Escândalos na compensação de carbono colocam Suíça no centro das atenções
A COP28, cúpula ambiental da ONU, começa nesta quinta-feira (30) em Dubai e os países já estão sob pressão para intensificar os compromissos no corte das emissões de carbono. A conferência começa enquanto o esquema de compensações de carbono está sob investigação, o que pressiona a Suíça a rever sua estratégia para o clima.
Mais de 190 países iniciam hoje (30.11) as negociações anuais sobre o clima das Nações Unidas em Dubai. Este é o mais recente esforço para controlar as emissões globais e fornecer apoio aos países mais vulneráveis.
No final do que se espera ser o ano mais quente já registrado na Terra, e com os alertas científicos de mais efeitos climáticos por vir, eles precisarão encontrar maneiras de colocar a Terra no caminho certo para alcançar as metas climáticas acordadas.
Depois que o presidente da COP28 e diretor-executivo da empresa de petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), Sultan Al Jaber, abrir a conferência de duas semanas, os países vão avaliar os resultados do primeiro relatório Global Stocktake sobre o impacto das promessas nacionais de corte de carbono no combate às mudanças climáticas. Eles terão então que definir estratégias para manter os esforços internacionais alinhados com o objetivo de manter o aumento da temperatura da Terra até +1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Com o relatórioLink externo publicado em setembro, mostrando que os países fizeram progressos insuficientes na redução das emissões de carbono, Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para Mudanças Climáticas, enfatizou que “a COP28 deve ser um claro ponto de inflexão. Os governos devem não apenas concordar que ações climáticas mais fortes serão tomadas, mas também mostrar exatamente como realizá-las.”
O novo negociador suíço
Em meio a desafios, Felix Wertli, o novo embaixador da Suíça para o clima, disse a jornalistas em Berna antes da conferência que o principal objetivo da delegação suíça na COP28 era pressionar por mais ambição para que os países se mantenham dentro do limite de 1,5°C.
Ele disse que encontrar uma estratégia para abandonar os combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, impulsionar estratégias para energias renováveis e eficiência energética são fundamentais. Wertli acrescentou que também é importante que os maiores emissores, muitos dos quais incluem países classificados pela ONU como em desenvolvimento, mas ricos em termos de PIB absoluto, como a China e os países do Golfo, contribuam financeiramente para apoiar outros países em desenvolvimento que se encontram na linha de frente de impactos climáticos severos.
Relatórios da ONU mostraram que o financiamento para o clima dos países desenvolvidos direcionado aos países em desenvolvimento tem sido insuficiente, não atingindo a meta de US$ 100 bilhões por ano. Um fundo de perdas e danos, acordado há um ano, para ajudar a compensar os países mais pobres e vulneráveis ao clima pelos efeitos da crise climática, também deve ser discutido em Dubai, depois que um acordo para manter o fundo no Banco Mundial foi alcançado este mês.
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“Há muito que podemos fazer, em relação a investimentos para mudar as fontes de energia. É uma oportunidade. O IPCC fornece opções políticas para manter 1,5°C ao alcance”, disse Wertli. O IPCC, ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, concluiu este ano sua mais recente série de relatórios científicos sobre o estado do clima na Terra, incluindo seus oceanos e atmosfera, que inclui uma série de recomendações.
Wertli substitui Franz Perrez, que era o negociador climático do país desde 2010. Sua nomeação ocorreu poucos meses depois que Albert Rösti assumiu o cargo de ministro suíço do Meio Ambiente. Rösti pertence ao Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), e fez lobby contra a lei climática do país
O embaixador garantiu que a Suíça não mudará suas prioridades dentro das negociações climáticas como resultado do novo chefe do Ministério. A Suíça continuará a presidir o Grupo de Integridade Ambiental (GIA), um grupo de negociação que também inclui Geórgia, Liechtenstein, México, Mônaco e Coreia do Sul.
Como reduzir as emissões
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os esforços que os países terão que fazer serão substanciais. Em 20 de novembro, o Pnuma afirmou que os países terão que reduzir as emissões em 42% até 2030 para evitar a atual trajetória de aumento das temperaturas de 2,5°C a 2,9°C até aquela data.
Além de pressionar por mais cortes no uso e na produção de combustíveis fósseis, uma questão que permaneceu sem solução nas negociações climáticas foram regras claras sobre compensação de carbono.
Esses mecanismos, que podem incluir a preservação de florestas e o plantio de árvores e são amplamente usados pelas empresas para ajudá-las a cumprir suas metas climáticas, estão sob investigação pelos métodos usados para calcular as emissões que compensam. O acordo do clima de Paris, assinado em 2015, especifica dois tipos de compensações. O artigo 6 refere-se tanto aos acordos entre governos para cooperar na compensação de emissões por meio do apoio a projetos sustentáveis em países em desenvolvimento que, de outra forma, não teriam ocorrido, quanto ao mercado “voluntário” de carbono.
A Suíça foi pioneira ao concluir acordos bilaterais com vários países da América Latina, África e Ásia, enquanto fazia campanha na cúpula do clima em 2021, realizada em Glasgow, por mais detalhes sobre como os acordos de compensação deveriam ser implementados.
