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Pavilhão suíço na Bienal de Veneza é dominado por escultor

Valentin Carron/Pro Litteris/Galerie Eva Presenhuber

A Bienal de Artes de Veneza é uma espécie de sessão coletiva de psicanálise dos artistas. A mostra foi denominada “ O Palácio Enciclopédico”, em referência à utopia de concentrar num único local todo o conhecimento da humanidade. O Livro Vermelho, do psicanalista suíço Carl Jung, está no pavilhão principal e no pavilhão suíço o que predomina é a fantasia de Valentin Carron.

A missão de representar a Suíça coube ao artista Valentin Carron. Junto com o curador Giovanni Carmine, ele decidiu moldar as obras ao conjunto arquitetônico modernista da pavilhão construído por Bruno Giacometti, em 1952.

 A exposição começa com uma serpente em ferro fundido, longa 80 metros. Ela tem duas cabeças. Uma olha para fora, do alto do muro, a outra vigia a entrada da porta. As extremidades estão unidas por um comprido e sinuoso corpo.

O visitante deve apenas seguir a linha traçada pelo réptil no ar, no chão e nas paredes, para percorrer toda a mostra, composta de pinturas e esculturas. O itinerário coberto pela serpente revela uma ideia de partida. Para Carrron, o destino final conta menos do que o caminho.

“Para mim a cobra foi uma desculpa a ser usada na construção que respeitasse o espaço. Uma grande desculpa para uma grande linha. Eu não procurava uma simbologia específica para a serpente. Ela já possui muitas”, diz o artista  para swissinfo.ch.

O réptil conduz às 17 obras expostas, sendo ele próprio a 18-° peça. O seu volume muda ao longo do percurso e quando sobe por uma das paredes cobertas por um tecido italiano,  o corpo se transforma em linha tênue, de grande delicadeza. 

Rigor poético

Não foi um percurso simples. Valentin Carron vive uma eterna metamorfose. Inquieto e curioso, ele está sempre em mutação, o que se reflete na forma de trabalhar. “Começamos nove meses atrás, com a planta do pavilhão. A cada semana eu tinha novas ideias, novos conceitos, novas soluções. Mudei bastante até que eu e o curador chegássemos a um projeto definitivo. As peças começaram a ser feitas no final do ano passado”, revelou Valentin Carron para a swissinfo.ch.

“O trabalho dele mergulha fundo no significado da arte e passa pelo filtro de seu lugar de origem, o cantão do Valais. O processo foi muito criativo e intenso. Unimos esforços de maneira precisa e eficiente. Ele é um artista poético e consegue imprimir a poesia mesmo diante do seu rigor formal”, disse à swissinfo.ch o curador  do pavilhão suíço, Giovanni Carmine.

A cobra era um detalhe da janela do quartel dos bombeiros de Zuriqu

e. Elegante e minimalista, ela respeita o estilo “art-noveau” do prédio. O artista deu à serpente uma nova intepretação, em sintonia com a sua forma de ser e de estar no mundo.  “Para mim todos os movimentos do século XX são importantes. Eu focalizo o meu olhar numa parte ou em outra, eu mudo o tempo todo; é como uma televisão para mim, eu mudo de canal a todo instante. E para estes trabalhos aqui, as esculturas dos instrumentos , eu estava no canal 60, dos anos 1960, o canal do neorrealismo”, explica ele.

Eis uma das razões da presença de uma mobilete da Piaggio, de 1967.  O ciclomotor foi alvo de uma acurada restauração por Valentin Carron que não se preocupa com a fidelidade ao original. Durante o trabalho ele questionou desde os desejos de adolescência e os limites da velocidade até o tom correto da cor.

