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4 de julho de 1819, adeus pátria

A partida de Estavayer-le-Lac (aquarela de autor desconhecido) Fribourg, Museu de Arte e de História

Sábado, 3 de julho em Estavayer-le-Lac. De manhã até a noite, as carretas dos emigrantes rangem pelas ruas da cidade.

Emigrantes do Valais, Vaud, Genebra e Friburgo têm encontro em Estavayer. Os organizadores estão em plena atividade.

Na multidão se distingue o deputado Charles de Schaller, que dá os últimos retoques na operação e paga as contas apresentadas pelos credores. O cônsul Brémond acerta com o prefeito os últimos preparativos do transporte. E, no fim da tarde, o clero, a cavalo, acolhe o bispo.

Domingo, 04 de julho

Às cinco e meia da manhã, os colonos se dirigem à igreja paroquial. No sermão, o bispo descreve as vantagens de Nova Friburgo. Essa cidade dará uma pátria definitiva aos estrangeiros e pão em abundância aos trabalhadores. Depois da homilia, Dom Yenni nomeia oficialmente o pároco e o vigário da futura cidade. Em seguida celebra-se a missa solene, que termina com a prece dos viajantes: “in viam pacis et prosperitatis dirigat nos omnipotens et misericors Dominus”. O pároco Joye abençoa o primeiro casamento : o de Pierre Oberson, de Villaraboud, e de Marguerite Fornerod, de Domdidier .

Às dez horas

O rufar dos tambores chama os emigrantes para o embarque. Eles avançam com dificuldade entre os 6 mil espectadores, espalhados pelo molhe, pelos tetos, pelas árvores e pelos barcos. Instalam-se nas embarcações. Um homem se ajoelha e clama: ” Adeus, Pátria “. Chega o meio-dia. Na colina, o bispo abençoa essa cruzada de camponeses que compara aos heróis do êxodo. Os barcos saem em meio aos cânticos, aos tiros de fuzis, ao ribombar dos canhões. Os ” brasileiros”, em pleno lago, cantam o Ranz des Vaches e a ” Canção do Brasil”.

Atento à sua memória, o Estado de Friburgo ainda ouve, como dilaceramento e apelo, o coro dos emigrantes cantando o ” magnificat “

Rumo ao mar

04 de julho: Ponte do Thielle. Os colonos dormem ao ar livre

06 de julho: Solothurn sol resplandecente. A cidade de Solothurn saúda a chegada dos colonos com tiros de canhão.

9 de julho: Basiléia. Os barcos passam, sem problemas, as fortes correntezas de Lauffenburg. Barcos chegam a Basiléia.

10 de julho: Basiléia. O cônsul Brémond não consegue lugar suficiente para seu excesso de bagagem. Ele deve fretar novos barcos. Os colonos se irritam. Explode uma revolta. Os friburguenses quebram as caixas da associação comercial Brérnond-Gachet.

11 de julho: Basiléia. Demora prosseguimento da viagem. Cada dia perdido custa caro para os colonos: os comerciantes das cidade que eles atravessam aumentam os preços dos alimentos quando eles chegam.

13 de julho: Vieux-Brisach. Os barcos prosseguem a rota.

14 de julho: Kehl.

15 de julho: Repouso. O jovem colono, François Lovey, do Valais se afoga.

16 de julho: Fort-Louis, À beira do Reno, batismo do menino Bonaventure Daflon.

17 de julho: Guermesheim. Os atrasos e os pedágios oneram os colonos. Nova revolta envolve mais de 200 pessoas. Porcelet chama a polícia e Joye celebra a missa. Mas Jean Granjean, de Morlon, passa a noite na cadeia.

22 de julho : Andernach. O hospital da cidade recusa Jean Testu. O doente morre no seu miserável leito às portas da cidade.

29 de julho: Dordrecht. Os colonos navegam no Váalis (Waal) e desembarcam em Dordrecht. São transferidos imediatamente a Mijl, povoado vizinho .

