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“Para Ramuz, o escritor é um artesão”

Ramuz dava muita muita importância à qualidade do papel, das penas, da tinta. RDB

Doris Jakubec, diretora da edição dos romances de Ramuz na prestigiosa Biblioteca da Plêiade, faz um perfil do maior escritor suíço de língua francesa.

A editora francesa Gallimard acaba de publicar, em dois volumes, os 22 romances de Charles Ferdinand Ramuz, que se definia como um artesão e não um artista.

A Plêiade dedica dois volumes de 1.700 páginas a Charles Ferdinand Ramuz (1878-1947). Afora o franco-suíço Jean-Jacques Rousseau, trata-se do primeiro escritor suíço a entrar na prestigiosa coleção da Editora Gallimard.

Com essa publicação, o “canteiro de obras Ramuz”, aberto há seis anos na Universidade de Lausanne, dá seus primeiros frutos. O Centro de Pesquisas em Letras Romandas publica a primeira edição crítica dos 22 romances do autor, acompanhada de notas linguísticas, históricas, contextuais e explicativas sobre a gênese dos textos.

Simultaneamente, o editor Slatkine, de Genebra, publica a integral do “”Jornal” de Charles Ferdinand Ramuz, em três volumes, reunindo todas as anotações de 1895 a 1947 feitas pelo autor de “Aline”, “O grande medo da montanha” e “Derborance”, entre muitos outros.

A ex-diretora do Centro de Pesquisas em Letras Romandas, Doris Jakubec, dirigiu a edição dos romances de Ramuz na Biblioteca da Plêiade. Na entrevista a seguir, ela traça um breve perfil do maior escritor suíço de língua francesa.

swissinfo: Na introdução dessa edição, a sra afirma que Ramuz se definia como um artesão e não como artista…

Doris Jakubec: Para ele, o escritor é um trabalhador, um homem de compõe em uma página materiais imaginários para criar uma história. O papel, a tinta, a pena têm muita importância. Ele busca o tempo todo uma relação com o concreto.

Ramuz também quis produzir algo que dure. Nós mesmo pudemos constatar quando tiramos os manuscritos do armário dele. Parecia que tinham sido escritos na véspera, tal era a qualidade da tinta e do papel.

Ele tem portanto do artesão a preocupação de durar, a vontade de fazer uma obra que resiste ao tempo. Tem ainda a relação do gesto, à mão, à mesa. Não é um esteta. Não é um diletante.

swissinfo: A sra acha que é essa relação com o concreto que o permitiu atravessar o tempo e as fronteiras?

D.J.: Esse trabalho de apego ao sólido, mas também à geografia, revela seu interesse pelo particular. Ele acha que apoiando-se no particular é que se pode posteriormente ir ao geral e, portanto, ao atemporal. Ramuz diz que é como uma escada: o primeiro degrau tem de ser bem sólido.

Essa base é o ponto de partida para se elevar e não um ponto de partida em si. Senão, Ramuz seria um escritor regionalista.

swissinfo: Mas durante muito tempo ele foi visto como folclorista ou regionalista… Por quei?

D.J.: Esses mal-entendidos de fator existiram acerca de Ramuz. A primeira razão provém sem dúvida de suas descrições de paisagem. Mas há um certo desprezo porque Ramuz nunca descreve paisagens em si. Quando descreve é sempre através dos olhos de seu personagem.

A natureza não é um espetáculo a contemplar: ela é o que o personagem a faz e o que ele faz é ligado ao que ele sente. Aliás, Ramuz detesta o naturalismo como atitude contemplativa, que induz à passividade. Nele, a paisagem é ativa: o personagem toca, sende e transforma a paisagem.

A outra razão que levou ao mal-entendido é a escolha do camponês como suporte de seus personagens. Aí também não se trata de pintura do meio agrícola. Seus camponeses têm a dimensão de personagens da tragédia grega e a importância dos mitos.

swissinfo: Por que ele escolheu os camponeses?

D.J.: Ele mesmo diz: a escolha foi feita muito cedo, em 1904, porque, para ele, eles se situam fora da sociedade, fora da psicologia e da análise.

Além disso, os camponeses estão expostos aos elementos naturais – a chuva, o vento, o ar, o sol – e devem compor com eles. São seres elementares expostos aos elementos naturais.

swissinfo: Daí esse amor do concreto e a rejeição do superficial…

D.J.: Sim porque o camponês não é confrontado a problemas abstratos ou supérfluos. Naquela época, ele já estava ameaçado e o problema era portanto sobreviver. O camponês vive num estado de necessidade absoluta. E essa é uma das razões que levaram Ramuz a escolhê-lo.

Entrevista swissinfo: Alexandra Richard

Desde 1931, a Plêiade reúne edições das mais prestigiosas obreas literárias e filosóficas do patrimônio francês e estrangeiro.
Dois volumes já foram dedicados a Beaudelaire, Racine, Voltaire, Poe, Stendhal, Prost, Tolstoï, Camus, Verlaine, Saint-Exupéry, entre outros.
Com exceção do franco-suíço Jean-Jacques Rousseau, é a primeira vez que um escritor suíço entra na Plêiade.

– Nascido em 1878 em uma família de comerciantes, em Lausanne (oeste da Suíça), Charles Ferdinand Ramuz estudou letras clássicas na Universidade de Lausanne e foi professor.

– Em 1903, ele parte para Paris onde publicará seus primeiros textos, incluindo “Aline” (1905) e “Jean-Luc perseguido” (1909), onde explora a solidão do homem frente à Naturezea e relata a poesia da terra.

– Em 1914, Ramuz volta para a Suíça.

– Sua obra atinge o apogeu nos anos 20, com romances como “O amor do mundo” (1925) ou “O grande medo da montanha” (1926).

– Em 1932, ele publica “Farinet ou a falsa moeda” e, em 1934, “Derborance”, dois romances inspirados na região montanhosa do Valais.

– O escritor morreu em 23 de maio de 1947 em Pully, perto de Lausanne.

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