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Um mergulho na religiosidade do Nordeste

José Araújo, diretor de "As tentações do Irmão Sebastião". swissinfo.ch

O filme As Tentações do Irmão Sebastião, projetado no festival suíço de Friburgo trouxe uma assinatura respeitada, a de José Araújo.

O longa em competição foi, porém, apreciado apenas por parte do público…

A inclusão desse filme de José Araújo entre os 10 que concorreram a prêmios despertou interesse e expectativa entre os apreciadores de um Festival voltado para cinematografias de países emergentes que escapem das trilhas rotineiras de Hollywood.

A razão é simples: o cineasta chegou com o prestígio que lhe conferiu o bastante premiado O Sertão das Memórias – singular e sólido longa, preto-e-branco de 1997, rodado com poucos recursos – relato de uma viagem alegórica em pleno Sertão (onde, como se sabe, tradições e costumes antigos permanecem arraigados); relato de uma viagem com uma profusão de referências bíblicas.

Em As Tentações…, que naturalmente escapa aos padrões hollywoodianos, a religião está de volta, lembrando que a religiosidade atinge profundamente o nordestino.

No filme, o protagonista – irmão Sebastião, noviço de uma congregação religiosa– está, de fato, marcado pelo sincretismo religioso: a herança dos primeiros tempos do Cristianismo mesclada a duas influências brasileiras, aportadas
pelos negros e pelos indígenas.

O trambolho da sexualidade

Sebastião sintetiza as três religiosidades e tem como modelo o santo do mesmo nome, porque São Sebastião simboliza a bravura e a compreensão pelo pecado.

Entende-se: o noviço vive torturado pelo peso da consciência porque, além de ter sofrido de abuso sexual na infância, não consegue superar uma irresistível atração por um colega andrógino.

“Esse Sebastião nordestino carrega a culpa milenar da sexualidade”, diz o realizador José Araújo. E como todo católico ele está confrontado a um desafio incontornável: “transformar a sexualidade em redenção”.

Quando ainda têm influência, lembra o cineasta, as igrejas continuam transmitindo a mensagem de que o sexo é mal, é culpa. Como lidar, então, com essa herança? Por fora, as pessoas refletem uma imagem de bem-estar. Por dentro, “é uma outra história”.

O filme é um processo de confissão, realça Araújo. A solução é assumir a sexualidade, aceitar o passado, “para viver em paz com aquilo”.

Crítico decepcionado

O longa de José Araújo está bem na tônica do Festival Internacional de Filmes de Friburgo. Mas o recado do cineasta parece ter sido indigesto para uma parte do público europeu que não manifestou entusiasmo pela obra.

Um dos jornalistas do principal jornal da cidade, o La Liberté até expressou irritação com esse filme em concurso. Achou “o resultado confuso, obscuro, maçante”, chegando a questionar a escolha do filme para a competição?

Mas se dá um desconto: é talvez difícil para um europeu entender a complexa realidade socio-cultural brasileira. É opinião de uma pessoa e serve para alimentar o debate.

A cineasta suíça, Dominique de Rivaz, achou o filme corajoso, mas modera o entusiasmo quando afirma: “O que é colocado no início não evolui”. Ela questiona, por exemplo, também a maneira como são utilizadas certas personagens alegóricas como o Diabo, achando que se lança mão de uma idéia um tanto banal, de um estereótipo.

Considera ainda a violência física difícil de suportar, acrescentando que “o personagem é levado pelo delírio”.

Mas adorou o fim “quando o padre parte com a moto preta” realçando a fase de redenção.

O próximo será sobre a “Santería”

A critica de que o filme é repetitivo era freqüente no Festival. Mas rebatendo a crítica do jornalista do La Liberté, Martial Knaebel, diretor artístico do Festival Internacional de Friburgo diz que “os jornalistas escrevem o que querem. E nós selecionamos os filmes que queremos”.

Knaebel acha que se deve aprender a olhar as obras de diferentes ângulos. “O filme fala do mundo de maneira muito expressionista e forte. Pode-se não concordar com isso nem com a violência mostrada. Mas é uma expressão de autor que considerei original, merecendo participar da competição”.

Resta que antes de qualquer julgamento categórico, vale esperar o próximo filme de José Araújo. Ele projeta realizar um documentário experimental, com utilização de atores, sobre a Santería – manifestação afro-caribenha – tal como ela se manifesta em Nova York.

O cineasta não foge de sua temática predileta porque a Santería é definida como “resultado do sincretismo de religiões africanas com elementos do catolicismo”…

swissinfo, J.Gabriel Barbosa, de Friburgo

– José Araújo, 54 anos, natural de Miraíma, no Ceará, competiu em Friburgo com o longa “As Tentações do Irmão Sebastião” em que um noviço revela uma consciência dilacerada entre o apelo da carne e o desejo de perfeição.

– Compreende-se, é difícil conciliar uma mescla de catolicismo dos primeiros tempos e o aporte da religiosidade dos negros e indígenas.

– O filme dividiu o público, mas alimentou um debate sempre atual porque toca o foro interno de todos os indivíduos…

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