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Artistas suíços estão na Bienal de Veneza

Silvia Baechli no pavilhão suíço da Bienal 2009- Keystone

A Bienal de Artes de Veneza, sob o título de "Construir Mundos", mostra a pluralidade das expressões artísticas: instalações, vídeos, quadros, performance, filmes, paradas musicais e esculturas.

Desta vez, os suíços chegam com equilíbrio entre a serenidade e a reflexão.

A cidade, por si só uma obra de arte urbana única no mundo, com seus canais, fachadas dos palácios antigos, orla e jardins, privados ou públicos, é ideal para abrigar a produção dos artistas contemporâneos ou daqueles gurus das gerações futuras, como a brasileira Lygia Pape (1927-2004).

E em meio a uma profusão de estilos, de criações bizarras, ousadas e provocantes, a Suíça comparece na contramão da confusão. Silvia Bachli pendura os seus desenhos no Pavilhão da Suíça, nos Jardins. E Fabrice Gygi instala as suas gaiolas dentro da igreja San Stae. E se a primeira apresenta os trabalhos que transmitem a paz interior, o segundo monta a sua obra num local dedicado ao culto do espírito.

Silvia Bachli pacifica a Bienal

O Pavilhão da Suíça fica bem na entrada dos Jardins, num ponto estratégico, logo à direita de quem entra na Bienal. Ele é parada obrigatória para quem pretende percorrer a longa avenida arborizada para visitar a exposição. Ao longo do caminho, depois de terem recebido uma forte dose de impacto visual, com as obras excêntricas espalhadas lá e cá, os frequentadores entram a passo acelerado no Pavilhão da Suíça e saem caminhando bem devagar. O motivo são os traços de Silvia Bachli.

A artista de Baden captura a essência da arte com o seu método mais primitivo: o desenho. Os olhares, os pensamentos são capturados pela singeleza das obras da pintora. O papel em branco ganha uma pincelada capaz de delimitar o espaço e de dialogar com o espectador. As obras são silenciosas, o “barulho” visual não existe.

“Sim, alguns desenhos eu criei em terras geladas, durante o inverno, tinha muito silêncio. Outras foram realizadas no meu atelier, na cidade, e Basileia, tinha um pouco menos de silêncio. Ao final fiz uma compilação e a exibo aqui neste belo Pavilhão”, explica ela à swissinfo.

“Eu gostaria que eles dessem uma olhada ao redor e refletissem sobre aquilo que conseguem enxergar. Alguns desenhos são figurativos, de fácil leitura, mas outros são muito mais abstratos. São linhas que vão de um ponto a outro, difíceis de serem descritas, são movimentos dentro de um espaço e você pode fazer conexões “, comenta Silvia Bachli.

Trinta anos de pesquisa

As duas grandes salas do Pavilhão suíço são ocupadas por obras que resumem os trinta anos de pesquisa de Silvia Bachli em criar espaços a partir do nada, descobrir o traço mais simples, realizar o desenho mais familiar. Dois borrões com cores tênues, uma espiral em preto são obras que não tèm segredo algum e, em tempos de mil e uma interpretações, surpreendem pela originalidade de sua composição pictórica e gráfica.

As variações de um mesmo tema – o traço simples sobre o papel em branco – levam a uma série de quadros e interferências em fotografias, com paisagens naturais “rabiscadas” pelos fatores climáticos, como o vento e as temperatura. Um campo de neve branco, com um lago azul semicongelado perto de pedras escuras servem de fonte de inspiração para a artista. A imagem dá uma ideia do conteúdo e da forca da obra da artista.

O jogo se faz simples e complexo ao mesmo tempo. A superfície das obras também muda. Do papel para a madeira de uma mesa ou diretamente num muro, numa parede, as criações de Silvia Bachli determinam novas nuances e matizes de cores tênues, quase como se tivessem sido usadas de forma tímida e discreta.

Pinceis e lápis escrevem através das mãos da artista mensagens de tranquilidade, paz, lentidão e intuição. Eles delimitam formas que recordam a infância, os primeiros desenhos e o contato real com a arte. Talvez, daí, saia o principal código para decifrar o mundo de Bachli.

Fabrice Gygi desvela uma igreja

Já a obra de Frabrice Gygi, nascido em Genebra, propõe um mergulho no passado. Mas não na individualidade de cada um e sim na coletividade da humanidade. A instalação do artista foi montada dentro de uma igreja do século 11, às margens do canal Grande. E, só ai já faz toda a diferença. Mais uma vez, o espectador é convidado a abaixar o tom da voz e reduzir a velocidade dos gestos, não tanto pela influencia da obra, mas sim pela sua localização.

Duas longas fileiras de jaulas e gaiolas ocupam as laterais da nave principal da igreja. No meio, bem no chão, sobre o pavimento de mármore, está uma treliça de ferro. Cada uma das portas destes ‘armários’ está lacrada com um cadeado. E dentro deles o espectador pode imaginar o que bem entender.

