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Artista suíço toca a partitura de uma estação ferroviária

Milano Centrale, a estação que inspirou o artista suíço (divulgação). Keystone

Os ruídos da Estação Central de Milão levaram 25 anos para voltar de uma viagem iniciada pelo artista suíço Herbert Distel. Eles foram apresentados na Itália, pela primeira vez, no Hangar Bicocca, um importante espaço cultural da cidade.

Intitulada La Stazione, a obra sonora de quase 46 minutos já havia sido apresentada em Berna, capital Suíça, em maio de 1990.

A difusão italiana da obra La Stazione encerrou a última etapa do projeto “I was driven on and on” (Eu vagava e vagava.), um programa do Instituto Suíço de Roma que questionava a “erradicação e a obsessão, produzir e compartilhar”.

A curadora do projeto, a portuguesa Filipa Ramos explicou à swissinfo.ch: “Indagamos sobre a complexidade de gerar obras a partir do acúmulo de pensamentos, das viagens e da evolução das modalidades de observação e fechamos com a apresentação de um trabalho de áudio realizado em momentos diferentes por Herbert Distel”.

Com um gravador nas mãos, junto com a esposa, Gil Distel, engenheira de som, ele memorizou em fitas magnéticas centenas de horas de sons da principal estação de trens da cidade, em 1987. Elas  serviram para o artista  multidisciplinar – escultor, pintor, fotógrafo, cinegrafista – criar La Stazione,  uma obra sonora, com duração de quase 46 minutos apresentada pela primeira vez em Berna, em 1990.

A experiência realizada pelo artista suíço marcou uma época e proporcionou um cruzamento entre a arte contemporânea e a música conceitual. O resultado foi uma composição de  música concreta sem as notas musicais tradicionais. O artista suíço colocou ordem no ruído ferroviário.

“Eu  atuava praticamente como um diretor e minha mulher era quem gravava os sons. Íamos juntos, com um gravador Nagra e um microfone Neumann. Era o melhor equipamento do mundo para realizar o trabalho”, conta o autor à swissinfo.ch, pouco antes da apresentação do trabalho em terra italiana.

Sons e homenagens

 A matéria prima para a realização desta sinfonia foram as vozes anônimas, os barulhos dos trens e os anúncios no alto falante de partidas e chegadas. Todo o material foi gravado no sistema analógico, pois o digital ainda não existia.  

O processo de sonorização em estúdio foi longo e consumiu três anos de trabalho. “O segredo estava na repetição dos sons, encontrar as batidas certas para trabalhar em cima e criar  a música”, explica Herbert Distel.

A obra composta tem dois atos divididos em cinco partes. Cada uma das partes de La Stazione é dedicada a uma personalidade que exerceu alguma influência em Herbert Distel. “ São pessoas que foram importantes para mim. Então dei nomes às vozes que participaram do projeto”, revela o suíço. Assim, a abertura “Trecentocinquantatre” foi para Arturo Schwarz (conhecido professor italiano de história da arte, nascido no Egito). 

Todo o processo teve como modelo a ópera La Collina (1947) do compositor italiano Mario Peragallo(1910-1996) e baseou-se na coletânea de poesias Spoon River Anthology, do poeta americano Edgar Masters (1868-1950). 

Tudo isso tinha conexão com o trabalho de Herbert Distel. “ Eu tinha feito um trabalho de 33 fotografias no cemitério de Staglione, em Gênova. Eu via uma ligação entre esta sequência de fotos – cada uma representava uma pessoa morta- com o livro de Edgar Master, com as 244 poesias dedicadas a cada um dos mortos do cemitério. E a primeira delas, na Mario Peragallo moldou a ópera La Collina. Era  como a vida entre o nascimento e a morte. Falei com a viúva de Edgar Master e trabalhamos juntos. A ideia da La Stazione –  ela própria um grande monumento –  nasceu desta conjunção de encontros”, diz Herbert Distel. 

Exploração espacial

 A obra La Stazione encerrou uma espécie de ciclo iniciado em 1970. A odisseia sonora-espacial de Herbert Distel começou muitos anos antes dele instalar os microfones na estação central de Milão. O artista suíço acompanhou o drama dos astronautas da nave Apolo 13, em 1970  pela televisão. 

A partir de um concerto do amigo Peter Aronsky, em Zurique, decidiu unir a composição de Gershwin, “Rhapsody in Blue”, à comunicação entre os astronautas, em perigo de vida no espaço, e o centro de controle de Houston, da Nasa.

O resultado foi a sua primeira obra musical, “We have a problem”. “Por vias sinuosas eu consegui toda a gravação dos diálogos entre a Terra e a nave espacial. Desde o momento de alegria do comandante ao dizer que estava tudo bem, pouco antes da explosão a bordo, à preocupação de informar o problema até as partes mais dramáticas. Ali eu fui capturado pela dimensão dos sons”, afirma Herbert Distel, revelando quando e como nasceu o interesse pelos ruídos nos espaços siderais, privados e públicos. 

O sucesso do artista suíço em áudio seguiu-se à notoriedade que conseguiu com o ovo gigante de poliyester lançado no mar nas ilhas Canárias e recuperado em Trindade, do outro lado do oceano Atlântico. Desde então, o tema da viagem, de objetos, pessoas, de sons, esteve presente no conjunto de sua obra.

Com a gravação do movimento dos sons na estação central de Milão, Herbert Distel, conservou para a posteridade a paisagem sonora de lugar por onde passam todos os dias milhares de pessoas, sem perceberem que os rumores podem soar como música.

Herbert Distel nasceu em Berna, em 1942, e atualmente mora em Viena, Áustria. Entre 1995 e 2005 viveu na Itália.

No começo dos anos 60 estudou “design gráfico” na Universidade de Ciências Aplicadas, em Biel,  e depois aprendeu litografia na Escola de Belas Artes de Paris.

Em 1969,  o artista foi homenageado na Bienal de São Paulo.

Em 10 de junho de 1970, Herbert Distel, realizou uma ação artística de grande repercussão ao lançar no mar um ovo flutuante de 3 metros na costa africana e recuperá-lo em Trindade, no Caribe, sete meses depois.

Herbert Distel criou o Museum of Drawers. Ao longo de sete anos, na década de 70, ele visitou o ateliê de cada artista, entre eles  Pablo Picasso, e montou o acervo com 500 peças de miniaturas de obras criadas por pintores, escultores. Atualmente, Herbert Diestel trabalha na digitalização do museu.

O artista toca saxofone e piano e é influenciado por Morton Feldman, John Cage, Phil Glass, Brian Eno.  

Entre os anos de 1985-87 ele estudou cinema, em Berlim, com Krzystof Kielowski e Edward Zebrowski.

A obra “We have a problem”, baseada nos diálogos entre os astronautas da Apolo 13, o centro de Houston, e as notas de Rhapsody in Blu, foi lançada em 100 discos de vinil,  numerados.

Herbert Distel, realizou uma espécie de prelúdio da La Stazione, quando compôs, em 1984, uma peça musical baseada nos sons gravados nas inúmeras viagens que fez de trem entre Berna e Zurique.

Ela foi apresentada em Berna, um ano e meio depois, durava 60 minutos e chamava-se Die Reise.

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