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Proibição do crucifixo reacende velhas disputas

Escolas suíças como a de Gossau, vilarejo no cantão de St. Gallen, também utilizam crucifixos. Keystone

A sentença da Corte Europeia de Direitos Humanos contra a exposição de crucifixos em salas de aula na Itália, reacendeu um velho debate na Suíça.

No estado do Valais (sudoeste, de maioria católica), o secretário da Educação afirma ser contra a retirada dos crucifixos.

A sentença da Corte Europeia de Direitos Humanos contra a exposição de crucifixos nas escolas italianas levantou um velho debate na Suíça.

Na quarta-feira da semana passada (04/11), a corte em Estrasburgo julgou a presença de crucifixos contrária ao direito dos pais de educar seus filhos segundo suas convicções e também ao direito à liberdade de religião das crianças.

Segundo os juízes, a liberdade das crianças de não acreditar em qualquer religião se estende aos símbolos que expressam uma crença ou religião. Com isso, eles deram razão aos secularistas, que sustentam que um ensino público deve ser livre de influência religiosa.

Porém, o secretário de Educação do cantão do Valais (sudoeste da Suíça), Claude Roch, seguiu o exemplo da Itália e se opõe também ao veredito. “Sou contra o princípio da supressão lá onde os crucifixos já existem. Se um pedido semelhante chegasse à minha mesa, eu teria uma posição contrária”, declarou ao jornal Le Temps.

“Um crucifixo pendurado na parede de uma sala de aula não transgride em nada, segundo o meu ponto de vista, a liberdade de fé de um aluno não católico”, acrescentou o secretário de Educação do Valais, um estado tradicionalmente católico.

Contrariamente ao Valais, o cantão de Zurique (protestante) apoia o julgamento da corte em Estrasburgo. Robert Steinegger, da secretaria de Educação, afirmou ao jornal Tagesanzeiger que a presença de um crucifixo na escola sugere que esta seja uma instituição cristã.

Religioso ou cultural

O caso italiano foi desencadeado pela mãe de duas crianças matriculadas numa escola pública e que se opôs à presença do crucifixo nas salas de aula. A direção da escola recusou-se a atender seu pedido. Então a mãe lançou-se em uma batalha jurídica que terminou frente a uma corte administrativa italiana. Esta última não deu razão à queixosa e concluiu que o crucifixo era ao mesmo tempo um símbolo da história e da cultura italiana, ou seja, elementos da identidade nacional.

O caso chegou então à Corte Europeia de Direitos Humanos, que deu razão à mulher, provocando ao mesmo tempo uma grande polêmica na classe política italiana (com exceção dos comunistas).

O Vaticano mostrou-se indignado com a decisão. “Eu digo que esta Europa do terceiro milênio deixa somente as abóboras das festas de Halloween (antes de 1º de novembro) e nos tira os símbolos mais sagrados. Esta é, verdadeiramente, uma perda”, afirmou o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone, na última quarta-feira (4/11).

O caso Cadro

Num caso disputado no cantão do Tecino (sul da Suíça), em 1990, o Tribunal Federal decidiu que pendurar um crucifixo na sala de aula de uma escola primária do município de Cadro era uma violação à neutralidade religiosa do ensino. “O Estado é obrigado a ser neutro do ponto de vista confessional em escolas estatais”, argumentaram os juízes.

O tribunal concluiu que o Estado não deveria ofender as sensibilidades religiosas dos alunos ou de seus pais. Além disso, o Tribunal Federal havia julgado que não seria possível excluir que certas pessoas se sentissem ofendidas na sua convicção religiosa pela presença constante de um símbolo pertencente a outra religião.

Em outras palavras, o professor do Tecino que havia feito a queixa ganhou a causa na justiça. Mas esse princípio, estabelecido para as escolas primárias, não se concretizou no desaparecimento de todos os crucifixos das escolas públicas nas regiões católicas. De fato, a situação pouco ou nada mudou.

“Enquanto ninguém reclamar, não há problemas”, comenta Etienne Grisel, professor de Direito na Universidade de Lausanne.

“O caso no Tecino era isolado e não se repetiu mais. É por isso que lá, onde os crucifixos ainda estão visíveis, ainda não há necessariamente problema. Aparentemente, as pessoas não reclamam. É difícil explicar o porquê, mas é assim.”

Etienne Grisel acrescenta que o caso da utilização do véu islâmico por professores havia sido tratado de maneira similar pelo Tribunal Federal.

Tradição mista

Uma das grandes diferenças entre a Itália e a Suíça é que esta tem uma população composta tanto por católicos como por protestantes. E nenhuma das duas igrejas tem um status especial no Estado.

Debates recentes sobre símbolos religiosos envolvem muito mais a terceira comunidade religiosa do país dos Alpes: os muçulmanos.

A batalha do crucifixo e o plebiscito de 29 de novembro sobre a proibição da construção de minaretes: Felix Gmür, secretário-geral da Conferência Suíça de Bispos, faz uma comparação.

“A propósito da iniciativa sobre os minaretes, nós recebemos inúmeras cartas de pessoas que afirmavam ser o nosso país cristão. Mas será que isso significa ser um país cristão se os símbolos não são visíveis?”.

“Nós não deveríamos nos sentir ofendidos por esses símbolos que são sagrados para algumas pessoas. Na Suíça, a tradição cristã está se tornando invisível. Se os eleitores votam contra os minaretes, a próxima etapa será relativa aos símbolos cristãos”, acrescenta Gmür.

Visibilidade

Do seu lado, Simon Weber, porta-voz da Federação das Igrejas Protestantes da Suíça, não teme o desaparecimento público dos símbolos cristãos. “Não temos nenhuma preocupação nessa área. Dispomos ainda suficientemente de igrejas que testemunham a nossa presença e não é a qualidade dos objetos ou edifícios que irá mudar isso. Trata-se de um caso de trabalho e da presença da Igreja.”

Ele observa que a questão dos símbolos religiosos trata unicamente das escolas de regiões católicas, pois a tradição protestante recusa exibir esses símbolos. Para Simon Weber, tudo vai na boa direção enquanto não houver nem interdição ou obrigação de expor esse tipo de símbolo no espaço público.

“A grande vantagem do nosso sistema é que esse tipo de problema pode ser regulamentado de maneira local e não nacional, como é o caso na Itália e na maior parte dos outros países”, conclui.

Care O’Dea, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

Católicos romanos: 41,8%

Igrejas protestantes oficiais: 33%

Ortodoxos: 1,8%

Judaísmo: 0,2%

Islã: 4,3%

Budismo: 0,3%

Sem religião: 11,1%

(fonte: censo de 2000)

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