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Locarno: o que importa é estar presente

Cena do "Juizo", filme de Maria Ramos. (foto: cortesia)

Poucos longas-metragen e alguns curtas: a participação dos países lusófonos no Festival Internacional de Cinema de Locarno passa quase despercebida. A ausência mostra como é grande a concorrência para participar de um evento, onde a principal estrela é o filme de autor.

swissinfo encontrou diretores brasileiros e portugueses. Para alguns deles, a presença em Locarno abre mais portas para o mercado do que nos seus próprios países.

“O que eu adoro é nadar nesse lago maravilhoso”. Esta frase foi dita quase como uma declaração de amor pelo jovem cineasta brasileiro ao apresentar seu curta-metragem ao público de pouco mais de quarenta pessoas, em uma das seções do Festival Internacional de Cinema de Locarno (FICL).

De fato, esse é um dos charmes dessa cidade de clima ameno e ensolarado, localizada na base de uma cadeia de altas montanhas e banhada pelas águas azuis do lago Maggiore, um dos cartões postais mais conhecidos da Suíça. As palmeiras, os prédios pintados de cores claras e o italiano falado nas ruas estreitas até fazem esquecer que o Mediterrâneo está distante centenas de quilômetros.

Nem o festival consegue tirar a tranqüilidade das suas ruas. Nesses dias, em Locarno, não há tapetes vermelhos, grandes estrelas internacionais do cinema ou multidões de “paparazzis”. Os turistas se misturam com atores, diretores, jornalistas e cinéfilos nos cafés da cidade. Em surdina, representantes das empresas audiovisuais e agentes de outros festivais fazem seus negócios nos restaurantes. “Aqui a gente tem impressão de estar vivendo um momento muito exclusivo”, conta uma jornalista brasileira.

Onde está o cinema lusófono?

Locarno é o espaço do chamado “cinema de autor”. Ao contrário dos outros grandes festivais, o destaque é para filmes temperados pela visão do diretor. Alguns são até quase impossíveis de entender. “As pessoas pensam muito na execução do próprio filme e não se dão a experiência de ver o filme”, retruca o cineasta português ao jornalista que ousou perguntar sobre a mensagem principal do seu trabalho.

Na edição 2007 do FICL, ele é um dos poucos representantes do mundo lusófono. Essa ausência pode ser percebida ao se folhear o pesado catálogo das centenas de filmes exibidos entre 1 e 11 de agosto.

“O capacete dourado”, do diretor português Jorge Cramez, foi o único longa-metragem de um país de língua portuguesa a emplacar na competição internacional, a principal do festival. O filme mostra gangues de motociclistas, que organizam durante as noites provas de coragem. Seus personagem vivem rebeliões em casa e na escola. E para adocicar: uma história de Romeu e Julieta no meio da narrativa.

Não falta qualidade

Em competição está também «Memories», um projeto de cinema composto por três pequenos filmes do português Pedro Costa («The Rabbit Hunters»), Eugène Green («Correspondences») e Harun Farocki («Respite»).

A ausência não é uma questão de falta de qualidade dos filmes produzidos recentemente, como se apressa em explicar um dos membros da organização do evento.

“Com relação à produção lusófona, nós assistimos muitos filmes, vários inclusive da África. Por exemplo, eu vi algumas produções moçambicanas muito interessantes. Mas dentro do contexto internacional, tínhamos que fazer um afunilamento na escolha. Tudo depende de quando os filmes estão prontos ou se já foram estreados em outros festivais, pois trabalhamos apenas com obras que nunca foram exibidas. Aqui temos estréias fora do país de origem ou mundiais”, declara Paulo Roberto de Carvalho, membro do comitê de programação do FICL.

O brasileiro ressalta que a importância dada pelo festival para a produção cinematográfica do continente é tão grande, que ele até foi encarregado há alguns anos de ser o “olheiro” oficial da para os mercados cinematográficos na América Latina, Espanha e Portugal, um trabalho que lhe permite estar presente em festivais como os de Bilbao, Berlim ou no Brasil.

Poucos, mas de boa qualidade

“Na minha opinião, os países lusófonos estão muito bem representados no festival, sobretudo dentro das seções. Por exemplo, a seção ‘Cineastas do Presente’ não é um espaço que qualquer um entra. Nele são apresentados filmes bem diversificados”, defende Paulo.

Ele cita o documentário “Juízo”, da cineasta Maria Ramos, o único filme lusófono da seção. Rodado no Instituto Padre Severino no Brasil, a obra mostra a realidade cruel de um centro de recuperação de menores que cumprem sentenças judiciais e que, ao completar a maioridade, retornam geralmente para o mundo do crime.

