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Polícia vira peça de teatro-documentário

Stefan Kaegi e Lola Arias durante o "treinamento" com a polícia paulistana.

O artista suíço Stefan Kaegi e a diretora argentina Lola Arias apresentam no Festival de Teatro Brasileiro em Berlim um espetáculo tendo a polícia brasileira como principal protagonista. Os atores são leigos que fazem ou fizeram parte da polícia civil ou militar.

O repórter Márcio Damasceno assistiu “Chácara Paraíso” e conta como a peça foi exibida até um prédio de São Paulo.

Meses depois que o filme “Tropa de Elite” provocou controvérsia ao ganhar o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, o artista suíço Stefan Kaegi e a diretora argentina Lola Arias trazem para a capital alemã um outro espetáculo tendo a polícia brasileira como protagonista.

“Chácara Paraíso – Mostra de Arte Polícia” é uma espécie de peça mesclada com instalação, apresentada nesta quinta e sexta como parte do festival de teatro brasileiro “Brasil em Cena”. No espetáculo, os intérpretes não são atores, e sim pessoas da vida real, que fazem ou fizeram parte da polícia civil ou militar e contam o “osso duro de roer” que é o cotidiano de um policial.

É uma experiência que pode provocar reações diversas. “Você fica muito próximo com o policial, como nunca ficaria”, diz Lola Arias. “É uma experiência estranha. As pessoas podem sentir medo ou repulsa, e também se emocionam”, conta a argentina.

A idéia é mostrar o ser humano por trás da farda ou da instituição, fugindo da visão maniqueísta que, segundo os artistas, contamina filmes brasileiros recentes de sucesso internacional, como o “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”.

“Tropa de Elite tenta pintar uma imagem de heroísmo, como nos filmes de Hollywood. Nós temos uma percepção mais diferenciada. Nosso projeto tenta mostrar o outro lado desse heroísmo, com situações familiares e dificuldades do cotidiano dos policiais”, explica Stefan Kaegi.

Mapeamento da polícia

O projeto não é a primeira criação de Kaegi sobre um tema brasileiro. O artista suíço radicado na Alemanha e ligado ao grupo Rimini Protokoll – cujas criações seguem sempre a linha de teatro-documentário – esteve em 2005 em São Paulo e Rio com o espetáculo “Torero Portero”, um retrato do cotidiano de porteiros de prédios.

Para fazer “Chácara Paraíso”, Kaegi fez, junto com a diretora Lola Arias, uma espécie de mapeamento orgânico da instituição policial. O trabalho incluiu visitas a centros de formação e treinamento, cerimônias de formatura, centros de atendimento psicológico e até a capela da Polícia Militar de São Paulo. A montagem já passou por Munique e Lisboa e foi mostrada ano passado em São Paulo, no 14º andar de um prédio da Avenida Paulista.

O cenário de “Chácara Paraíso” se espalha por um labirinto de escritórios vazios, no quarto andar de um edifício onde funcionava uma agência estatal de empregos. Guias acompanhados de um tradutor conduzem os espectadores pelo espaço, fazendo com que eles testemunhem situações que misturam realidade e ficção. O tema é o cotidiano e a vida de funcionários de diversos departamentos policiais. Pequenos grupos entram a cada 20 minutos pelos corredores, visitando salas onde estão expostos universos distintos das corporações.

Treinamento militar

Kaegi e Arias incorporaram ainda a simulação em que policiais reproduzem situações de treinamento militar, em que simulam tiros em bonecos de papelão ou uma caçada a criminosos. Há uma favela cenográfica imitando aquela que os criadores viram na Chácara Paraíso, centro de formação da PM, no bairro paulistano de Pirituba, que dá nome ao espetáculo. O lugar é o maior campo de treinamento policial da América Latina.

Os espectadores têm encontros com protagonistas que relatam parte de sua vida, “atores” que foram selecionados através de anúncio de jornal.

Um deles é Isabel. Funcionária da central telefônica 190 da Polícia Militar, ela conta como consegue superar a depressão e o cansaço de atender a cerca de 600 ligações por dia, recebendo trotes e ouvindo vozes de desespero e medo do outro lado da linha.

Em outro ambiente está Pedro Amorim, ex-funcionário do serviço de inteligência da PM que conta, acompanhado por sua cadela adestrada Agatha von Dog Park, como usou de “sensibilidade teatral” para atuar como agente infiltrado em quadrilhas de criminosos e descobrir traficantes, auxiliado pelo faro refinado de seu animal.

Misturando realidade e ficção, as narrativas são ilustradas com música, inscrições na parede, fotos pessoais, ressaltando o caráter biográfico das histórias.

swissinfo, Márcio Damasceno

Chácara Paraíso é o local onde se encontra o maior centro de formação de soldados da Polícia Militar da América Latina, no bairro de Pirituba, São Paulo. Nesse local, todos os dias mais de dois mil soldados aprendem marchas, abordagens e ataques. Existe até uma favela cenográfica para que os policiais ensaiem simulações de ocorrências, segundo eles, “as mais próximas possíveis da realidade”.

Os diretores teatrais Lola Arias (Argentina) e Stefan Kaegi (Alemanha), que trabalham juntos pela primeira vez, visitaram centros de formação e treinamento, cerimônias de formatura, centros de atendimento psicológico, cavalarias, o Corpo Musical e até a capela da Polícia Militar de São Paulo. Durante este percurso, surgiu uma imagem heterogênea e surpreendente da instituição policial, uma sociedade dentro da sociedade.

Chácara Paraíso foi o nome escolhido para uma forma de instalação que mescla o documental e o ficcional, mostrando biografias de pessoas que em algum momento de sua vida atravessaram o universo policial. A peça oferece um treinamento da percepção do público, pois questiona a distinção rápida entre “bom” e “mau”.

(descrição no site)

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