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Suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos levanta questão fundamental

people in damaged Ukrainian church
Igreja atingida por um bombardeio de tropas russas em Makarov, nas cercanias de Kiev, em 10 de abril de 2022. AFP

Em 7 de abril, a Assembleia-Geral das Nações Unidas suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos (CDH) em represália pela invasão da Ucrânia. Como a decisão afeta o trabalho do órgão e quais são as implicações?  

Apenas um outro país já havia sido expulso do CDH: a Líbia, em 2011, devido às graves violações dos direitos humaos cometidos pelo ditador Muammar Gaddafi. A suspensão da Rússia é a primeira a ocorrer dentre os “cinco grandes” membros permanentes do Conselho de Segurança, o órgão máximo da ONU.

Dos 193 Estados-membros da assembleia, 93 votaram a favor da suspensão, incluindo a Suíça, enquanto 24 votaram contra e 58 se abstiveram. “A participação da Rússia no CDH é uma farsa. Isso prejudica sua credibilidade e a da ONU”, declarouLink externo Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos EUA na ONU, no dia da suspensão.

Sergiy Kyslytsya, um apoiador da resolução, apelou à Assembléia Geral para “salvar o CDH e muitas vidas em todo o mundo”. O embaixador da Ucrânia na ONU exortou os países-membros a não apertarem o botão “no”, que ele descreveu como “um ponto vermelho na tela, vermelho como o sangue de vidas inocentes perdidas”.

A votação veio após relatos de que, após a retirada das tropas russas, centenas de corpos de civis haviam sido encontrados em vários lugares como Bucha, na periferia de Kiev. Também já existem provas de que a Rússia atacou a infra-estrutura civil e a parte sul da cidade portuária de Mariupol, colocando em perigo a população civil.

A suspensão da Rússia do CDH exigiu uma maioria de dois terços dos Estados-membros (abstenções não contam). Após a suspensão, Moscou anunciou que se retiraria do órgão.

Resultado “ambíguo”

Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, já ocorreram duas outras votações na Assembléia Geral, onde a Rússia foi condenada pelo que denomina “operação especial”.  Nelas, 141 e 140 paises dos 193 membros da ONU votaram a favor. A que decidiu pela suspensão da Rússia do CDH passou com apenas 93 votos a favor, enquanto os demais foram contra, se abstiveram ou não votaram. Muitos questionam a legitimidade da votação. 

Phil Lynch, diretor da Serviço para Direitos Humanos, uma ONG baseada em Genebra, rejeita esta idéia. Ele afirma que dois votos anteriores foram declarativos (ou seja, sem força de voto) e não produziram um resultado concreto.

“Acho que a queda nos números reflete o fato de que foi uma votação muito conseqüente, e que a Rússia iniciou uma campanha de pressão, intimidação e ameaças”, disse.

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Pressão da Rússia

Várias fontes diplomáticas confirmaram à swissinfo.ch que a Rússia havia enviado uma carta para suas missões, advertindo que qualquer país que votasse “sim”, se abstivesse ou não votasse seria considerado um “país hostil”.

Lynch diz ter visto a carta enviada às missões em Nova York e Genebra. Ela teria também teria advertido aos países que não se opor à suspensão teria sérias conseqüências, tanto multilateralmente como bilateralmente. “Não é uma ameaça trivial de um membro permanente do Conselho de Segurança com poder e influência militar e econômica significativa”, avalia Lynch.

Olivier de Frouville, professor de direito público da Universidade de Paris e especialista em questões de direitos humanos da ONU, considera o voto “ambíguo”. O acadêmico diz que, embora os requisitos processuais tenham sido cumpridos, “a maioria não foi esmagadora”.

“Não são tanto os 24 que votaram contra, cujas razões foram claras, mas alguns desses países também são acusados de violações maciças dos direitos humanos. No entanto, os 58 que se abstiveram devem preocupar os promotores da ação”, completa.

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Os resultados da votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU em 7 de abril, que decidiu pela suspensão da Rússia. © United Nations

China, que havia se abstido anteriormente, votou “não”. Assim como outros países africanos e da Ásia Central, em particular. Índia, próxima tanto com a Rússia como do Ocidente, se absteve apesar de ter condenado o massacre de BuchaLink externo.

