ambiente.

Da indústria da moda ao chocolate e café, de móveis a telefones celulares, os consumidores querem saber de onde vêm os produtos que estão comprando e as condições em que foram produzidos.

O analista Daniel Warner acredita que é uma mudança geracional que só pode ser positiva. “Acho que cada vez mais os jovens estão conscientes do que vestem, do que compram”, diz ele.

Ao mesmo tempo, a pressão por estabelecer leis reguladoras ​​não foi totalmente embora. A União Europeia está avançando no sentido de uma legislação que abordará critérios de direitos humanos obrigatórios para as empresas da UE.

Em novembro passado, na Suíça, a ‘iniciativa empresarial responsável’ chegou aos eleitores, com o objetivo de introduzir uma estrutura legal vinculativa para responsabilizar as multinacionais sediadas na Suíça por direitos humanos e abusos ambientais cometidos no exterior.

A iniciativa popular ganhou 50,7% do voto popular, mas não foi para frente porque também precisava de maioria cantonal. O resultado desapontou ativistas de direitos humanos, mas obrigou o governo a introduzir novas medidas exigindo que as empresas apresentassem relatórios sobre direitos humanos e padrões ambientais e conduzissem fiscalizações em relação ao trabalho infantil e ao abastecimento de minerais em áreas de conflito. No entanto, como os princípios orientadores da ONU, as medidas suíças não incluem uma cláusula de responsabilidade.

Então, o que vem a seguir?

Quando o Conselho de Direitos Humanos da ONU avaliou os primeiros dez anos dos princípios orientadores, os Estados membros também fizeram recomendações sobre o que deveria acontecer na próxima década. Os países reconheceram que trabalhadores e comunidades, incluindo povos indígenas, continuam sofrendo abusos causados pelos negócios de grandes empresas e que as perspectivas de proteção ou reparação são poucas e raras.

O Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos disse ao conselho que os defensores dos direitos humanos que se manifestam são frequentemente ameaçados, às vezes até atacados e mortos.

Durante a próxima década, o Grupo de Trabalho afirma que “todos os Estados devem conduzir a implementação dos Princípios Orientadores como uma das principais prioridades de governança e política. Todas as empresas – incluindo pequenas e médias empresas – precisam incluir o respeito pelos direitos humanos em sua cultura corporativa”.

Novamente, essas são recomendações, não leis. Mas os próximos dez anos podem ter mais desafios legais com base nos princípios orientadores. No ano em que os princípios comemoraram seu décimo aniversário, houve dois casos marcantes que oferecem tanto esperança quanto preocupação.

Na Holanda, um tribunal ordenou que a gigante do petróleo Royal Dutch Shell reduzisse suas emissões mais rápido do que o planejado, alegando que a empresa está violando os direitos humanos ao contribuir para o aquecimento global.

Mas nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu que os produtores de chocolate Nestlé USA e Cargill não podem ser processados ​​por escravidão infantil em fazendas africanas que lhes fornecem cacau.

Na próxima década, caberá a governos, conselhos de administração e acionistas decidir qual dessas decisões é importante para eles e, acima de tudo, provar aos trabalhadores e consumidores que valorizam os direitos humanos e o meio ambiente, pelo menos tanto quanto valorizam seus lucros.

Adaptação: Clarissa Levy

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