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Harald Cropt é um lutador suíço atípico

Amante da terra e de seu esporte, Harald Cropt participa da Festa Federal swissinfo.ch

Neste final de semana em Frauenfeld, perto de Zurique, 287 lutadores se enfrentam pelo título supremo de “rei da luta suíça”.

Entre os pretendentes ao título está Harald Cropt, um produtor de vinho do cantão de Vaud (oeste), filho de mãe haitiana e de pai suíço. É um colosso mestiço que não passa desapercebido no bastião dos valores tradicionais da Suíça.

Os preconceitos ainda tem a pela dura. A de Harald Cropt é mulata de ascendência haitiana. Madelaine, sua mãe veio estudar medicina na Suíça. Ela encontrou Philippe, produtor de vinho e homem da terra, quando trabalhava nas férias de verão em um vilarejo do cantão de Vaud (oeste), como fazem os estudantes. Juntos, eles tiveram um filho a quem deram o nome de Harald. É uma história mestiça, como existem milhões em todo o mundo. Quase banal.

Mas aos 14 anos, depois de ter tentado, sem sucesso, praticar todos os esportes disponíveis para os jovens, Harald descobriu a luta suíça. E rapidamente ele gostou da serragem das raias. “A luta é um combate fraterno, sem rivalidade. Fora do ringue, somos todos amigos. O vencedor ajuda o perdedor a se levantar e limpa a serragem das costas. Os suíços alemães dizem, aliás, que não é um esporte e sim um jogo.”

Com seu gabarito impressionante – 1,93 de altura e 125 kg – Harald Cropt tornou-se rapidamente o terror das festas de luta da parte francesa da Suíça, região que tem uma das cinco associações de luta do país. Em 2004, ela participou pela primeira vez, como substituto, da festa federal de luta, competição suprema organizada de três em três anos, a única a coroar um “rei” suíço.

A serviço da luta

Na última Festa Federal, em 2007, ele participou na maior arena efêmera jamais construída na Suíça, em Aarau (norte). O resultado esportivo foi médio. Depois dos primeiros combates de sábado, faltou-lhe 0,25 pontos para se classificar para a segunda jornada. Mas humanamente a experiência foi inesquecível. “Foi impressionante, 48 mil pessoas que olham para você. O ambiente é bom, nunca tem briga; os espectadores entram no estádio com garrafas de vinho e canivetes para cortar o salame”, lembra-se Harald.

O quadro parece idílico e, no entanto, em Aarau e alhures, vaias e palavras desagradáveis foram ouvidas nos combates de Harald, o “lutador negro”, como o chama uma parte da imprensa suíça de língua alemã. O atleta de 27 anos não dá muita importância: “Eu já ouvi uma ou duas reações de velhos ultrapassados, sobretudo quando eu começava, mas é anedótico.”

Harald Cropt, primeiro lutador negro nesse refúgio de valores tradicionais e de uma certa ideia da Suíça rural e viril. “É verdade que tenho o tipo do pastor de montanha”, reconhece. “Se eu fosse jogador de futebol, os jornalistas não se interessariam tanto por mim”. Ele quer colocar sua “particularidade” a serviço do esporte, tornando-o mais “popular e dar uma imagem menos tradicional”. Isso principalmente na parte francesa da Suíça, onde a prática da luta está em declínio.

Pelo prazer

A aposta ainda não foi ganha. Questionado pela revista Via sobre a ausência de estrangeiros no mundo da luta, o açougueiro de Berna Christian Stucki – 1,98 m de altura e 150 kg – grande favorito da Festa Federal, responde: “Sim, tem Herald Cropt, um produtor de vinho do cantão de Vaud. Ele é bem aceito”. Quanto a saber o que o define – produtor de vinho, negro ou natural do cantão de Vaud – a pergunta fica sem resposta.

Mas o próprio Christian Stuck dá sua definição de pertinência nacional, a mesma utilizada pelos movimentos da direita nacionalista: “Eu sou primeiro um confederado. Todo mundo pode adquirir a nacionalidade suíça, mas não tornar-se confederado.”