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Cobra gigante e falsos trompetes

Este conteúdo foi publicado em Carron, que vive e trabalha na cidade de Martigny, usou no pavilhão suíço uma cobra de 80 metros em ferro fundido, como uma espécie de guia da exposição.. Entre outros trabalhos, o artista mostra instrumentos de bronze achatados e um ciclomotor Piaggio Ciao de 1967. A exposição vai até 23 de novembro. (© Valentin Carron…

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Reinterpretação

A força inovadora de Carron está em ir além da fonte original. O artista fica no limite entre o trabalho visto e a nova chave de leitura. Depois, como  uma serpente que prepara o bote, ele consegue dar um novo conteúdo a uma forma já conhecida.  Íntimo dos arquétipos, ele os reapresenta ao mundo  em forma de pinturas e esculturas.

Giovanni Carmine conta: “ele une os discursos de identidade a uma recuperação sem ser moralista. Valentin Carron resgata a técnica e as ideias estéticas interessantes que, ao longo do tempo, foram esquecidas ou interpretadas novamente de forma equivocada.”

Um exemplo é a série de instrumentos criados inicialmente em liga de cobre e zinco. Depois eles foram pisoteados, amassados e, finalmente, fundidos em bronze. A técnica é do neorrealismo francês mas o gesto de destruição dos instrumentos musicais é do movimento “punk”.  Eles estão expostos dentro e fora da pavilhão e se mimetizam nos muros em que estão pendurados. Atento ao detalhe, as obras parecem iguais mas não são.  

A mesma ilusão existe com os seis quadros de fibra de vidro e resina acrílica. Eles imitam o cimento,  em plena harmonia com a matéria-prima usada na realização do pavilhão da Suíça. As fendas coloridas das “vidraças” desenhadas na superfície, reproduzem os vidros vistos na fachada da Academia Real de Belas Artes, de Bruxelas. Diferentes umas das outras, elas são uma homenagem às pinturas abstratas do modernismo.

Valentin Carron afirma: “não tenho um material preferido. Cada material me proporciona a possibilidade de encontrar novas pessoas, de usar novas técnicas para chegar a outros resultados”. Sua intenção é dar vida a uma arte que respeite a arquitetura, sem a menor pretensão de passar alguma mensagem com suas obras.  “Essa é uma tarefa para os políticos e para os filósofos”, diz ele, com uma ponta de ironia.

Giovanni Carmine, curador da pavilhão suíço, é diretor da Kunst Halle de St-Gallen.

O artista Valentin Carron foi eleito através de uma comissão independente de sete jurados, indicados pela Fundação suíça para a cultura Pro Helvetia.

O pavilhão da Suíça tem três ambientes. Um para escultura, outra para artes gráficas, além de uma sala para pintura.

Valentin Carron nasceu em Martigny, Cantão do Valais, em 1977, onde continua morando. As suas obras já foram expostas em Paris, Nova York e Murcia, na Espanha, além de Zurique e Berna. Ele estudou na Escola de Arte de Lausanne.

O Palácio Enciclopédico foi uma utopia criada pelo ítalo-americano Maurino Auriti ( 1891- 1980). Em 1955, ele projetou um museu com 136 andares, em Washington, para abrigar o conhecimento da humanidade.

Na versão da Bienal de Artes de Veneza, nesta 55a edição,  este sonho se traduz na presença de cerca de 4.500 objetos expostos.

Eles foram realizados por 158 artistas de 37 países.

O Livro Vermelho de Carl Gustav Jung reúne o manuscrito com as ilustrações realizadas ao longo de 16 anos de trabalho. Pela primeira vez, ele pode ser admirado na Itália.

A exposição fica aberta entre os dias 1 de junho e 24 de novembro.

Das 88 nações participantes em seus pavilhões nacionais, 10 se apresentam pela primeira vez:  Santa Sé, Angola, Bahamas,  Bahrain, Costa do Marfim, Kosovo, Kuwait, Maldivas, Paraguai e Tuvalu.

Os eventos paralelos são 47. Entre eles está o Saloon Suisse, com um série de encontros entre artistas e o público no Palazzo Trevisan degli Ulivi.

O pavilhão do Brasil trouxe uma obra do arquiteto, designer, gráfico, pintor e escultor suíço Max Bill (1908-1994).  Ele foi o vencedor da primeira Bienal de São Paulo, em 1943,  e influenciou a nova linguagem da arte brasileira.

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