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Cineasta suíço realiza filme sobre Berlim dos perdedores

Cena de Schwarze Schafe, episódio 2. www.schwarze-schafe.eu

O diretor suíço Oliver Rihs surpreende o público com seu filme independente sobre Berlim. Sua comédia Schwarze Schafe (Ovelhas Negras, em português) roda desde agosto nos cinemas da Alemanha gargalhadas e boas críticas.

Quem nunca se sentiu como uma “ovelha negra” na vida? Em seu filme, Rihs mostra que o fracasso – seja ele profissional, familiar, afetivo… – é uma parte óbvia da existência humana. Sua abordagem sobre Berlim, contudo, é extremamente sagaz e cômica.

Oliver Rihs está entusiasmado. O diretor nascido em Männedorf, perto de Zurique, definitivamente virou uma estrela no cenário cinematográfico da Alemanha. Dono de grande carisma, que encanta atores alemães como Marc Hosemann, Jule Böwe e Robert Stadlober já há algum tempo, Rihs foi subversivo à indústria milionária do cinema, produziu o filme autêntico que sempre quis e conquistou uma legião de admiradores.

Feito para rir e não para chorar, como o próprio cineasta afirma, Schwarze Schafe exibe de forma singular cenas absurdas, algumas reais e outras fictícias, vividas no cotidiano da capital alemã. Alardeado como obra-prima do grotesco, o filme tornou-se em poucas semanas de exibição um sucesso no circuito alternativo dos cinemas alemães.

Cinco histórias da “cegueira social” intercalam-se no roteiro, também escrito por Oliver Rihs. Em comum, elas retratam os chamados loosers, perdedores da sociedade (“de qualquer sociedade”, lembra o diretor). Em conjunto, abordam a falta de dinheiro, de sucesso, de respeito, de crença no presente e de perspectiva no futuro – conseqüentemente mostrando situações de desespero e exagero.

“Alguns papéis eu formulei a partir de notícias de jornais sensacionalistas de Berlim”, comenta Rihs explicando, por exemplo, a figura do satanista que estupra durante ritual a própria avó inconsciente ou a do impostor que decide amputar a mão para receber dinheiro do seguro. Além destes papéis, ainda figuram em destaque um grupo de turcos em busca de sexo a qualquer custo, uma jovem que ora se envergonha ora se orgulha de seu namorado bêbado, e dois aspirantes ao anarquismo.

Filme bem recebido pelo público

Ainda que grande parte do enredo seja fruto da imaginação do diretor suíço, o filme faz uma inegável alusão à realidade na cidade. Quem a conhece, percebe essa autenticidade. Oliver Rihs admite que seu olhar estrangeiro foi perspicaz, mas garante que soube dar um tom cosmopolita à produção, que a torna atraente para festivais e cinemas do mundo inteiro, onde aliás tem sido apresentada causando furor há mais tempo (o longa já foi lançado no Canadá e no Reino Unido, entre outras nações). “O filme mostra como as pessoas lidam com o capitalismo, com o egoísmo, com a preguiça. Tem portanto uma característica internacional e funciona bem em quase todas as regiões”, fala Rihs. Schwarze Schafe estreou há um ano, no Festival de Cinema de Edimburgo.

Em Berlim, por ocasião do 25.000º ingresso vendido para o filme em menos de quatro semanas de veiculação, o diretor e parte do elenco compareceram à sessão no legendário Kino International em 13 de setembro, subiram ao palco e presentearam a espectadora felizarda. Os presentes, claro, tinham a ver com o Schwarze Schafe: um cesto de palha, ingressos para passeio de barco pela cidade, tickets para o clube de sexo livre KitKat, uma máscara de porco e uma garrafa de bebida alcoólica, entre outros.

