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Guerreiros das sementes lutam contra fome mundial

Cientistas do Banco Nacional Queniano Genético selecionam sementes para serem enviadas a Svalbard. ican films

Enquanto violentos protestos por comida voltam a eclodir na África, um documentário suíço pergunta como a humanidade poderá ser alimentada em poucas décadas, quando o aquecimento global começa a provocar fortes quedas na produção de alimentos.

Mirjam von Arx, codiretora de “Guerreiros das sementes”, fala à swissinfo.ch sobre os desafios e soluções possíveis, focalizando no trabalho do Armazém Global de Sementes Svalbard próximo ao Polo Norte.

O filme começa com uma extravagante sequencia de três mulheres cientistas dançando – dança no Polo? – na neve com uniforme completo de laboratório.

Depois de despertar a atenção do espectador, o resto do documentário em inglês alterna entre o chamado “Armazém do Juízo Final” – uma espécie de centro jardineiro apocalíptico – e os campos áridos do Quênia.

Cientistas agrícolas e climatologistas discutem a contribuição do armazém no combate contra a fome, assim como o melhoramento de plantas a ser feito nos próprios países para evitar a fome em massa.

“Guerreiros de sementes” acaba de ser lançado no circuito de cinema da Suíça e será distribuído também no formato de DVD a partir de nove de dezembro (veja o trailer em inglês à direita).

O documentário é instigante e evita o alarmismo ou a profusão de estatísticas, tão comuns em muitos filmes de fundo ecológico. Porém ele dá voz ao sofrimento em que vivem atualmente muitos agricultores africanos.

swissinfo.ch: Como vocês tiveram a ideia de realizar o filme?

Mirjam von Arx: Katharina von Flotow (roteirista e codiretora) chegou a esse tema quando estava realizando um documentário sobre Darwin. Quando foi anunciado que iriam construir um armazém de sementes em Svalbard (n.r.: território ártico norueguês), houve muita discussão entre cientistas se esse plano seria um sonho utópico ou algo completamente sem sentido – uma solução ou uma pá de cal de políticos que querem se mostrar apresentando uma solução.

Eu venho de uma área completamente diferente, mas penso que seria uma boa ideia se houver uma cooperação entre países para solucionar esse problema global – não apenas em uma base internacional, mas também dentro das várias disciplinas científicas – que poderia também ajudar a resolver outras questões.

swissinfo.ch: Os “guerreiros das sementes” são então cientistas?

M. v A.: Sim. Originalmente o título seria “A guerra das sementes”, mas pensamos que iríamos falar mais de pessoas, os cientistas. Existem muitos outros guerreiros das sementes através do globo, nas ONGs e por aí vai. Aos meus olhos você também já seria um guerreiro das sementes se tivesse plantado alguma coisa na varanda de casa…

Mas se você levar em consideração quantas pessoas estão morrendo de fome, então falamos de guerra. E quando você pensar o que irá ocorrer em dez, vinte anos, quando as mudanças climáticas começaram realmente a provocar fortes mudanças como a falta de água ou fertilizantes, prefiro até nem imaginar no que irá acontecer.

swissinfo.ch: Você parece uma pessoa preocupada com as sementes…

M. v A.: Essa questão é uma bomba-relógio. Às vezes você pensa “Deus, será que isso pode ser solucionado?” Se cientistas e políticos não podem fazê-lo juntos, então não vejo como nós poderemos vencer.

Finalmente, se a crise alimentar atingir países que são instáveis, então isso afetará todos nós – não apenas, pois suas populações vão querer vir à Suíça ou outro lugar, mas também pelo fato da economia ter se tornado global. Enquanto quisermos trabalhar de forma global, devemos nos preocupar verdadeiramente com essa questão.

swissinfo.ch: O mundo pode viver sem ursos polares, mas não sem comida. Por que esse tema não chama mais atenção?

M. v A.: Se você mostrar um animal fofinho, todo mundo pensa no “pobre animal”. Se você mostra plantas que estão secando, isso não tem o mesmo efeito emocional. É parte do problema.

Mas políticos se preocupam com soluções à curto prazo – eles querem ser eleitos em um par de anos. Muitos poucos irão trabalhar em prol de uma solução, que frutificará quando eles já tiverem desaparecido há muitos anos.

swissinfo.ch: Existe uma teoria da conspiração que Bill Gates estaria planejando de encher esse armazém e depois destruir o resto das sementes do planeta como um vilão nos filmes de James Bond…

M. v A.: Sempre me surpreendo com as teorias que as pessoas inventam. É verdade que a Fundação Bill e Melinda Gates colocou muito dinheiro nesse projeto, mas também fazem muito pela preservação. Ela contribuiu para o armazém de sementes, mas também companhias como a Monsanto ou a Syngenta o fizeram, apesar delas não terem colocado suas sementes no espaço em Svalbard (n.r.: que só aceita sementes não geneticamente modificadas). Não vejo mal nisso – eles contribuir com alguma coisa. Penso que eles devem dar mesmo dinheiro.

swissinfo.ch: Não seria “Guerreiros de sementes” dois documentários separados e que foram fundidos em um só?

M. v A.: Não concordo, pois se você não ver os problemas enfrentados por um banco genético na África, não entenderá porque Svalbard é tão necessário. Para mim era muito importante de justapor a realidade e o fato de você tanto necessitar desse maldito armazém gigantesco.

O armazém é basicamente um gigantesco cofre de banco. Os bancos nacionais genéticos devem saber o que eles estão enviando para lá. O ideal é que essas sementes estejam caracterizadas, o que permite então de saber que determinada cultura tem genes que seriam bons de ser cruzados para reforçar a tolerância da planta ao calor ou outros fatores. Se os proprietários das sementes não fizerem isso, nada irá acontecer. Por isso eles têm uma grande responsabilidade e nós precisamos entendê-los.

É um primeiro passo muito importante. Para muitos bancos africanos e asiáticos de sementes, é importante de ter essa espécie de “back-up”. Mas isso afinal não irá nos alimentar – ainda há muito que fazer nos países de onde vêm as culturas. Eles precisam estar mais preparados e isso envolve finanças.

swissinfo.ch: Como você balança entre informar a audiência e chocá-la?

M. v A.: Acho que você pode justificar as duas abordagens, mas o que realmente queríamos fazer era mostrar soluções. Nós temos todos esses cientistas explicando o que pode e deve ser feito – não é definitivamente dizer “que estamos todos condenados”.

O problema é tempo e dinheiro: se não o fizermos agora, em vinte e trinta será tarde demais. Financeiramente é quase ridículo como é pouco o dinheiro necessário para fazer as coisas andarem. Mas é incrivelmente difícil de realizar aquilo que foi dito e incentivar os governos a colaborar.

Sou cautelosamente otimista. Não estou segura que podemos confiar nos seres humanos para fazer o que é correto, mas penso que existe uma solução. Se formos derrotados, é porque somos estúpidos demais e não porque não pode ser feito.

As diferentes variedades de sementes cultivadas na Suíça são conservadas no banco nacional de sementes na estação de pesquisa de plantas da Agroscope em Changins, próximo a Nyon, no cantão de Vaud (oeste da Suíça).

Essa coleção existe desde 1900 e compreende 10 mil diferentes tipos de cereais, frutas e outros. A coleção nacional é complementada por outras realizadas por pessoas privadas.

A coleção nacional tem dois objetivos: conversar as variedades locais que são negligenciadas pelos agricultores e formar uma reserva que pode ser utilizada em caso de necessidade.

O tempo de conservação de sementes depende das suas características individuais e varia entre 50 anos para trigo, 15 anos para feijão, ervilha e soja.

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