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ONU necessita ser mais democrática

Pascale Baeriswyl
A embaixadora Pascale Baeriswyl chefia a missão da Suíça na ONU em Nova Iorque. © Keystone / Martial Trezzini

A ONU sofre um déficit democrático. Como futuro membro do Conselho de Segurança, a Suíça quer desempenhar um papel ativo nas reformas da organização internacional.

E de repente todos concordaram: no final de abril, a Assembleia Geral – o órgão mais importante da Organização das Nações Unidas (ONU) – decidiu que, no futuro, um veto no Conselho de Segurança (CS) deve sempre levar a um debate na Assembleia Geral. “Este é um apelo para limitar o uso do veto quando um membro permanente do Conselho exerce este direito”, diz Pascale Baeriswyl, embaixadora suíça da ONU, explicando a decisão – que não enfrentou oposição por nenhum único dos 193 membros. “Esta decisão é fruto de mais de duas décadas de trabalho para um CS mais transparente e eficiente”, acrescentou ela. 

No entanto, a decisão consensual surpreende. Afinal, a ONU demonstrou mais uma vez estar altamente dividida e desunida diante da agressão russa – que violou o direito internacional – contra a Ucrânia. No CS, formado por 15 membros, a Rússia tem usado repetidamente seu poder de veto nas últimas semanas, paralisando a capacidade de ação do órgão, cuja tarefa é salvaguardar a paz e a segurança. No futuro, a Rússia terá, portanto, que enfrentar um debate na Assembleia Geral em casos de veto – assim como todas as outras quatro potências de veto: China, França, Grã-Bretanha e EUA.

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René Schwok, professor de relações internacionais na Universidade de Genebra, fala de “um grande sucesso para os Estados membros menores da ONU, como a Suíça e Liechtenstein”. Este último apresentou o pedido à Assembleia-Geral: “No final, tivemos 80 colaboradores”, diz o embaixador da ONU em Liechtenstein, Christian Wenaweser, e fala de um “passo em frente para o multilateralismo e primeiro passo para novas inovações” da organização mundial. 

Na verdade, este esforço de reforma não foi um caso isolado. Durante anos houve esforços para corrigir os déficits democráticos existentes na ONU, e para reformar o direito de veto – também por parte da Suíça.

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Em 2019, o Conselho Federal (n.r.: corpo de sete ministros que governa a Suíça) escreveu em resposta a um postuladoLink externo no Parlamento suíço: “Acolhemos favoravelmente uma discussão sobre a modernização e o fortalecimento das Nações Unidas, o que inclui a democratização.” Em 2020, o governo apresentou também um relatórioLink externo sobre a democratização da ONU.

Em termos de política interna, entretanto, a Suíça continua a ter dificuldade em envolver seu próprio Parlamento e população na elaboração de posições e prioridades para o trabalho no CS. Legalmente, a população suíça não tem voz direta na política externa.

Responsabilidades do governo

De acordo com a Constituição helvética, o Conselho Federal é responsável pelas relações exteriores. Ele representa a Suíça no exterior e assina tratados. O Parlamento deve aprovar alguns tratados, mas outros são de responsabilidade exclusiva do governo.

De acordo com a Lei do ParlamentoLink externo, o Conselho Federal deve informar regularmente os comitês responsáveis pela política externa e consultá-los sobre projetos importantes. Assim, o Parlamento tem direito à informação e consulta na área de política externa. As comissões de política externa podem fazer uma recomendação ou emitir um parecer. No entanto, o Conselho Federal não precisa levá-los em conta. Ele pode rejeitá-los sem mais justificativas.

Em termos puramente jurídicos, a população e a sociedade civil não têm voz direta na política externa. Somente no caso da aprovação de tratados sob o direito internacional é que o eleitorado tem direito de veto: um referendo pode ser convocado.

O Conselho Federal envolve os cantões na política externa quando as decisões da política externa afetam a competência ou os interesses essenciais dos cantões. De acordo com a Constituição, os cantões são informados e suas posições são ouvidas.