Criminosos flagrantes no Conselho

A suspensão da Rússia levanta outra questão: existem outros países no CDHLink externo que não são bons exemplos de respeito dos direitos humanos: China e Eritréia, Venezuela, Cuba e até os Emirados Árabes Unidos, acusados de atrocidades na guerra do Iêmen. Então por que não foram suspensos como ocorreu com a Rússia?

Lynch argumenta que é uma combinação de fatores com “provas esmagadoras de crimes hediondos cometidos no contexto de uma guerra de agressão contra um Estado soberano” e o não respeito evidente à Carta das Nações Unidas. Isto torna o caso da Rússia diferente e explica por que foram tomadas medidas contra o país ao contrário de outros também responsáveis por violações sistemáticas dos direitos humanos.

De Frouville argumenta que esta é uma decisão política de vários países de suspender um membro e não outro. Ele lamenta que “não exista nenhum tipo de mecanismo especializado independente que faça uma recomendação à Assembléia Geral para suspender o país-infrator”. Mas concorda que “na situação ucraniana há uma especificidade ligada ao contexto de agressão que não pode ser encontrada em outras situações”. 

Embora também se possa argumentar que a Eritréia – um dos piores violadores dos direitos humanos desde 2000, também apelidada de “Coréia do Norte da África” – também interveio em outros lugares. Suas tropas, por exemplo, são acusadas de cometer alguns dos piores massacres e violações na guerra do Tigray na Etiópia.

Lynch ressalta que a suspensão de um membro do Conselho de Direitos Humanos requer uma maioria de dois terços dos membros presentes na Assembléia Geral. “No caso da Eritréia, o apoio é fraco e chega até mesmo a existir uma forte oposição, sobretudo de outras nações africanas”.

E a China, acusada de possível genocídio contra sua população uigur, bem como de repressão em Hong Kong?

“Penso que no caso da China, mais uma vez, a evidência de violações sistemáticas, possivelmente constituindo crimes contra a humanidade, especialmente na região de Xinjiang, é esmagadora”. Mas atualmente, dada a extensão de seu poder e influência financeira, política e militar, e a dependência de muitos países da China, é muito difícil encontrar apoio suficiente para condenar o país”, explica Lynch.

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Como suspensão afeta Conselho?

Quando a Assembléia Geral votou pela suspensão da Rússia do CDH, o governo russo anunciou a retirada do país. “Foi como anunciar a demissão depois de ser despedido”, comentou um embaixador de um pais ocidental.

Então, como a saída da Rússia afetará o CDH? A retirada significa que há um assento vazio. Também será realizada uma votação para eleger um membro substituto do grupo da Europa Oriental. Segundo um porta-voz da ONU, ainda não estava claro quando a votação irá ocorrer.

De Frouville acredita que a retirada da Rússia melhorará a atmosfera no órgão da ONU. “Nos últimos dois anos, a Rússia foi um fator de tensão, no sentido de que desafiou vigorosamente uma série de iniciativas sem esperar ganhar a votação, mas sim para defender sua posição.

Recentemente a Rússia também se opôs à proposta de participação das crianças e apresentou 10 emendas hostis a um projeto de resolução sobre o direito de um meio-ambiente saudável. O país também apresentou emendas para defender os chamados “valores tradicionais” em questões como direitos reprodutivos e violência contra a mulher”, afirma.    

Lynch acredita que a retirada da Rússia significa “que eles boicotarão efetivamente o CDH”. Mas, pelo menos em teoria, a Rússia poderia continuar como observadora. “Tudo depende de Moscou”, ressalta Lynch.

Em qualquer caso, Lynch acredita que a Rússia continuará a pressionar e ameaçar outros estados “se não diretamente, pelo menos através de aliados como a Bielorrússia. O fato terem se envolvido em tal campanha de pressão e intimidação mostra que o CDH é importante e que países como a Rússia e China tentam usar sua participação no órgão para minar os padrões de direitos humanos e fugir da sua responsabilidade.”

Editado por Imogen Foulkes 

Adaptação: Alexander Thoele

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