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O sapateiro que constrói palácios de gelo

Passeio num mundo mágico: as esculturas de Neuhaus iluminadas com luzes fluorescentes. swissinfo.ch

O sapateiro Karl Neuhaus, de 73 anos, cria pela vigésima quinta vez neste inverno uma paisagem de contos de fada em gelo, perto do Lago Negro, nos pré-Alpes suíços.

As origens desse trabalho – uma atração turística conhecida em toda a Suíça e até no exterior – remontam à infância do artista.

Conta uma lenda que o Lac Noir (Lago Negro), situado a 1047 metros de altitude, no cantão de Friburgo (oeste da Suíça), ganhou este nome depois que o gigante Gargantua lavou os pés sujos em sua água. Não é por nada que hoje uma espécie de conto de fadas faz a fama da região.

É no desaguadouro do lago, em meio a um bosque cortado pelo Sense, o rio que separa a parte francesa da parte alemã da Suíça, que Karl Neuhaus constrói um mundo fantástico feito de água e frio: os palácios de gelo (Eispaläste, em alemão).

A ideia surgiu quando Neuhaus era menino. “Quando pequeno, criei um jardim alpino no quintal, que a neve transformava em paisagem de inverno. Isso me deu as primeiras inspirações”, conta à swissinfo.ch.

Inspirado por um rio congelado

O impulso decisivo para seu hobby artístico veio mais tarde. “Como jovem, eu gostava de passear na floresta em Plaffeien, perto do Lac Noir, onde nasci. Num desses passeios, vi um riacho com cascatas congeladas. Então tentei reproduzir uma paisagem semelhante em casa”, lembra.

Com uma mangueira de irrigação e dois aspersores (sprinklers), Neuhaus construiu uma torre de 11 metros de altura, mas não contou a ninguém. Um dia, ele viu uma foto de uma escultura de gelo no jornal local Freiburger Nachrichten e logo percebeu que era a sua obra.

Em pouco tempo, seu jardim privado virou atração pública. “Vieram os primeiros visitantes e eu me tornei prisioneiro da ideia de sempre experimentar coisas novas. Assim minha pequena paisagem alpina evoluiu para esses gigantes palácios, por onde se pode caminhar”, explica.

Há 25 anos, sempre de dezembro a março, Neuhaus vira “jardineiro do gelo”. Num bosque que pertenceu à família de sua mãe, ele usa até 20 sprinklers, troncos e galhos de árvores, armações de madeira e metal reciclado para dar asas à sua imaginação.

Há outros parques com esculturas de gelo na Suíça, mas nenhum que use a técnica desenvolvida por Neuhaus. Outros artistas trabalham com blocos de gelo ou esculpem suas figuras direto nas geleiras alpinas.

“Gosto de trabalhar com os sprinklers e a natureza”, diz. Ele explica que a água deve ter no máximo entre 2,5 e 3 °C e a temperatura externa tem de oscilar entre 2 graus negativos e 10 °C para realizar sua arte.

“Um grande conto de fadas”

Depois de cinco ou seis dias de aspersão, os palácios ganham forma, com milhares de estalactites de gelo pendurados no teto, nos corredores, nas arcadas e nas árvores ao redor. Carcaças de varais e guarda-sóis viram pirâmides, palmeiras e outras figuras de gelo. À noite, tudo se transforma num mundo mágico, mergulhado em luzes coloridas (confira a galeria na coluna à direita).

O resultado é, como diz o próprio artista, “um grande conto de fadas, com muita historinhas integradas. Sempre penso em fazer algo para as crianças, que gostam de contos como o da Branca de Neve e os Sete Anões“.

Os pinguins de pelúcia numa geleira na entrada do parque também alegram as crianças, mas parecem kitsch. O mesmo vale para macacos e tigres de pelúcia aninhados nos palácios de gelo. “É assim que abordo o contraste entre regiões frias e os trópicos”, diz Neuhaus, com um piscar de olhos.

Mesa e cadeiras de gelo

Ele conta que a divulgação de sua obra acontece principalmente pela propaganda boca-a-boca e pelo noticiário na imprensa. “Para a região do Lago Negro, é uma atração única, que alegra tanto crianças quanto adultos. Não conheço nada igual nesse estilo na Suíça nem no exterior.”

Em seu “grande conto de fadas”, Neuhaus tem lugar, entre outras coisas, para um iglu com mesa e cadeiras de gelo, um navio de piratas e até uma gruta dedicada à Nossa Senhora. “Sou uma pessoa religiosa. E a gruta é uma das atrações preferidas pelos visitantes”, conta.

E não são poucos os que visitam os Palácios de Gelo – entre 10 e 20 mil pessoas por inverno. Com o dinheiro dos ingressos (4 francos para crianças de 4 a 16 anos e 8 francos para adultos), Neuhaus complementa sua aposentadoria.

Há cinco anos, ele pendurou no prego sua profissão de sapateiro. Mas seus palácios de gelo ele não pretende largar tão cedo. “Enquanto eu tiver novas ideias para experimentar, vou continuar. Depois, um dos meus ajudantes irá me suceder”, diz.

Geraldo Hoffmann, swissinfo.ch

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