No entanto, se o CS decidisse um regime de sanções completamente novo ou autorizasse uma ação militar durante o mandato da Suíça, as presidentes e os presidentes dos comitês parlamentares de política externa seriam consultados. O govereno também quer informar – retrospectivamente – regularmente a população sobre o comportamento de voto da Suíça no CS. Existem também planos para envolver a sociedade civil nos negócios do Conselho de Segurança, como faz a Noruega em certa medida.

Desta forma, a Suíça vai bastante longe na comparação internacional. “Historicamente, a política externa sempre foi um assunto para o executivo em todos os países”, explica a especialista em direito internacional Anna Petrig, da Universidade da Basiléia. Também na Suíça os direitos abrangentes de participação parlamentar só foram introduzidos com a nova constituição de 1999.

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ícone da ONU
Taliban-Delegation in Oslo

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Conselho de Segurança da ONU: Noruega dá o bom exemplo

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Na maioria dos países, o monopólio dos governos na política externa foi aceito por muito tempo. Mas então, duas tendências globais agitaram os debates:

Primeiro, na ONU (mas não apenas), cada vez mais questões estão sendo reguladas pelo direito internacional, diminuindo o espaço de decisão política das legislaturas nacionais. Isto porque o estabelecimento de normas no nível do direito internacional se dá através dos governos. “Os parlamentos têm notado que certos assuntos estão se afastando deles, porque estão sendo cada vez mais internacionalizados”, diz Petrig.

Em segundo lugar, as chamadas soluções jurídicas não vinculativas estão sendo cada vez mais procuradas, ou seja, acordos não vinculativos, declarações de intenção ou diretrizes que não precisam passar pelo processo legislativo “normal”, que é demorado. Um exemplo é o controverso Pacto de Migração da ONU, que estabelece padrões para lidar com os migrantes. “O pacto migratório foi como um solavanco na questão das leis brandas em muitos países”, diz Petrig, que escreveu um estudoLink externo sobre o envolvimento do Parlamento em leis brandas.

Dos arquivos (3.3.2022), a influência e o papel da Suíça na ONU:

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Imagem graças à candidatura

Como resultado da internacionalização, o eleitorado e os parlamentos estão perdendo influência, enquanto os governos estão ganhando poder de decisão. Na verdade, isto também não é novidade na Suíça. Mas, segundo Petrig, a questão está agora ganhando publicidade. “A candidatura a um assento no CS é como uma lupa para a questão de até onde se estendem os direitos de participação”, afirma ela.

Neste contexto, seria definitivamente um ganho se a agenda da ONU também pudesse ser determinada em processos mais democráticos. Na verdade, esta ideia já chegou. Por exemplo, a proposta de uma Iniciativa Mundial dos CidadãosLink externo foi feita no contexto das conversaçõesLink externo por ocasião do 75º aniversário da ONU. “No futuro, o povo também deve ter voz”, disse recentemente a parlamentar jamaicana Angela Brown Burke, na apresentação do projeto. A ideia é apoiada por parlamentares de 40 países-membros da ONU até o momento, e mais de 200 organizações da sociedade civil.

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Entretanto, para a especialista suíça em direito internacional Anna Petrig, a Iniciativa não seria a solução para todos os problemas. “Há centenas de atores internacionais – não apenas a ONU – e o sistema é extremamente fragmentado. A gama é enorme: de especialistas que escrevem um manual em um “clube de velhos rapazes” que se torna o padrão devido à falta de alternativas, a processos altamente formalizados com debates públicos, como no caso do Pacto Migratório. “Portanto, é difícil dizer qual a melhor forma de regulamentar a participação dos parlamentos nesta diversidade.” Pelo menos, de acordo com a Petrig, a tendência internacional já está caminhando para uma maior transparência e participação.

Isto inclui a recente decisão de veto da Assembleia Geral. Segundo René Schwok, professor de relações internacionais em Genebra, isto significa “um marco importante” no caminho para uma organização mundial mais democrática.

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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