Perspectivas suíças em 10 idiomas

Estrangeiros não precisam falar Züritüütsch

O falecido compositor bernês Mani Matter só cantava em "bernês", o dialeto suíço-alemão falado em Berna. swissinfo.ch

Para muitos imigrantes recém-chegados ou já vivendo há alguns anos na Suíça, aprender o suíço-alemão é uma das maiores barreiras à integração.

Alguns assistentes sociais, pedagogos e professores debatem o problema e chegam a uma simples conclusão: o ideal é aprender primeiro o “bom” alemão.

“I bi mid äm Velo uuf Bärn gfahrä!”. Essa frase, quase indecifrável, é repetida dezenas de vezes pelos alunos do curso de suíço-alemão da Escola Popular de Berna à impaciente professora. Seu rosto cerrado mostra que ela não está satisfeita com o resultado, sobretudo o sonoro. No chamado “bom alemão” – a versão culta da língua de Goethe, mais falado ao norte da Alemanha e, sobretudo, na região de Hannover – a pronúncia é bem mais fácil para os que dominam o idioma: – “Ich bin mit dem Fahrrad nach Bern gefahren”. Traduzindo: “Fui de bicicleta à Berna.”

Aprender o dialeto é um desafio não apenas para imigrantes, mas também para os suíços francófonos ou italófonos. Como imitar a pronúncia gutural dos termos utilizados apenas regionalmente? Como dizer ao garçom no restaurante em Berna – “Grüessech, i hät gärn e Stange” (tradução: “Salve, eu gostaria de um chopp”) -sem que ele se vire indignado ou abra os olhos incrédulos, como se o cliente tivesse falado suaíli?

Schwyzerdütsch, Schwizerdütsch ou Schwiizertüütsch são as diferentes denominações para o dialeto falado por mais de dois terços (63,7% em 2000) da população suíça. Porém, na verdade, trata-se de uma expressão abstrata: em cada cantão ou região existe uma variação diferente do dialeto. Em Berna é o Bärndütsch, em Zurique o Züritüütsch ou no estado do Valais, o Walliserdeutsch, sem esquecer que mesmo lá, cada vale tem a sua própria versão, muitas vezes incompreensíveis para suíços de outros estados.

Para discutir essa situação quase “babilônica”, pedagogos, assistentes sociais e professores de línguas e outros interessados reuniram-se em meados de outubro em um seminário intitulado “Hochdeutsch, bitte!” (t: “Por favor, o alto alemão!”), realizado pela Academia Paulus, instituição ligada à Igreja católica. Para os 60 presentes, o objetivo era debater a integração de estrangeiros através do aprendizado dos idiomas nacionais e o desafio do dialeto.

Obrigação de aprender o idioma

“Eu prefiro falar o suíço-alemão do que o alemão, pois posso cometer erros e todo mundo me compreende”, responde Koca-Kasan. A imigrante turca de 36 anos e membro do Partido Democrata Cristão na Basiléia não esconde de ninguém que aprendeu o dialeto na rua. Ela chegou aos 15 anos no país, casou-se e teve quatro filhos. Sua maior preocupação era compreender os problemas levantados nas reuniões da escola e outros empecilhos burocráticos do dia-a-dia.

“Porém hoje sou da opinião que o Estado deveria oferecer instrumentos como cursos gratuitos de alemão e também com guarda de crianças para possibilitar aos imigrantes, sobretudo mulheres, de aprender o idioma do país onde vivem”, explica a eloqüente política que, apesar de pertencer a uma agremiação cristã, é muçulmana.

Já Sivaganesan Rupan, 27 anos, deputado cantonal de Zug, prefere soluções mais drásticas. Filho de imigrantes do Sri-Lanka, o jovem político da Lista Alternativa chegou apenas em 1996 na Suíça e conseguiu em poucos anos aprender o alemão e completar uma formação como técnico em impressão. Dentre as propostas que já apresentou e foram aprovadas, uma é considerada radical: estrangeiros que vivem há mais de dez anos no cantão e querem ter um visto permanente precisam provar que dominam o alemão.

“Para mim isso não é uma questão de saber se é possível ou não, mas sim de obrigação, uma obrigação que traz liberdade ao estrangeiro”, defende Rupan, lembrando que o estado organiza diversos cursos do idioma, mas que muitos terminam sendo cancelados por falta de interesse. Para ele, o aprendizado do dialeto suíço-alemão não é necessário. “O mais importante é a pessoa conseguir entender os comunicados enviados pelo governo, que são escritos em alemão culto, ou poder se expressar em situações como nos serviços de apoio ao desempregado”, exemplifica.

Intelectuais protestam

“Não dá para escrever o alemão escrito”, retruca veementemente Guy Krneta. O escritor e dramaturgo bernês refere-se à expressão “Schriftdeutsch” (t.: alemão escrito), também muito empregada pelos suíços para denominar o alemão culto. “Ela é uma contradição em si, pois não se fala um idioma escrito, não é verdade?”, ironisa.

Para ele, o relacionamento complicado entre o dialeto e a língua falada no norte é uma questão de liberdade. “Aprendemos o chamado ‘bom alemão’ através da televisão e, como um idioma culto, na escola. Já o dialeto é a nossa língua de liberdade, aquela que falamos nas ruas”, explica. “O resultado é que existe um idioma, o ‘bom alemão’, que é cheio de regras e no qual cometemos muitos erros de ortografia, que nos dá até medo até de escrever. No dialeto eu posso me exprimir como estou me sentindo.”