Relatórios da ONU dizem que é preciso fazer mais
Em novembro, um relatórioLink externo conjunto publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e vários centros de pesquisa destacou a dissonância entre as promessas climáticas nacionais declaradas (conhecidas como contribuições nacionalmente determinadas, ou CNDs) e as políticas nacionais. O relatório diz que os principais países produtores de combustíveis fósseis, incluindo os Emirados Árabes Unidos, planejam produzir mais petróleo, gás e carvão em 2030 do que agora.
A Organização Meteorológica Mundial, por sua vez, informou que as emissões de gases de efeito estufa, incluindo CO2, metano e óxido nitroso, responsáveis pelo aquecimento global, atingiram novos recordesLink externo em 2022, poucos dias depois de dizer que o aumento da temperatura este ano já estava perigosamente perto do limite de 1,5°C. A agência da ONU previu que é “mais provável do que não” que o limite seja ultrapassado dentro de cinco anos.
Apesar das crescentes críticas sobre o efeito das compensações para limitar as emissões, Wertli disse que as medidas incluídas nos acordos bilaterais incluem “salvaguardas suficientes”. Ele disse que isso inclui evitar a dupla contagem do impacto que os projetos têm na prevenção das emissões de carbono.
Compensando os problemas
Seus comentários vêm na esteira de relatórios recentes que apontamLink externo à reivindicações exageradas envolvendo a firma desenvolvedora de compensação de carbono South Pole, com sede na Suíça. Isso agravou as preocupações sobre soluções de compensação baseadas no mercado.
Verra, o maior sistema padrão de carbono do mundo, com o qual a South Pole também trabalhou, teria emitido mais de um bilhão de créditosLink externo, o equivalente a um bilhão de toneladas de CO2, 90% dos quais eram “fantasmas” ou em grande parte sem valor. Verra disse que as reportagens sobre a empresa estão “equivocadas”, enquanto a South Pole cortou laços com um grande projeto de compensação no Zimbábue que está no centro do escândalo e contesta as alegações.
Críticos dizem que empresas e países podem depender muito dos créditos gerados pelo sistema. “Toda a premissa da compensação é que você pode continuar os negócios como de costume e pagar pelo crédito que é gerado em outro lugar. É uma premissa falha”, disse Erika Lennon, advogada sênior do Centro de Direito Ambiental Internacional (CDAI).
“O que o clima precisa é de reduções rápidas de emissões agora, em toda a linha de combustíveis fósseis, e não continuar emitindo com base na noção de que podemos comprar um crédito de redução de emissões de alguma atividade em outro lugar”, disse ela, acrescentando que países e empresas também podem fornecer financiamento a países em desenvolvimento para projetos de melhoramento e adaptação.
No início deste ano, a Net-Zero Asset Owner AllianceLink externo, convocada pela ONU, proibiu seus membros, que incluem grandes proprietários de ativos, como fundos de pensão e seguradoras, incluindo a Swiss Re, de usar esquemas de compensação de carbono para atingir suas metas de corte de emissões até 2030.
Nas últimas semanas antes da COP28, um órgão de supervisão da ONU responsável por monitorar um mecanismo para créditos de carbono, enviou recomendaçõesLink externo de orientação sobre remoções de carbono e metodologias de mecanismo, para aprovação nas negociações, um ano depois de serem esperadas para fazê-lo.
Lennon continua relutante em relação às compensações. “Você não está reduzindo nada e não está ficando abaixo de 1,5°C. Não está tomando a ação que precisamos.”
Patrick Hofstetter, chefe de política climática e energética do World Wide Fund for Nature (WWF) na Suíça, e fará parte da equipe de negociação suíça mais ampla em Dubai. Segundo ele, na Suíça, o esquema do governo precisaria de uma “verificação da realidade”.
Ele sinalizou que a Fundação Klik, responsável por financiar as compensações acordadas bilateralmente, está, por sua própria admissão, atrasada em ajudar o país, de acordo com a lei, a atingir suas metas climáticas e reduzir as emissões em pelo menos 50% até 2030.
O governo, segundo ele, terá que se mobilizar financeiramente para ajudar a preencher a lacuna. “Compreensivelmente, com relatos de projetos falhos em relação a mercados voluntários de carbono, alguns cuidados devem ser tomados antes de se concordar com um projeto”, alertou.
No entanto, ele disse que, apesar da má impressão gerada por se ter um grande produtor de petróleo e gás sediando as negociações climáticas, alguns sinais positivos antes da COP podem estar à vista.
Ele citou as recentes conversas entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e Xi Jinping na cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico sobre cooperação em questões climáticas, bem como a possibilidade de que Al Jaber, como representante do bloco de países produtores de petróleo da Opep, possa pressionar a Arábia Saudita “a não fazer desta conferência um desastre, pois os sauditas podem estar mais dispostos a concordar do que o que de seria o caso se esta conferência estivesse ocorrendo fora de uma País da OPEP.”
“Isso pode criar uma situação interessante”, acrescentou.
Edição: Virginie Mangin
Adaptação: DvSperling
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