Quando assassinatos em grande escala são considerados genocídio?
O termo genocídio tem sido notícia recentemente, em particular em relação ao tratamento que a China dá à a população de etnia Uigur. Mas, como escreve Imogen Foulkes, a definição restritiva da palavra torna a aplicação do termo difícil.
Este conteúdo foi publicado em 08. abril 2021 - 13:30Acabamos de chegar ao fim de outra longa sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, na qual algumas situações muito graves de direitos humanos foram abordadas: Mianmar, Sudão do Sul, Síria, Coréia do Norte, Bielo-Rússia e muito mais. Nenhum país, sejamos honestos, tem um histórico perfeito de direitos humanos - quando o conselho discutiu o racismo sistêmico, ele se concentrou, com bons motivos, nos eventos recentes nos Estados Unidos. E os últimos relatórios sobre a pobreza infantil mostraram o Reino Unido sob uma luz bem pouco positiva.
Mas existem algumas violações dos direitos humanos que nos chocam profundamente, que consideramos mais sérias do que todas as outras e pelas quais a maioria de nós, pelo menos, acredita que deve haver responsabilização. O principal desses crimes é o genocídio. A própria definição do termo é assustadora: "O assassinato deliberado de um grande número de pessoas de uma determinada nação ou grupo étnico com o objetivo de destruir essa nação ou grupo."
Mas dê uma olhada novamente nessa definição. Na verdade, é bastante estreita. Um “grande número” de pessoas, de “uma determinada nação ou grupo étnico”. O termo foi introduzido pela primeira vez pelo advogado internacional Rafael Lemkin em 1944, para tentar definir o imenso crime do Holocausto, no qual ele perdeu muitos membros de sua própria família.
Em 1948, a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio foi adotada, em uma tentativa de evitar que esse horror aconteça novamente - ou, pelo menos, para garantir que aqueles que tentaram ou cometeram tais crimes seriam responsabilizados. Desde então, como me disse Paola Gaeta, professora de Direito Internacional do Instituto de Pós-Graduação de Genebra, a convenção permaneceu praticamente “inalterada”.
Genocídio ou crimes contra a humanidade?
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, decidiu em janeiro acusar (via Twitter) a China de cometer genocídio contra a comunidade Uigur em Xinjiang, colocando o termo na agenda de notícias novamente. Um mês depois, o parlamento do Canadá expressou uma opinião semelhante.
Curiosamente, os próprios grupos de direitos humanos tendem a usar o termo genocídio com moderação. Não, como Ken Roth explicou, porque os eventos em um determinado lugar não são “realmente muito ruins”, mas porque, como vimos, a definição de genocídio é bastante restritiva.
A matança de tutsis em Ruanda em 1994 pode ser considerada genocídio, por exemplo, mas o Ano Zero do Camboja não se encaixa perfeitamente. Não porque as mortes foram menos violentas ou numerosas, mas porque no Camboja a maioria das pessoas foi morta não por sua etnia, mas por causa de suas afiliações políticas ou sociais.
Quando os ex-líderes do Khmer Vermelho Nuon Chea e Khieu Samphan foram condenados por genocídio e crimes contra a humanidade, a condenação por genocídio estava relacionada à perseguição e assassinato da pequena comunidade muçulmana do Camboja, os crimes contra a humanidade foram atribuídos a todos os outros.
“As pessoas acham que, se você não chamar isso de genocídio, então não é sério, e isso é um erro”, Roth me disse.
Então, atribuímos gravidade demais ao termo genocídio e não o suficiente aos crimes contra a humanidade? Roth acredita que às vezes “vemos o genocídio como a única definição do que é realmente realmente ruim”. Paola Gaeta lembra que o genocídio ganhou o status da convenção, mas os crimes contra a humanidade não “ou pelo menos ainda não”.
Por outro lado, a convenção não gerou muitas convicções. O "objetivo de destruir" uma determinada nação ou grupo é notoriamente difícil de provar. A intenção genocida e o próprio ato de genocídio são obra de um sistema ou de uma organização, não de um indivíduo. Mas a lei, é claro, processa indivíduos. E quando esses indivíduos são levados aos tribunais, as vítimas costumam esperar anos pela justiça. O general sérvio Ratko Mladic foi finalmente condenado por genocídio em 2007, longos 12 anos após o massacre de Srebrenica.
Como Daniel Warner aponta: "Você pode identificar um indivíduo e uma cadeia de comando, [mas] é difícil levar essa pessoa à justiça".
Adaptação: Clarice Levy

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