500 Almas, metáfora da condição do cinema
Primeiro longa de Joel Pizzini, o documentário "etno-poético" 500 Almas sobre a tribo Guató atrai a atenção para uma cultura milenar que procura entender.
E alimenta ao mesmo tempo o debate sobre a diálogo entre duas culturas, a deles e a nossa. Pela imersão e observação.
Embora seja 500 Almas o primeiro longa do cineasta, Joel Pizzini, 44 anos não é um desconhecido no cinema brasileiro.
O carioca vem realizando um "trabalho interessante", na apreciação de Helena Ignez, atriz e cineasta.
Por sinal, uma indicação disso possa ser o fato de que no Festival de Mar del Plata, encerrado domingo, 500 Almas, ele foi recompensado com um dos prêmios (pelo Sindicato da Indústria Cinematográfica Argentina): o de melhor documentário latino-americano.
O longa sobre os Guató, projetado no Festival Internacional de Friburgo (12-19.03.2006) vem confirmar a seriedade da obra do ainda jovem realizador.
Língua conservada por 20 pessoas
Os Guató, povo nômade indígena da região do Pantanal, são dados por extintos nos anos sessenta. No final da década seguinte, uma missionária descobre, um tanto por acaso, um artesanato de palha, "assinado" guató, na cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul.
A descoberta é o ponto de partida para o levantamento desse povo constituído de 500 indivíduos, aproximadamente. Mas se constata posteriormente por que preferiram viver na sombra: como os massacres de índios eram freqüentes nos anos 70, eles optaram por uma vida discreta como ribeirinhos, em fazendas do Pantanal.
O filme 500 Almas vai em busca dos vestígios dessa cultura milenar, de origem desconhecida, utilizando como protagonistas os poucos indígenas que ainda falam guató. Comprova que a maioria, aculturada, vive nas cidades, e que apenas umas 20 pessoas ainda utilizam a língua dos antepassados.
O longa de Pizzini nos leva a um mundo de deslumbrante beleza, nos imerge no Pantanal, onde a noção de tempo é outra e o relógio carece de sentido (já que não se pode dizer que ele seja anacrônico). O desenrolar do filme revela bastante essa realidade.
Filme como metáfora
Em 500 Almas o cineasta diz utilizar uma linguagem etno-poética, sem preocupação didática, mas no intuito de entender uma identidade e resulta de "um fascínio pelo funcionamento da memória, a importância da terra, a manutenção de uma cultura".
"Procurei pesquisar como nossos mitos cristãos refletem nessa cultura, como dialogam. É, de fato, um filme sobre o diálogo entre duas culturas, o ponto de vista de um branco, ocidental, tentando entender aquela cultura".
E realça: "O filme pode ser visto com uma metáfora da própria condição do cinema que luta pela preservação de sua linguagem contra uma linguagem hegemônica, que tenta uniformizar, padronizar a diversidade cultural do mundo".
O cineasta faz questão de qualificar seu filme de etno-poético. É mais filme que documentário com tratamento tradicional: "No documentário se dá mais importância ao tema que ao método. Para mim, é tão importante como fazer quanto o que fazer".
Destaque para o elemento humano do Pantanal
Seu trabalho exigiu 5 anos de trabalho em várias partes do mundo e foi em Berlim que ele descobriu, no Museu de Antropologia, um vasto acervo da cultura guató.
Seu filme vem mostrar que no Pantanal – além de bichos – tem gente. Gente com uma cultura que merece apreço.
Quando se fala em ecologia no Brasil, lembra Joel Pizzini, pensa-se no Pantanal como um grande jardim zoológico, uma grande estufa. Mas lá existe uma cultura.
"Imagens do Pantanal mostram revoadas de tuiuius, mostram-se jacarés. Esquece-se o aspecto humano". Por isso mesmo no filme quase não se vê bicho do mato. Foi de propósito.
swissinfo, J.Gabriel Barbosa, de Friburgo
Breves
Realizador de cinema, pesquisador, jornalista, Joel Pizzini diz viver "entre S.Paulo e Rio de Janeiro".
Seu primeiro curta, sobre o poeta Manuel de Barros é Caramujo-Flor, de 1988. Entre curtas e médias realizou O Pintor, sobre a obra de Iberê Camargo; Enigma de um Dia, inspirado no quadro "O Enigma de um Dia" de Giorgio de Chirico; Glauces: estudo de um Rosto, sobre a atriz Glauce Rocha.
E, recentemente Elogio da Luz s/ R. Sganzerla, em parceria com Paloma Rocha; Helena Zero s/ Helena Ignez, lançado mundialmente no Festival Internacional do Filme em Friburgo.
Pizzini realizou também toda uma série sobre "personagens e personalidades" do cinema Brasileiro para o Canal Brasil (da rede de TV Globo). Entre outros: Um Homem Só, s/ Leonardo Villar; Evangelho segundo Jece Valadão; Macunaíma; O Padre e a Moça; Retrato da Terra s/ Glauber; E, recentemente Elogio da Luz s/ R. Sganzerla, em parceria com Paloma Rocha; Helena Zero s/ Helena Ignez, lançado mundialmente no Festival Internacional do Filme em Friburgo.

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