Harold Cropt não quer acirrar o debater e diz “não prestar atenção em tudo isso”. Mas acrescenta: “Temos raízes, a Suíça é assim. Gosto do cor dos Alpes, mas é verdade que às vezes é um exagero. A tradição não pode se limitar a regiões como Emental e Gruyère. Mas eu não sou militante, não tenho nada a provar. Em 2007, me diziam que eu cair nas garras do lobo em Aarau por causa da UDC (ndr: União Democrática do Centro, o mais tradicionalista dos grandes partidos suíços). E tudo correu bem. Eu só pratico a luta pelo prazer.”.

Uma região como pátria

Quanto às raízes, Harald Cropt tem o sotaque típico da região. No vilarejo de Ollon, ele mostra com orgulho os dois hectares do vinhedo da família, num terreno escarpado de onde se vê o rio Ródano. É ali que o atleta sempre viveu. Ele ainda não teve a oportunidade de ir ao Haiti, mas sabe algumas palavras de crioulo e fala de uma cozinha “apimentada”.

Diplomado em enologia, ele fica tagarela ao falar do clima, das novas vinhas que acaba de plantar – sauvignon branco, pinot gris, syrah, gamaret, etc – ou dos primeiros testes de vinificação em 2007.

Prêmios sem dinheiro

A conversa prossegue, com um copo d’água na mão. “Eu tento não beber antes das competições, mesmo se às vezes é difícil como produtor de vinho”. Volta-se ao esporte do qual ela destaca os méritos, entre eles o de ficar totalmente fechado aos prêmios em dinheiro.

“Só ganhamos prêmios naturais. Uma vaca, uma cabra, um sino ou móveis de madeira”, diz com um orgulho evidente. O pai, Philippe, acompanhado de dois amigos para o aperitivo, lembra-se maliciosamente de uma festa de luta em Genebra, onde três moças “pouco vestidas” se “ofereciam” aos vencedores.

Domingo em Frauenfeld, do outro lado da Suíça, Harald Cropt vai tentar ganhar o “muneli”, touro símbolo de força atribuído ao vencedor. Tornar-se o Barack Obama da luta suíça é um objetivo realista? Todo lutador sonha um dia ganhar o titulo máximo. Mas não se ganha por sorte, precisa de muito treinamento e trabalho. Mas o resultado de uma luta é frequentemente por uma pequena diferença. Até os melhores podem perder se não tiverem 100% de concentração.

Apertem os cintos, agarrem bem firme no calção de lona do adversário, as hostilidades fraternas podem começar.

Samuel Jaberg, Ollon, swissinfo.ch
(Adaptação : Claudinê Gonçalves)

A Festa Federal de Luta e dos Jogos Alpestres ocorre de três em três anos. A edição 2010 ocorre de 20 a 22 de agosto em Frauenfeld, cantão de Turgóvia (norte).

Participam atletas das cinco associações regionais melhor classificadas nos torneios cantonais de montanha. No total, 287 atletas participam dos dois dias de competição, entre eles 27 da parte francesa da Suíça e seis do estrangeiro.

O orçamento da edição 2010 é de 20 milhões de francos, o que constitui o maior evento esportivo da Suíça. A arena construída para o evento tem capacidade para 47.500 espectadores. Todos os ingressos foram vendidos com antecedência. As competições são transmitidas ao vivo pela televisão pública suíça.

Durante os três dias da manifestação,200 mil pessoas devem comparecer, na previsão dos organizadores ; elas deverão consumir 200 mil litros de cerveja e 130 salsichas grelhadas.

Em 2007, Jörg Abderhalden foi coroado rei da Festa Federal de Luta pela terceira vez, depois de 1998 e 2004. Nascido em 1979, ele é marceneiro e vive no cantão de St.Gallen, norte da Suíça.

Considerada como o esporte national suíço, a luta suíça é praticada pelo menos desde o século 17 por pastores de montanha.

A luta suíça é disputada em combates curtos chamados passes de 10 a 12 minutos.

Os combates ocorrem em raias circulares cobertas de serragem. Os lutadores vestem por cima da roupa um grande calção de lona preso por uma cinta; é nesse calção que os lutadores se agarram.

O vencedor é o que consegue derrubar o adversário de costas e encostar os ombros no chão, sem largar o calção.

Em caso de empate, um juri avalia o desempenho dos dois lutadores atribuindo notas de 8,5 a 10 para determinar quem serão os adversários para o próximo combate.

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