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“A Suíça tem que ser corajosa com a China”

Funcionários da Foxconn Group, empresa fornecedora da Apple. Foxconn tornou-se conhecida pelo número de suicídios em suas fábricas na China. Keystone

A Suíça vai começar as negociações para um acordo bilateral de livre comércio com a China.

Várias organizações se reuniram nos últimos dias em Berna para discutir a questão dos direitos humanos. Entrevista com Thomas Braunschweig, da ONG “Declaração de Berna”.

Davi e Golias, a pequena Suíça e o gigante chinês, decidiram iniciar as negociações para um acordo bilateral de livre comércio. É passo à frente nas relações entre os dois países, que vem de longa data.

O 60º aniversário das relações diplomáticas entre a Suíça e a China foi comemorado este ano com grandes pompas. E desde 2002, a China é o principal parceiro comercial da Suíça na Ásia.

Todas as condições parecem estar reunidas para que ambos firmem em breve um acordo de livre comércio, fruto de um relacionamento econômico real. Um acordo que ainda não é do agrado de todos. Principalmente das várias organizações preocupadas com a situação insatisfatória dos direitos humanos na China.

Assim, quatro delas – “Alliance Sud”, Declaração de Berna, Sociedade dos Povos Ameaçados, Sociedade pela Amizade Suíço-Tibetana – se uniram em uma frente de pressão para exigir da Suíça um acordo de livre comércio que leve em conta a dimensão dos direitos humanos, uma variável muitas vezes posta de lado.

Entrevista com Thomas Braunschweig, responsável pela política comercial da ONG “Declaração de Berna”.

swissinfo.ch: Qual é o seu ponto de vista sobre a perspectiva do presente acordo de livre comércio (ALC) com a China?

Thomas Braunschweig: “Não somos contra negociações que permitam à Suíça um espaço para discutir com a China a observância dos direitos humanos. Nós exigimos a inclusão de cláusulas contratuais em matéria de direitos humanos e um estudo preliminar sobre as consequências de um ALC nos direitos econômicos e sociais da população. Uma avaliação que permita definir, com base nos resultados obtidos, se as negociações podem ser realizadas ou não.

swissinfo.ch: No campo dos direitos humanos, quais melhorias poderiam ser alcançadas com tal acordo?

T.B.: Temos de ser realistas. É claro que a Suíça não pode, com um acordo de livre comércio, melhorar sensivelmente a situação dos direitos humanos na China. Porque a parte chinesa não se deixará, obviamente, ser colocada sob pressão.

No entanto, nosso país pode contribuir, por exemplo, dando uma garantia de que não vai importar produtos chineses fabricados em condições que não respeitam os direitos humanos fundamentais ou normas estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Ou então, fiscalizando as empresas suíças que trabalham na China, especialmente nas indústrias de mineração e comércio de matérias-primas, para que elas não aproveitem as condições favoráveis no país para violar os direitos humanos e produzir a baixo custo.

swissinfo.ch: A Suíça já introduziu alguma medida nesse sentido no âmbito das negociações do acordo?

TB: Com relação às avaliações, temos pedido reiteradamente à Secretaria de Estado de Assuntos Econômicos (SECO) a realização de tais estudos, especialmente nas negociações com o Vietnã e a Índia. Mas o governo continua negando nossos pedidos, argumentando que tais análises são muito caras e não são seguras o suficiente do ponto de vista metodológico.

Em suma, é relativamente fácil para o governo encontrar desculpas. Os diferentes órgãos da ONU encarregados de direitos humanos estão pedindo há mais de 10 anos a realização destas análises antes da conclusão do acordo.

Ao contrário da União Europeia, a Suíça nunca incluiu cláusulas sobre direitos humanos em seus acordos. A única coisa que o país fez foi incluir uma referência às palavras da Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu preâmbulo, o que não é coercivo. E, portanto, desnecessário. Esta é uma estratégia covarde do governo.

swissinfo.ch: A Suíça mantém uma forte relação comercial com a China, como ela lida com a questão do respeito dos direitos humanos?

TB: No nível governamental há um diálogo entre Suíça e China, que visa estimular o respeito dos direitos humanos (Diálogo Sino-Suíço sobre Direitos Humanos). Ele gira em torno da pena de morte, respeito das minorias, liberdade religiosa e direitos econômicos e humanos, com a valorização da responsabilidade social das empresas.

Por exemplo, na última avaliação da China realizada pela ONU, a Suíça foi o único país a ter se pronunciado sobre os direitos da minoria uigur. Uma questão muito sensível.

No entanto, o debate entre os dois países continua faltando, pois não vemos realmente nenhum resultado concreto.

swissinfo.ch: Se a Suíça incluir cláusulas coercivas, existe um risco de pressão da China?

T.B.: Provavelmente. Vimos a pressão feita sobre a Suíça quando ela acolheu os dois prisioneiros uigures de Guantánamo. Recentemente, também vimos a chantagem feita com a Noruega por causa da atribuição do Prêmio Nobel ao dissidente político encarcerado na China, Liu Xiaobo.

Esse é o problema de concluir um acordo com um país que se comporta desse jeito. Como a Suíça reagiria à pressão? Respeitaria suas convicções ou ficaria calada para manter seus interesses econômicos? Em todo caso, a Suíça deve mostrar coragem, ela não deveria privilegiar a economia às custas dos direitos humanos.

A Suíça mantém 22 acordos de livre comércio com 31 parceiros fora da UE.

A maioria destes acordos foram assinados no âmbito da Associação Europeia de Comércio. Mas com a China, a Suíça vai negociar cara a cara.

Se o acordo for concluído, a Suíça será o primeiro país europeu a assinar com Pequim.

A China é o quarto maior mercado para os produtos suíços, depois da União Europeia, Estados Unidos e Japão. Mais de 300 empresas suíças possuem 700 filiais na China.

A China é também o terceiro maior fornecedor da Suíça.

Em novembro de 2009, a então ministra da economia, Doris Leuthard, e o ministro chinês do comércio, Chen Deming, nomearam uma força-tarefa para analisar a viabilidade de um acordo de livre comércio entre os dois países. Em agosto de 2010, o grupo respondeu a favor de um acordo.

Em novembro de 2010, a Comissão de Política Exterior do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) aprovou um mandato para negociar um acordo sob duas condições:

A primeira, é a inclusão no acordo de um capítulo sobre desenvolvimento sustentável que leve em conta fatores ecológicos e sociais que garantam os princípios defendidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A segunda, é uma informação sobre as implicações do acordo no setor agrícola.

(Adaptação: Fernando Hirschy)

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