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O informático que virou agricultor na África

A redescoberta de um país. swissinfo.ch

Um pouco suíço, um pouco camaronês, um pouco técnico em informática.

É a história de Laurent Nkoulou, que abandonou um cargo de chefia na Nestlé para ir plantar milho nas matas camaronesas.

A vegetação exuberante e os cupinzeiros gigantes formam o cenário para o gado zebu. Suado e coberto de poeira, Laurent Nkoulou observa sua plantação. Parece contemplativo, quase um pouco incrédulo.

Um camponês da vizinhança o tira do seu torpor. O velho homem coberto de trapos tem problemas com ouriços. “Eles comem todas as minhas plantações de mandioca. Você teria um pouco do produto?”, questiona. Laurent escuta calmamente os lamentos do seu vizinho. Ele não quer se transformar em herói, mas a pobreza evidente do idoso lhe toca profundamente. No final, o camponês termina recebendo um saquinho com veneno para erradicar os animais que destroem suas culturas.

Mais cereais do que gado

De fato, esse suíço-camaronês se transformou em pouco tempo em uma personalidade local. Em Mbandjock, vilarejo distante uma centena de quilômetros de Yaoundé, a capital de Camarões, todo mundo conhece “o mestiço”.

Com o boné cobrindo a cabeça e uma camiseta já bem desgastada, Laurent acaricia um dos seus bois de corcunda. “Vou vendê-los. Não tenho coragem de abatê-los e nem de vê-los morrer. Não na minha mão.”

É difícil imaginar que esse cidadão de coração mole poderia ter tido uma brilhante carreira de “assassino” de zebu em série. Ao descobrir na herança familiar uma antiga fazenda abandonada, ele hesita em assumir essa atividade de criador de gado. Ao mesmo tempo ele percebe a complexidade logística desse tipo de empreendimento.

Então ele muda de campo. A fazenda tem 140 hectares, o que corresponde a 190 campos de futebol. Nas suas terras ele resolve plantar cereais. E mesmo o fato de não entender nada de agricultura não o desencoraja.

Carreira sofre guinada total

Filho de pai camaronês e mãe suíça, Laurent cresce em Camarões, mas já vive na Europa há vinte anos. Por dez ele trabalha na Nestlé. Pequeno gênio da informática, rapidamente se integra no projeto Globe (ler coluna da direita)

Em Vevey, sede mundial da Nestlé, mais de 400 pessoas atuam no projeto. Laurent foi um dos coordenadores. Na época sua vida era mais do que confortável. Casado, pai de duas crianças, ele compra uma casa confortável na França vizinha e um carro grande.

“Depois me divorciei. O trabalho já não me motivava mais. Essa reviravolta na minha vida pessoal terminou sendo a configuração ideal para procurar um novo rumo.”

Progressivamente, a partir de 2007, ele diminui suas atividades na Suíça e multiplica as viagens à Mbandjock. Ele vende sua casa, o carro, e troca tudo por um casebre sem eletricidade, sem água encanada e um pick-up melhor adaptado às estradas esburacadas no interior de Camarões. A família e amigos veem com ceticismo a mudança. Porém nada desanima o futuro agricultor. “Confesso que financeiramente é um risco muito grande, mas eu gosto da idéia”, lembra-se com um sorriso estampado no rosto.

Ele decide plantar milho e contrata uma centena de mulheres para plantar os grãos manualmente em quarenta hectares de terra. Quatro meses depois, no momento da colheita, a primeira desilusão: 70% de perda. O mofo, causado pela forte umidade durante a estação do ano que seria supostamente seca, foi a causa do insucesso. Não é possível ser produtor de cereais já na primeira colheita!

Aprendizado

Laurent pesquisa, aprende, testa e chega à conclusão: é necessário mecanizar. Para isso ele compra no Brasil uma semeadora, uma debulhadora na Índia, um pulverizador e um trator na França. “Meu Audi pagou o trator”, brinca o ex-executivo.

E outros problemas não tardam a surgir. “Gerir e levar em conta os imperativos do tempo e de meio é a minha profissão. Ora, eu não tinha integrado imediatamente o dado variável desse projeto, ou seja, Camarões”, reflete. Seis meses de visitas às repartições e dinheiro para “engraxar” as engrenagens administrativas passaram até que as máquinas chegassem, enfim, à Mbandjock. Agora o próximo passo é buscá-las e fazer o primeiro teste prático a partir de agosto.

Laurent já pediu demissão da multinacional em Vevey. Ele não se arrepende. “Sempre estive com os pés em dois mundos. Tive a oportunidade de estudar na Europa. Mas agora sinto, como muitos dos meus compatriotas, ter uma dívida com Camarões, a obrigação moral de um dia retornar à minha pátria.”

Em abril, Laurent fechou delicadamente a porta do seu escritório, sem festejar despedida, sem barulho e bem discretamente. Ele não carregou nada consigo e queria ainda aproveitar para passear pela ultima vez na sede da Nestlé, às margens do lago Léman.

Camisa rosa e os óculos lhe dão um ar sério. Ele observa os Alpes. Contemplativo, quase incrédulo. Seus olhos já refletem o céu de Camarões.

Zian Marro e Laetitia Wider, swissinfo.ch

1969: Nascimento em Lausanne.

1989: Estudos de engenharia de telecomunicações em Paris.

1993: Estágio na Sony França em Paris e depois 10 meses em uma editora de softwares em Londres.

1994: Criação da sua primeira empresa, Galilée, em Cergy, França.

1995: Retorno à Suíça. Conselheiro de informática na AIM-CMF em Genebra.

1998: Chefe de projetos informáticos na Nestlé, em Vevey.

Depois de ter realizado a plataforma intranet do grupo, ele trabalha no projeto «Globe» ,de harmonização de todos os processos, dados e sistemas informáticos do grupo, implicando todas as filiais no mundo. A rede é efetiva hoje em dia e sua conclusão se dará ao final de 2009.

Janeiro de 2008: Ele cria a empresa de cereais Kusel em Mbandjock, nos Camarões.

Abril de 2009: Demissão do seu cargo de chefe de projeto na Nestlé

Laurent Nkoulou vive hoje em dia entre Barcelona e Mbandjock. O primeiro ciclo mecanizado foi previsto para agosto de 2009 e a primeira colheita de milho irá ocorrer entre novembro e dezembro.

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