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COP26: O que as agências de ajuda humanitária querem?

Imogen Foulkes

Enquanto escrevia isto, começavam as negociações climáticas da COP26, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, realizada em Glasgow, na Escócia. Líderes mundiais estão sob pressão para assumirem compromissos mais rígidos para reduzir as emissões de CO2 e atingir a neutralidade climática dentro de algumas décadas.

Boris Johnson, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, anfitriã da conferência, alertou que, se medidas significativas não fossem tomadas, o mundo veria migrações em massa, conflitos e escassez de água, todos relacionados à mudança climática.

Da perspectiva de Genebra, não se pode deixar de sentir que Johnson está se dando conta disso um pouco tarde, assim como os outros líderes de nações desenvolvidas que emitiram advertências semelhantes recentemente.

As agências de ajuda humanitária vêm enfrentando as consequências da mudança climática já há algum tempo. Elas estão vendo secas relacionadas ao clima causarem mais fome, e chuvas excessivas aumentarem as infecções de malária.

Aumento da fome

“Há muito tempo a mudança climática se tornou uma questão humanitária”, diz Gernot Laganda, chefe do Programa Climático e de Redução de Riscos de Desastres do Programa Alimentar Mundial (WFP, em inglês). “A fome está aumentando mais rápido do que em qualquer momento desde a virada do século”.

No último episódio do podcast Inside Geneva (em inglês), convidei Gernot para discutir a COP26 a partir de uma perspectiva humanitária. Andrew Harper, Conselheiro Especial para Ação Climática da Agência da ONU para Refugiados, também se juntou a nós:

O fato de que duas das maiores agências de ajuda humanitária do mundo têm funcionários de alto escalão dedicados à mudança climática é um indício da seriedade com que estão levando a crise climática.

“Noventa por cento dos refugiados do mundo são originários de países que estão na linha de frente da emergência climática”, aponta Harper. Oitenta por cento das emissões de gases de efeito estufa que estão causando a mudança climática vêm de um punhado de países economicamente poderosos. A maioria deles está bem longe das linhas de frente das quais Harper está falando.

Conflitos relacionados ao clima

E, se os líderes mundiais se derem o trabalho de observar, as consequências para as regiões mais vulneráveis do planeta já estão à vista. Na região do Sahel, na África, as temperaturas estão aumentando 1,5 vez mais rápido do que a média global. A seca longa e intensa está levando a conflitos pelos recursos naturais escassos.

Este ano, o Iêmen – classificado pela ONU como tendo a pior crise humanitária do mundo – viu graves inundações se somarem à miséria. No Afeganistão, a seca provocou a perda das colheitas, aumentando ​níveis de desnutrição que já eram altos.

Como explica Andrew Harper no Inside Geneva, a mudança climática vai piorar as crises já existentes e criar novas onde não havia nenhuma. “O clima vai tornar a situação muito mais desesperadora para as populações vulneráveis. Ele está levando ao aumento da fragilidade, da violência, do conflito e do subsequente deslocamento”, afirma.

“Estamos caminhando coletivamente em direção a um penhasco”, acrescenta Gernot Laganda. “Há muitas pessoas que já perderam suas vidas no fundo desse penhasco, em países que já estão dois ou três graus mais quentes”.

Mitigação da mudança climática

Assim, meses e até mesmo anos antes da COP26, as agências de ajuda humanitária iniciaram o que elas chamam de projetos de “mitigação da mudança climática”.

Elas têm incentivado populações vulneráveis a cultivar plantações mais resistentes ao clima, destaca Harper: “É provável que no futuro vejamos regiões inteiras do mundo enfrentando enormes dificuldades relacionadas à segurança alimentar. Em muitas dessas áreas, os cultivos de hoje não sobreviverão mais”.

Segundo as agências de ajuda humanitária, esperar que a fome se instale – e que aqueles fortes o suficiente fujam para onde quer que possam se alimentar e alimentar seus filhos – não é uma opção viável. Os movimentos populacionais em massa simplesmente aumentam a insegurança e a pressão sobre os recursos.

A agências também estão investindo mais na preparação para desastres: elas têm oferecido suporte às comunidades localizadas em áreas propensas a tufões e inundações, para que a população possa ter mais segurança ao conviver com os riscos climáticos.

As necessidades são tão grandes que alguns especialistas têm argumentado que as agências humanitárias deveriam “se afastar do humanitarismo de guerra e se aproximar do humanitarismo climático”.

Mas, embora alguns conflitos sejam relacionados à mudança climática, as guerras também ocorrem por outras razões. E não importa como as agências invistam seus recursos limitados, os seus fundos nunca atenderão a todas as necessidades reais.

Como nos lembra Gernot Laganda: “Até hoje não fomos capazes de atender a todas as necessidades humanitárias que existem, com 811 milhões de pessoas sofrendo de fome, e uma capacidade de [oferecer] assistência alimentar para apenas cerca de 120 milhões”.

A COP26 oferecerá respostas humanitárias?

Então, será que, quando Boris Johnson e outros líderes mundiais alertam sobre conflitos e migração em massa, eles realmente estão cientes de como a mudança climática é uma ameaça existencial para tantas pessoas? Será que agora eles genuinamente acreditam, como dizem, que falta um minuto para a meia-noite e que uma ação significativa não pode mais ser adiada?

Infelizmente, os sinais não são promissores. Muitos países, incluindo a Suíça, não alcançaram as metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa às quais se propuseram na cúpula climática de Paris em 2015.

A resistência aos impostos sobre combustíveis é aparentemente tão grande entre os eleitores que muitos políticos evitam promover tais políticas. Ou, como aconteceu este ano na Suíça, os políticos tentam fazer passar as medidas de redução de CO2, mas são derrotados nas urnas.

“O fato de a Suíça não ter aprovado uma lei sobre CO2 indica que são os países desenvolvidos que têm sido mais difíceis de convencer”, destaca nosso analista do Inside Geneva, Daniel Warner.

Então, as agências humanitárias esperam algum resultado específico da COP26? Andrew Harper sugere que, por um momento, não nos concentremos apenas nas estatísticas sobre as emissões e em quem irá reduzir quanto até quando, mas, em vez disso, coloquemos “os seres humanos à frente e no centro… há pessoas nas situações mais vulneráveis do mundo que irão se tornar mais vulneráveis ainda”.

“Precisamos fazer com que aqueles Estados que são os principais culpados pelas emissões entendam que, a menos que mudem a forma como se relacionam com a Terra, haverá consequências e alguém irá sofrê-las. E eles não podem simplesmente continuar fazendo com que os mais vulneráveis as sofram”.

Adaptação: Clarice Dominguez

Adaptação: Clarice Dominguez

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