Passado, presente e futuro

Após “se emancipar” da Suíça, aos 25 anos, Oliver Rihs tentou a sorte na Espanha. “Em Barcelona fiquei relativamente mais tempo, pois lá rodei meu primeiro longa-metragem. Eu queria na verdade ficar na Espanha, mas não sou um talento em línguas. Jamais poderia, por exemplo, escrever roteiros em espanhol e, como estrangeiro, entrar na cena cinematográfica catalã é muito difícil”, conta o diretor.

Não só o idioma foi decisivo para atrair Rihs à capital alemã Berlim, no ano 2000, mas também as chances do cinema na cidade. “Em Berlim, filmes são feitos todo santo dia. Na Suíça, sempre tive a impressão de que rodar um filme era algo sensacional e extraordinário demais. Além disso, existe em Berlim uma gente inovadora e relativamente jovem fazendo cinema, enquanto que a cena cinematográfica de Zurique é composta sempre pelas mesmas poucas pessoas”, afirma.

“Eu amo muito a Suíça e vou freqüentemente para lá. Mas, para mim, meu país foi sempre muito apertado, muito estreito”, comenta o diretor frisando em inglês a máxima “Switzerland is perfect and finished” (A Suíça é perfeita e acabada). “Não há nada mais para fazer ali”, acrescenta. Mas Rihs sabe reconhecer as facetas positivas de seu país natal. “Embora o tempo em Berlim não seja tão corrido como em Zurique, aqui a incompetência e a má-vontade dos serviços públicos, como correio e telefonia, me irritam muito. Na Suíça, tudo funciona melhor.”

Dos adjetivos com os quais descreveu Berlim publicamente (insípida, irreverente, neurótica, feia, ingênua e charmosa), Oliver Rihs aplica somente “neurótica” e “charmosa” a Zurique, que considera sua cidade de origem. “Zurique tem uma bela arquitetura e uma população bastante heterogênea – Embora a Suíça seja um país pequeno, praticamente todas as nações estão representadas ali”, relata o cineasta, “Além disso, na Suíça em geral, as pessoas são muito bonitas e inteligentes, talvez em decorrência do que o dinheiro pode bancar. Elas são muito viajadas e têm noção do que se passa no mundo”.

Projetos para o futuro

No que diz respeito a projetos futuros, Oliver Rihs está envolvido, no momento, em quatro novas empreitadas relacionadas ao cinema. Uma deles seria a continuação dos episódios, ou seja, um número 2 de Schwarze Schafe. “Não seria problema algum criar novos personagens e avançar com o filme”, assegura o diretor consciente do terreno fértil que encontraria antes, durante e depois das filmagens. “Além de podermos mostrar, por exemplo, como continuariam a vida do rapaz que se auto-mutilou e a das demais figuras, existe uma porção de novos papéis e casos que poderiam ser criados. Há também muitos atores ótimos e dispostos a realizar este tipo de filme, que foge às limitações do mainstream deixando espaço para uma representação mais livre. E existe por fim uma audiência crescente que se interessa por uma nova linguagem em cinema.”

Um outro projeto que ocupa atualmente Oliver Rihs é o de um filme, ainda no esboço, sobre o medo do terrorismo na Alemanha. “Existe uma paranóia generalizada entre as pessoas, apesar de haver um princípio de total acaso em estar ou não no local errado, na hora errada”, comenta, “Não creio que adiante se preocupar tanto e acho que medidas como câmeras de vigilância, por exemplo, são apenas paliativas, pois não podem realmente impedir uma tragédia. Por isso quero enfocar este medo dos alemães”.

Imigrante por escolha

Sair de Berlim, por enquanto, está fora de questão para o diretor. Residindo há sete anos na capital, ele garante que já possui e entende a alma berlinense. “Eu amo Berlim. Justamente porque ela tem espaço e dá espaço para a criatividade; justamente porque ela nunca será construída até o fim”, fala Rihs, “É sério, as construções em Berlim nunca vão acabar. Esta cidade nunca se tornará a capital que os alemães desejaram. E é isso que me atrai aqui”.