A espera na Holanda é longa e dolorosa

A prolongada espera na Holanda surpreende os colonos, a quem se prometera que embarcariam no dia seguinte à chegada. De uma impressão de má organização passa-se a sensação de que foram enganados. Gachet desaparece, reaparece, criando esperança e inquetação . Em Mijl, povoado ao sul de Dordrecht, os colonos estão instalados em granjas e barracas. A higiene do acampamento é precária, a água do Mosa, insalubre e a alimentação, ruim. E os colonos acumulam o cansaço da viagem. A morte não perdoa. No total 39 pessoas, a caminho da terra prometida, aí ficam para sempre. A atmosfera fúnebre que paira sobre o acampamento desespera os colonos.

O “Heureux Voyage” levanta âncora

10 de outubro: o Heureux Voyage levanta âncora. Entre os passageiros se encontram o médico Jean Bazet, o vigário Aeby e Joseph Hecht, de Willisau. Este último faz uma crônica dos acontecimentos.

Encontro de um navio

18 de outubro : o Heureux Voyage saúda o Elisabeth-Marie, outro navio que se dirige à América do Sul, transportando fundadores da Nova Friburgo. Os dois capitães trocam notícias.

Violenta tempestade

4 de novembro de 1819: na altura da Madeira, o capitão, os marinheiros e os passageiros dançam ao ar livre, festejando St. Charles, em honra do comissário de Solothurn. Repentinamente, o vento sopra com violência. O grande mastro range e se quebra. Ao cair, desmastra completamente o navio. Homens, mulheres e crianças choram, gritam e rezam. Mas o capitão intervém com sucesso e evita o naufrágio. No dia seguinte, os marceneiros suíços participam dos consertos.

Cidadão de Schwyz condenado por engano

Um dia, começa uma briga entre um passageiro do Valais e outro de Schwyz. O capitão interfere e pune o segundo. Os marinheiros o amarram ao cordame e lhe dão 50 bordoadas. Mas o cidadão de Schwyz recusa desculpar-se e reivindica seus direitos. Descobre-se, depois, ter havido erro no julgamento e, durante 8 dias, foi-lhe permitido beber à vontade.

Joseph Hecht mantém a saúde graças ao que come Joseph Hecht não gosta de carne de vaca. Ele faz a própria sopa com toucinho, torradas e pimenta do reino. De manhã, em jejum, ele come torradas molhadas no vinho. Ele manteve a forma, com essa cozinha pessoal.

O Urânia, uma travessia dramática

Em 12 de setembro, o Urânia zarpou da Holanda. Em 30 de novembro ancorava na Baia de Guanabara. A travessia custou a vida a 25% dos colonos embarcados, ou seja, 107. É porcentagem superior a dos navios negreiros.

O Padre Joye conta a travessia

– 13 de setembro : os friburguenses sofrem de enjôo. O Urânia navega em ‘afto’ mar .. O balanço do navio assusta os viajantes. Eles gritam, vomitam e acham que vão morrer. Mas os marinheiros os tranqüilizam, explicando que o enjôo não é perigoso,

– 13 de setembro: Morte de François Butty
François Butty recebe a extrema-unção e morre. Transportado ao convés, os marinheiros o amortalham com um lençol. Com sobrepeliz branca e estola preta, o Padre Joye oficia. Um saco de areia é amarrado aos pés do cadáver que terá o mar por sepultura. Os passageiros tremem e invocam a Virgem Maria.

O terrível 24 de setembro

“Achei que no dia 24 não haveria mortes mas, foi o dia mais terrível de toda a viagem, Só de tarde, sete cadáveres foram lançados ao mar. No fim, eu já omitia as cerimônias religiosas para não assustar as pessoas doentes, com o canto fúnebre das cerimônias”.

17 de outubro: o segredo do tubarão:

Os marinheiros do Urânia pegaram um tubarão, imediatamente alçado a bordo. ” Logo lhe foi cortada a extremidade do rabo e, depois, se lhe abriu o ventre; ficamos surpresos em encontrar, nos seus intestinos, uma criança, com a cabeça e parte do corpo intactas, com exceção de um braço. Acredita-se que .setrate da filha de Pierre]oseph Oddin, que morrera na noite anterior” .

5 de novembro: o batismo de Frédéric

Nasce uma criança, no Urânia : o filho do falecido François Butty. Padre ]oye o batiza no convés, na presença de todos os passageiros. A criança recebe o nome de Frédéric, em homenagem ao capitão. A festa termina com vinho e canções.

