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Onda da bebedeira coletiva chega à Suíça

"Botellón" em Granada (Espanha), com 25 a 30 mil participantes em 2006: fazendo escola na Suíça. Keystone

Conhecido na Espanha como "botellón" (garrafão), o fenômeno da bebedeira coletiva de jovens e adolescentes chega à Suíça e desafia o poder público.

A polícia de Zurique quer proibir um “botellón” com quatro mil participantes. Especialistas duvidam que a proibição resolva o problema, que não é novo.

Na manhã de 19 de julho passado, os moradores dos arredores do Parque dos Bastiões, em Genebra, devem ter pensado que um tornado havia passado à noite junto ao famoso Muro dos Reformadores.

Com seu gramado, suas alamedas e escadas cobertas de garrafas vazias e fedor de urina no ar, o passeio público tinha um aspecto muito triste no dia seguinte ao primeiro botellón “organizado” (ou melhor, “convocado”) na Suíça e que teve 1300 participantes.

Resultado: as autoridades decidiram fechar os portões do parque para impedir uma segunda edição, prevista para 8 de agosto. Mas uma terceira já foi convocada para o dia 22. Para dia seguinte, está programada uma bebedeira coletiva em Lausanne, no dia 29, em Zurique, e no dia 30, em Berna.

“Festejar sim, mas não desse jeito”, é a reação dos poderes públicos, que tentam negociar com os organizadores. O problema é que esses encontros são convocados espontaneamente via internet e ninguém quer assumir a responsabilidade por uma limitação mínima para evitar que elas degenerem.

O essencial

“É claro que quando centenas de pessoas completamente se reúnem num parque qualquer coisa pode acontecer. Sobretudo algo ruim”, afirma Yves Pedrazzini, colaborador científico do Laboratório de Sociologia Urbana da Escola Politécnica Federal de Lausanne.

Autor de numerosas obras sobre a cidade, suas tribos e violência urbana, o especialista considera que o fenômeno do botellón não é muito novo. Ele nada mais é do que uma versão atual de velhas práticas dionisíacas, vinculadas à mitologia do vinho e do álcool.

“É a versão pós-moderna da Festa dos Viticultores”, resume Yves Pedrazzini. Não há qualquer pretexto folclórico, cultural, desportivo ou até religioso. Contrariamente às festas, às liquidações anuais e outros carnavais, o botellón tem a valentia de colocar as cartas na mesa. Quem vem é para beber.

E, freqüentemente, mais do que o razoável. “Vai-se ao essencial. Os rituais ancestrais desapareceram. Estamos em uma sociedade do século 21, marcada pelo consumo. E é necessário que esse consumo seja rápido, abundante, barato e segundo a moda.”

Um jogo

Sem querer ser moralizador, Pedrazzini se diz preocupado com forma em que jovens de 16 anos – às vezes, até menos – bebem rápida e abundantemente.

“Há um problema de saúde pública”, diz o sociólogo. “Hoje, os jovens bebem muito mais rapidamente, muito mais, e o fazem de maneira ostensiva. Embriagar-se no espaço público virou um jogo.”

Um jogo simples. “No início, na Espanha, e, sobretudo em Barcelona, ele era movido pela vontade de se reapropriar de um espaço público acondicionado de maneira tão rica e tão bela, que se havia tornado intocável”, explica Yves Pedrazzini.

Mas esse conteúdo reivindicatório se perdeu nos excessos do botellón. “Por outro lado, se houve uma lei proibitória, provavelmente haverá uma reação que irá se politizar. As pessoas irão porque é proibido”, prevê o sociólogo.

Proibido, mas não sempre

Enquanto as autoridades da Suíça francesa se mostram perplexas, as da Suíça de língua alemã apostam na repressão para evitar os excessos.

Formalmente, está proibido aos jovens de mais de 18 anos, que têm o direito de comprar bebidas alcoólicas, entregá-las aos mais novos. Mesmo que seja difícil impor essa lei, há controles.

A cidade de Chur, capital dos Grisões, foi mais longe, ao decretar uma proibição geral do consumo de bebidas alcoólicas em público da meia-noite às 7h.

Corrida da cerveja

Antes de o botellón avançar de Genebra para outras regiões da Suíça, a corrida da cerveja (Harassenlauf), realizada legalmente no Dia 1° de Maio, em Münchenstein, no estado da Basiléia, já chamava a atenção.

Trata-se de uma corrida em que cada dupla carrega uma caixa de com 20 garrafas de meio litro cerveja a serem consumidas antes da chegada ao destino. Os que não conseguem matar a sede com tanta cerveja ainda podem consumir outras bebidas durante a corrida.

Organizada anualmente desde 1994, essa “competição” originária da Alemanha chega a reunir até três mil participantes. Portanto, a imaginação ebriosa dos norte-europeus não perde para a dos habitantes do sul da Europa.

swissinfo, Marc-André Miserez

O fenômeno do botellón nasceu na Espanha em meados dos anos de 1990, a partir do costume de se encontrar nas cidades durante as noites de verão e também como reação aos elevados preços das bebidas alcoólicas servidas nos bares e nas discotecas.

Jovens entre 16 e 24 anos encontram-se em parques para beber de forma rápida, barata e abundante. Cada um leva sua própria bebida e a tendência é misturar coquetéis.

Um botellón é organizado espontaneamente via internet, por exemplo, através da rede social Facebook, ou por SMS. No verão de 2004, botellones gigantes em grandes cidades espanholas reuniram dezenas de milhares de jovens.

Após vários excessos, as autoridades proibiram a venda de bebidas alcoólicas a partir de um determinado horário. Como as medidas foram pouco eficazes, algumas cidades disponibilizaram terrenos distantes do centro, equipados com latas de lixo e banheiros, para os ‘botellones’.

O jovem de 17 anos que havia convocada o botellón de Zurique para o dia 29 de agosto voltou atrás, nesta terça-feira (19/08), e se distanciou da organização da bebedeira.

Sua desistência, porém, não deve impedir a festa. Cerca de 5.400 jovens já confirmaram sua presença na bebedeira coletiva no Blatterwiese, um parque de lazer e esportes em Zurique.

Algumas cidades suíça também avisaram que terão “tolerância zero” com os bottelones.

Segundo a porta-voz do Instituto de Prevenção contra o Alcoolismo e outras Toxicomanias (Ispa), Monique Helfer, os “bottelones” lembram a onda de ocupações de imóveis dos anos de 1980 e as festas rave dos anos de 1990.

Eles são uma espécie de rito de iniciação, reinventados regularmente pelos jovens com meios contemporâneos. O que é novo é o número impressionante de pessoas que se reúnem rapidamente graças à internet.

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