Mas Oliver Rihs sente orgulho de ser suíço. “Eu amo a Suíça, até os clichês suíços. Adoro os alpes, a tradição suíça. Me sinto muito bem como suíço. Vou muito para lá para quando quero relaxar ou então para dar aulas, ganhar dinheiro, o que aliás gosto muito de fazer na Suíça. Mas isso não significa que eu queira viver lá”, afirma. O diretor não planeja voltar de vez para a Suíça, no entanto não descarta a possibilidade de trabalhar lá temporariamente. “Quem sabe aparece um bom projeto, algo interessante, e eu volto.” Pois é, Oli, quem sabe.

swissinfo, Bianca Donatangelo em Berlim

Um detalhe de Schwarze Schafe é ser rodado em preto e branco, majoritariamente.

“Foi um efeito determinado com antecedência, uma vez que traria uma certa nostalgia ao espectador e, em paralelo, o distanciaria das questões abordadas tão cruamente no filme. Nós queríamos que as pessoas se divertissem e depois refletissem, não queríamos chocar ou horrorizar o público”, fala Rihs. “Além disso, sempre sonhamos em fazer uma película PB e não teríamos outra chance tão oportuna como essa.”

Realizado com o orçamento de 300.000 euros, uma quantia irrisória em termos cinematográficos, Schwarze Schafe conta, ainda assim, com uma excelente equipe de atores alemães (Jule Böwe, Marc Hosemann e Robert Stadlober, entre outros), todos inclusive fãs assumidos do talento e do carisma de Oliver Rihs.

“Foi um projeto pessoal, realizado com o apoio de amigos”, pondera o diretor ao indicar que “pelo menos umas 40 pessoas trabalharam durante dois meses de graça”, para rodar o filme. “Certamente isso não seria possível em Londres ou Nova York”, acredita Rihs.

A produção contou ainda com Olivier Kolb, outro suíço, que além de co-produzir o filme ao lado de Rihs, assumiu a câmera nas filmagens, bem como com o guru da música King Khan, que assina a contagiante trilha sonora de Schwarze Schafe. Ao todo, o presente projeto levou dois anos para ser concretizado.

Oliver Rihs tem 35 anos e há pelo menos uma década dedica-se ao cinema. Schwarze Schafe é seu segundo longa-metragem. O primeiro, “Brombeerchen” (2001), rodou em Barcelona e lançou quando já morava em Berlim. Anteriormente, Rihs ganhou com “Lilien” (1999) o prêmio de melhor curta-metragem no Festival de Cinema de Locarno. Entre os motivos pelos quais deixou a Suíça, está o fato de ter se “cansado de ser um V.I.P.”. Seu pai é um renomado industrial suíço e o cineasta, constantemente, via-se rotulado pelo sobrenome. “Tenho uma ótima relação com meus pais, mas foi esse meu grande impulso, aos 25 anos, para sair de casa e trilhar meu próprio caminho”, falou Rihs. Sua mãe, que vive na Toscana, é artista plástica. Rihs viaja muito entre Alemanha, Suíça e Itália. Além disso, admite possuir um apreço particular ao jeito alegre de ser dos povos iberoamericanos. Diz que conhece Cuba e México, mas que seu sonho é conhecer o Brasil. Em fevereiro, o diretor esteve na Índia para participar de rituais budistas. Religioso, garante contudo que dispensa uma única religião. No dia-a-dia, diz-se integrado e feliz em solo alemão, mas confessa que tem uma roda de amigos conterrâneos da qual não se desgruda. “Às vezes fico cansado de ter que falar alemão e quero conversar à vontade. Pode ser constrangedor, mas eu passo muito tempo entre suíços aqui em Berlim. À parte sermos uma comunidade estrangeira, cujos indivíduos acabam se apegando uns aos outros, somos mais intuitivos e menos racionais que os alemães. Somos mais charmosos.”

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