Aos 25 de novembro: “Terra! Terra!”

Às seis horas da noite, ]oye sobe juntamente com o capitão na plataforma do navio .
Ele percebe ao longe uma parte do Brasil : as rochas do Cabo Frio. Então, ele grita: Terra! Terra!

Balanço e conseqüências da viagem

A morte permanece a personagem principal da viagem. Faltam, no total das mortes, as 311 pessoas que tiveram o oceano por túmulo, as ocorridas na Holanda e em Macacu.
Padre Aeby afoga-se em Macacu ao lavar seu cavalo no rio. O médico Iacques Moosbrugger morre no Daphnée. A viagem torna-se uma odisséia trágica, que traumatiza os emigrantes e fragiliza essa sociedade de pioneiros.

A mortalidade infantil arranca lágrimas mas alivia o peso de bocas a alimentar. Já a morte de adultos (118) representa um verdadeiro drama para os viúvos ou viúvas e numerosos órfãos. Afeta perigosamente o dinamismo e o espírito de empreendimento dos fundadores de Nova Friburgo.

Notícias do Rio de Janeiro

Padre Joye é recebido por Dom João VI assim que chega. Dom João VI deseja expressamente falar com o Padre Joye. Indaga sobre o desenrolar da viagem, como foi organizada, o estado físico e moral dos passageiros do Urânia. O Rei fica comovido com o número de mortes e estupefato com as malversações de Gachet. Voltando ao barco, Joye visita o Rio, fica chocado com os maus cheiros e a sujeira reinantes na cidade e revoltado com o tratamento imposto aos escravos.

Pierre Gendre observa que:

“Os brancos tratam os escravos como cavalos”. O Rio de Janeiro, porém, encanta Pierre Gendre. Para ele, é a cidade mais bonita do Novo Mundo. O calor do Rio não é pior que o de seu jardim em Friburgo, no verão. Mas os fríburguenses não tiram os olhos dos escravos. Os negros chegam da África completamente nus, apenas com um pano em volta das cadeiras. Antes de comprá-los, os brancos os examinam como cavalos e os fazem correr, pular, dançar. A mercadoria humana custa entre 600 e 1.200 francos por peça. Os escravos são inteligentes, dóceis e robustos.

Desgraça de Gachet

Gachet nunca verá Nova Friburgo. Assim que chega ao Brasil, cai em desgraça. O Rei recusa-se a recebê-lo e abre inquérito. As faltas de Gachet são muito graves: a má organização da viagem provoca uma longa e desnecessária permanência na Holanda, tornando-se um calvário para os emigrantes. Além disso, Gachet rouba o Brasil e os colonos, fazendo pagar o trajeto da Suíça aos Países Baixos. O cônsul suíço, de comum acordo com Brémond, engana o Rei, triplicando o número de emigrantes e recrutando protestantes. Os colonos o denunciam, ameaçando-o de morte e tratando-o como bárbaro. Brémond também é violentamente criticado pelas autoridades suíças e perde o título de cônsul.

A Nova Friburgo de 1818

Dia 06 de maio de 1818, o Rei nomeia Monsenhor Miranda inspetor da futura colônia suíça e lhe confia a construção de Nova Friburgo. Monsenhor Miranda sonha com Roma e com Cartago. Soldados, índios e negros trabalham nas obras. Ao pé de um grande morro, o Castelo do Rei é transformado em centro administrativo e religioso. Miranda constrói sua casa ao lado. Na planície, à beira do Rio Bengalas, eleva-se Nova Friburgo. Ela reúne 100 pequenas casas sem vidraça, assoalho, teto e cozinha. Está dividida em três bairros. O primeiro inclui 14 números ; o segundo,no centro, do 15 ao 62, e o terceiro, do 63 ao 100.

9 de julho: chegada dos colonos em Basiléia.

29 de julho de 1819, chegada dos colonos em Dordrecht e acampamento em Mijl, arredores da cidade, em granjas e barracas.

21 de agosto de 1819, o secretário da embaixada de Portugal e do Brasil, em Paris, paga dívidas, último obstáculo à viagem dos colonos.

22 de agosto de 1819, os colonos protestantes fundam uma comunidade para se protegerem no Brasil.

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