Guy Krneta defende uma igualação dos dois idiomas. “Por que não valorizar o dialeto? O alemão é um idioma aberto, ainda novo e que se movimenta. Novas palavras surgem e desaparecem. A união dos dois é que traz a riqueza verbal da língua.”

A prova desta união talvez esteja na figura do escritor e cineasta curdo Yusuf Yesilöz, um dos palestrantes no seminário. Ao chegar à Suíça em 1987 como exilado político, ele iniciou uma carreira intelectual escrevendo romances premiados em alemão. A decisão pelo idioma estrangeiro foi pragmática. “Na Turquia estávamos proibidos de aprender o curdo nas escolas, assim decidi optar pelo idioma do país onde escolhi viver, o alemão.”

Yesilöz concorda com Guy Krneta quando este fala da transcendência dos idiomas e dialetos. “Talvez o fato de ter pensar as minhas histórias em curdo e traduzi-las para o alemão tragam tantas figuras de imagens que surpreendem o meu público. Acho que nesse sentido, existe de fato uma união de diferentes idiomas. É como cavalgar um cavalo selvagem.”

Visão pragmática

Outros palestrantes têm uma visão menos romântica do conflito entre dialeto e língua culta. Para eles, o fundamental é que o imigrante tenha instrumentos que permitam a comunicação.

Christof Meier, delegado de Integração da Cidade de Zurique, lembra o caso dos portugueses, uma população crescente mas com grandes problemas de integração. “No geral não temos problemas com os portugueses. Eles não chamam atenção pelo seu comportamento social ou nas taxas de criminalidade. Mas o fato é que eles são o grupo com os piores resultados escolares e os maiores déficits no aprendizado do alemão.”

Questionado sobre as causas, Meier procura até na história do país. “São várias. Uma é o fato da maioria dos imigrantes portugueses achar que irá retornar um dia à Portugal. Isso tira deles o incentivo de aprender o alemão e se integrar. Além disso, muitos trabalham em profissões onde se fala pouco alemão, como a construção civil ou operário de fábricas. O terceiro fato é que muitos deles também têm más experiências com o ensino devido à ditadura em Portugal. E para piorar, a maioria que vem para cá tem um nível educacional muito baixo”, reflete Meier.

Julia Morais, delegada de Integração do estado de Zurique, uma alemã que já foi casada com um português, concorda com o colega. Ela é uma grande defensora da proposta de obrigar o uso do alemão culto já a partir do jardim de infância, uma proposta lançada nos últimos anos e vista com muito ceticismo pelos educadores suíços.

“Muitos suíços têm um grande medo de perda da identidade se as crianças aprenderem o bom alemão já no jardim de infância. Eu acho que isso seria um grande impulso inicial para filhos de imigrantes, geralmente famílias de baixo nível educacional e com poucas possibilidades de apoiar suas crianças em casa”, afirma. “Assim essas crianças não seriam confrontadas com o aprendizado de um novo idioma quando entrarem na escola, o alemão culto.”

Julia, também imigrante na Suíça, vê com bom humor o conflito linguístico. “Muitos suíços costumam dizer que não podem comunicar seus sentimentos através do bom alemão. Eu, que não falo dialeto, nunca tive problemas para encontrar uma palavra e dizer o que sinto. O suíço-alemão e o alemão são idiomas tão ricos, que sempre permitem você dar um jeitinho.”

swissinfo, Alexander Thoele

86,5% da população permanente de estrangeiros na Suíça têm a nacionalidade de um Estado europeu. Mais da metade é de um dos países da União Européia ou do EFTA. O grupo maior é o de italianos (18,2%), seguido pelos alemães (12,7%), Sérvia e Montenegro (11,7%), Portugal (11,4%).
A parte de estrangeiros não originários da Europa aumentou de 7% (1980) para 13,4% (2007).

População estrangeira na Suíça em relação à população total (7.593.500 mil pessoas em 2007).

Itália: 18,2%
Alemanha: 12,7%
Sérvia e Montenegro: 11,7%
Portugal: 11,4%
Ásia, Oceania e apátridas: 6,1%
França: 4,9%
Turquia: 4,6%
Espanha: 4,1%
América: 4,1%
África: 3,2%

Cursos de suíço-alemão são oferecidos nas universidades, escolas populares, escolas da rede Migros (supermercados) e em outras instituições no país.

As escolas populares (Volkshochschule) da Basiléia, Berna, Bienne, Jura e Grenchen oferecem cursos de dialeto.

A Escola Popular de Berna oferece um curso intensivo: 6 horas de Berndeutsch (a versão do dialeto em Berna) na hora do almoço.

As escolas da rede Migros oferecem há 30 anos cursos de suíço-alemão. No total, existem 112 cursos na Suíça, sendo que 24 são de nível avançado.

Na Suíça francesa existem 34 cursos.

Entre 2006 e 2007, a oferta de cursos de suíço-alemão na rede Migros aumentou em 30%. A oferta é maior sobretudo em metrópoles como Zurique, Basiléia e Berna, onde trabalham a maioria dos imigrantes.

O Migros em Zurique planeja inclusive a criação de um bonde “Suíço-alemão” para funcionar durante o almoço. A viagem dura 70 minutos e inclui almoço e curso de dialeto.

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