Governando a Internet a partir da terra de Rousseau
Se a internet deve servir à democracia no mundo, ela precisa ter seu próprio governo global. Tal governo poderia funcionar em linha e estar sediada concretamente em Genebra. É o que sugere nosso colunista, Joe Mathews.
Os métodos atuais de governança Internet não constituem um sistema coerente. E muito menos, democrático.
A contrário, a governança da Internet é uma disputa pelo poder entre as empresas tecnológicas mais poderosas, que colocam seus acionistas em primeiro lugar e querem que a Internet seja um sistema aberto. Já governos priorizam os interesses políticos de seus próprios representantes.
Nessa disputa, ambos os lados se arvoram defensores da democracia. Facebook instaurou seu próprio comitê de supervisão independenteLink externo, cujos membros não são eleitores diretamente, mas sim escolhidos pelos dirigentes da rede social. A União Europeia destaca sua regulamentação mais rígida de privacidadeLink externo e da internet. Porém esses reguladores também não são eleitos e impõem suas regras até a pessoas que vivem fora do continente europeu.
É por isso que a Internet precisa de um governo democrático, que operaria fora da esfera de influência das empresas de tecnologia ou dos governos nacionais. Esse sistema desse ser local – permitindo que os usuários controlem a internet nos países em que vivem – e transnacional, como funciona a própria rede.
Ainda não existe uma visão clara de como funcionaria esse governo, mas existem muitas peças que poderiam ser misturadas para constituí-lo
Direitos digitais
Uma rede europeia de organizações de direitos humanos escreveu um “Estatuto dos Direitos DigitaisLink externo“. O Artigo 4, por exemplo define que “toda pessoa tem direito à liberdade de expressão e de expressão no mundo digital. Este poderia fazer parte da constituição de um “governo” da internet. A Iniciativa NetMundialLink externo, desenvolvida nos últimos anos com um forte impulso do Fórum Econômico Mundial e de políticos brasileiros, oferece ideias de uma governança internacional da internet construídas em torno de um conselho, composto por membros rotativos e permanentes.
Há lições a serem aprendidas com a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANNLink externo, na sigla em inglês), uma entidade sem fins lucrativos que governou com sucesso uma parte da internet – alocação do espaço de endereços do Protocolo da Internet (IPv4 e IPv6) – com participação de mais de 110 países e que funcionou de 1998 a 2016.
Um governo da internet eficaz precisa ser coletivo: pois o poder e o valor comercial da rede não devem depender de um usuário ou informação, mas na agregação de usuários e dados. Em um ensaioLink externo publicado na revista Noema, Matt Prewitt, presidente da Fundação RadicalxChangeLink externo, sugeriu estruturar a governança da Internet não em torno de direitos individuais de dados, mas sim em torno de uma série de “coalizões de dados”, ou seja, sindicatos online que dariam às comunidades de usuários a necessária legitimação democrática.
“Os dados não devem ser propriedade de alguém, mas sim administrados”, escreveu Prewitt. “Os dados devem ser objeto de decisões democráticas compartilhadas e não de decisões individuais ou unilaterais”. Isto apresenta desafios particulares para as ordens jurídicas liberais que normalmente se baseiam em direitos individuais.”
Governo democrático
De forma semelhante, sugeriria que o governo democrático da internet combine múltiplas formas de governança democrática.
O centro de tal governo deve ser uma assembleia de cidadãos – uma ferramenta usada no mundo inteiro por países e comunidades para obter decisões democráticos independentes das elites. Esta assembleia de cidadãos seria composta por mil pessoas que, juntas, seriam representativas por idade, sexo e origem nacional da comunidade global de usuários. Elas não seriam eleitas individualmente, mas sim escolhidas através de um processo aleatório como um sorteio.
A assembleia seria complementada por uma plataforma online que permitisse às pessoas comunicar problemas, fazer sugestões ou mesmo apresentar petições que poderiam ser votadas pelos usuários em qualquer parte do mundo, em uma forma de referendo global. Os modelos para tal plataforma inclui a polêmica plataforma online chamada de RousseauLink externo, através do qual o partido populista italiano Movimento Cinco Estrelas (M5S) administra seus negócios e “Decide MadriLink externo“, a estrutura participativa online que se espalhou da capital espanhola para mais de 100 cidades em todo o mundo.
Sede concreta na Suíça
Governos nacionais e empresas de tecnologia tentariam desesperadamente influenciar este governo, mas não estariam no comando. E cada assembleia de cidadãos se dissolveria após dois ou três anos, tornando mais difícil para poderosos de exercer pressão sobre este.
Se este “governo” funciona completamente em linha, poderia ter uma sede concreta na cidade natal do filósofo suíço Jean Jacques Rousseau no século 18: Genebra.
Se tal governo sobrevivesse e fosse bem-sucedido, poderia fazer parte do rol de organizações internacionais sediadas na Suíça como a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Ele também poderia servir de modelo de governança democrática internacional para tratar de problemas globais nas áreas de saúde pública o até das mudanças climáticas.
Joe Mathews escreve para os portais Zócalo Public SquareLink externo e swissinfo.ch.
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