Durante a apresentação, Maria Ramos mostrou seu filme e explicou ao público como conseguiu realizar um documentário sem que pudesse mostrar a cara dos personagens em questão. Todos atores são amadores. A cineasta já ganhou mais de nove prêmios pelos seus últimos trabalhos, incluindo o Grand Prix à Visions du Réel em Nyon, na Suíça.

Locarno como trampolim

Outras produções lusófonas estiveram representados em mostras não-competivas. Uma delas foi “Os verdes anos”, do cineasta português Paulo Rocha e apresentado na seção ‘Retorno à Locarno’. Nela foram também exibidos o “Agora tu”, da também portuguesa Jeanne Waltz, e “Handerson e as horas”, do brasileiro Kiko Goifman.

Além dos longas, o idioma de Camões foi defendido por quatro curtas-metragens realizados por três jovens diretores brasileiros e um português. O caráter experimental das obras encontra boa receptividade em Locarno, gerando muitas vezes debates interessantes e convites de outros festivais.

“Muita vezes não esses diretores não recebem nos seus próprios países. Depois muitos deles acabam brilhando em Berlim ou em Cannes”, lembra Paulo Roberto de Carvalho.

Sandro Aguilar é, apesar da idade, quase um veterano em Locarno. “Essa é a quinta vez que participo. Para mim é muito importante estar aqui, sobretudo pela oportunidade de conhecer outros diretores de cinema e aprender mais sobre suas propostas estéticas”, conta.

O jovem cineasta português apresentou o seu curta experimental “Arquivo”, que chocou alguns espectadores na platéia ao mostrar um peixe vivo lutando pela vida em cima de uma mesa. Ele se apressou a explicar que não maltratou animais. Para entender sua obra “é necessário vê-la com olhos de criança”, disse na apresentação ao público (escutar áudio).

Já para o jovem cineasta brasileiro Pablo Lobato, a vinda à Locarno abre portas para outros mercados internacionais para os seus filmes, longas e curtas-metragens artísticos.

“Como a gente não tem tanto recurso para trabalhar a divulgação dos filmes, o que tentamos fazer é estrear os filmes em festivais que tem a ver com o nosso trabalho. Dessa forma os convites começam a chegar, e não só apenas a gente propor para enviar o filme. Isso aconteceu com o ‘Acidente’, o meu primeiro longa, no ano passado. Ele estreou em Locarno e depois recebeu o convite para ser apresentado no festival de Sundance. Com essas duas premières. conseguimos otimizar a difusão. Tivemos um gasto inicial para descobrir a afinidade entre os filmes e os festivais”, explica Pablo, que é membro do coletivo de produção cinematográfica “Teia”, de Belo Horizonte.

A longevidade de Locarno

Outro jovem cineasta que também se sentia em casa era Carlos Adriano. Seu curta “Das ruínas à rexistência” foi um dos quatro exibidos na seção ‘Play Forward’ em Locarno. A película de treze minutos é quase surrealista e exibe extratos de filmes realizados pelo avanguardista Décio Pignatari e nunca exibidos, trabalhados com efeitos em computador. No fundo se escuta a voz do famoso poeta paulistano.

Para o Brasileiro, o Festival de Locarno está no mesmo pé de Cannes ou Berlim. “O festival está completando sessenta anos. A sua longevidade já diz alguma coisa sobre sua importância. Ele tem uma tradição, desde esquerda, de engajamento, como também de revelação de autores, do cinema mais radical. Ele tem um papel de formação e uma visão mais ampla do cinema”, avalia Carlos Adriano.

Sua obra completa, seis curtas, foi exibida em 2003 em Locarno na seção “Cineastas do Presente”. Poucos diretores da sua geração podem se orgulhar de ter recebido tal homenagem. Mais um motivo para ele se despedir e correr para a próxima sala de projeção. “Tem tanta coisa boa para se assistir aqui”, diz. Ele nem percebe que o dia está tão bonito lá fora.

swissinfo, Alexander Thoele, Locarno

O 60.º Festival Internacional de Cinema de Locarno, Suíça, chega hoje ao fim, com a entrega do prémio Leopardo de Ouro, que é disputado por 19 filmes, entre os quais o português «O Capacete Dourado», de Jorge Cramez.
Em competição está também «Memories», um projeto de cinema composto por três pequenos filmes do português Pedro Costa («The Rabbit Hunters»), Eugène Green («Correspondences») e Harun Farocki («Respite»).
Fora de competição foram ainda exibidos filmes de Sandro Aguilar («Arquivo»), Jeanne Waltz («Agora tu») e Paulo Rocha («Verdes Anos»), este último no âmbito de uma retrospectiva que recorda os 60 anos do Festival de Locarno.
O júri que atribuirá o Leopardo de Ouro ao melhor filme é presidido pela actriz Irène Jacob.

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