A bem da verdade, ele não teria o trabalho de imaginar muito. A instalação completa previa o armazenamento de cilindros com gasolina e gás. O risco de explosão era real, segundo as autoridades locais. Elas não deram a permissão e o autor acabou deixando as gaiolas vazias. Os objetos parecem abandonados ou na iminência de receber os conteúdos e de serem classificados e manipulados. Tudo ocorre diante do altar.

A instalação reflete o tempo da guerra. Quando a fronteira do sacro e do profano confundia-se, inevitavelmente. Por ser um templo religioso, em teoria as chances de ser alvo de bombardeios e invasões eram pequenas. O respeito pela fé e o medo do castigo divino freavam o ímpeto da destruição. Aproveitando desta realidade, a resistência usava as igrejas como depósitos de armas, munições e combustível, acima de qualquer suspeita.

A obra de Fabrice Gygi prega a transformação em marcar a nova realidade. E ela apresenta como chave de leitura o paradoxo absoluto. A proteção como agressão e a segurança como uma prisão, são tensões limites e extremas que se sustentam mutuamente.

Contradições

As contradições permeiam a Bienal de Veneza e provocam uma reflexão sobre o atual estado da arte e os caminhos a seguir no futuro. “Esta é uma mostra guiada pela aspiração de explorar os mundos vizinhos e diante de nós. Ela tem a ver com a possibilidade de novos começos. E é isso que eu quero dividir com os visitantes”, explicou o jovem diretor da Bienal, o sueco Daniel Birnbaum, 46 anos.

As obras estão localizadas em dois principais e tradicionais pontos: o Arsenal e os Jardins. E pelo caminho, entre um e outro visitante, literalmente “tropeça” e “respira” arte. Num beco sem saída, espremido entre um rua e um canal de água, jaz um corpo, inerte. Performance? Pura provocação? Nada, ele e’ apenas um manequim “esquecido por alguém na esquina.

E o que dizer da instalação de um homem, boiando de bruços na piscina, a poucos metros do Pavilhão suíço?!! Uma observação mais atenta e se nota o relógio e os sapatos deixados na borda. A cópia do corpo humano, elaborado com extrema fidelidade à realidade, é de um ser que se suicidou? Não existe vida sem a morte e vice-versa…

E o que dizer de um barco que circula pelas águas de Veneza, apenas com a proa e a popa acima do nível do mar? Como se fosse uma estrutura afundada somente no meio e, que mesmo assim, continua a manter viva a esperança do náufrago. Ou ainda o trabalho por fazer diante de um barquinho com um gigantesco container, à espera de ser descarregado.

Soltar imaginação

As obras revelam mil e uma estórias por trás delas. No caso especifico, a carcaça de madeira, encalhada na orla de Veneza, representa a localização e globalização, o barquinho simples de transporte usado para levar do navio ao porto as mercadorias que chegam de paragens distantes.

Já no Arsenal, os artistas soltam a imaginação para contar e reconstruir os próprios mundos. A representação de um canteiro de obras está ao lado da projeção de um filme sobre o teatro das sombras que encena uma orgia digna de contorcionismos do Kama Sutra. Ou a imagem de uma árvore na parede permite a sombra de cada um dos visitantes a “subir” nos galhos. Ela esta embaixo de um enxame de zepelins armados no teto.

E isso sem falar numa ampla área coberta com rolos de linha de costura, bolas de diferentes esportes, num mosaico inusitado de objetos do dia a dia. Ou de uma escultura feita com pneus de bicicleta cortados e colados em tiras, como um serpentário que ocupa o volume de todo um espaço.

Fantasia e realidade brincam de esconde-esconde numa cidade encantada. Filas de iates, de ricos mecenas e investidores, ancorados no canal Grande, abrigam festas nababescas e disputados aperitivos ao por do sol, tudo em nome da arte. E não se sabe se fazem parte de uma exclusiva performance artística ou se é a realidade de um outro mundo ainda por ser construído.

Guilherme Aquino, swissinfo.ch, Veneza

A Bienal de Artes de Veneza – 53a Exposição Internacional de Artes – pode ser visitada entre os dias 7 de junho e 22 de novembro de 2009.

Neste ano o Leão de Ouro para a carreira vai para os artistas Yoko Ono e John Baldessari. A exposição distribui ainda três prêmios: Leão de Ouro para a melhor participação nacional e para o melhor artista e o Leão de Prata para o jovem mais promissor da mostra Construir Mundos.

Neste ano a Bienal recebeu um recorde de nações participantes: 77 no total.

90 artistas exibem os seus trabalhos no Arsenal, nos Jardins e em diferentes pontos de Veneza.

44 eventos paralelos acompanham a quermesse.

A exposição ocupa uma área de 88 mil metros quadrados.

Nesta edição privilegia-se grandes espaços para apenas uma obra.

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